Nada de Novo no Front

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

O filme Nada de Novo no Front é uma refilmagem da obra de Erich Maria Remarque, que descreve a adesão de jovens alemães para lutar na Primeira Guerra Mundial e mostra a decepção e o terror dos campos de batalha.

 

Este ano o serviço de streaming do Netflix concorreu ao Oscar de 2023, com o filme alemão Nada de Novo no Front (título em português do original Im Westen nichts Neues). O filme ganhou várias estatuetas, entre elas a de Cinematografia, feita originalmente com a câmera Arri Alexa 65, de altíssima resolução.

O romance em si, escrito por Erich Maria Remarque, é muito conhecido, foi alvo de um filme feito em 1930, lançado pela Universal, e de um filme para televisão em 1979, o qual não me lembro se foi exibido por aqui.

A estória, vivida pelo autor do livro, e que a torna quase autobiográfica, se passa na Primeira Guerra Mundial, conhecida até hoje como A Grande Guerra, e enfoca os horrores do campo de batalha. Trata-se, portanto, de uma obra anti guerra, espírito esse mantido nos filmes.

O filme atual está sendo exibido pelo Netflix:

A exibição é acompanhada de um documentário sobre a realização do filme (“Making Of”), para quem tiver interesse:

Eu assisti ao filme da melhor maneira possível, com a ajuda do meu Apple TV 4K ligado ao receiver, obtendo assim as características técnicas do original: imagem UHD 4K, com Dolby Vision e Dolby Atmos. Já existe à venda uma edição Blu-Ray 4K, com as mesmas especificações.

O terror das guerras na tela

A Primeira Guerra Mundial começou em julho de 1914 (foi conhecida aqui também como “a guerra de 14”) e terminou em 11 de novembro de 1918, quando a Alemanha assinou um armistício vexatório com a França, com o objetivo de encerrar o conflito, que havia ceifado cerca de 17 milhões de pessoas, entre soldados e civis. O estopim principal para o conflito foi o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand, por um grupo terrorista de direita da Sérvia.

A Europa viveu conflitos de toda ordem nos séculos 19 e 20, e por motivos políticos diversos. Achava-se que, com o término da Grande Guerra de 1914, estes conflitos iriam se encerrar, mas os alemães saíram desta guerra humilhados pelos aliados e não tardaram a se vingar. O tratado assinado deixava a Alemanha sem condições de se defender de futuras agressões.

O resultado disso tudo, que bem poderia ser evitado, caso as circunstâncias fossem outras, foi a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939, quando os nazistas atacaram a Polônia.

O partido nazista, liderado por Adolf Hitler, encampou a ideia de que a Alemanha estava na miséria devido a uma série de fatores econômicos e ao poderio financeiro concebido por judeus que exploravam o capital. O ódio antissemita foi se espalhando com a ajuda da propaganda e dos discursos públicos, prévios ao início da guerra.

Outro ódio que estimulou o início do conflito foi o da humilhação daquele tratado assinado por alemães na Primeira Guerra, considerados traidores. Os nazistas prometeram, e cumpriram, devolver a humilhação.

Essas duas grandes guerras deixaram um rastro gigantesco de mortes. Os filmes feitos para o cinema, entretanto, se dividiram entre roteiros hipócritas, construídos para super valorizar soldados e generais, tornando-os heróis dos conflitos, portanto pró guerra, e outros, que condenavam os conflitos.

Em uma outra vertente, vários cineastas usaram o mesmo tema, mas para denunciar o sacrifício de vidas humanas. Um dos filmes que mais demonstrou o terror no campo de batalha foi “Das Boot”, de 1981. O atual Nada de Novo no Front segue pelo mesmo caminho.

Alguns críticos reclamaram da liberdade de acrescentar cenas no novo filme, que nunca existiram no livro de Remarque. As cenas da assinatura do tratado foi uma delas, mas, a meu ver, necessária para a compreensão histórica dos conflitos que vieram a seguir, e também para mostrar o lado alemão dentro do conflito.

O filme novo, entretanto, a despeito de qualquer crítica extemporânea, cumpre o seu papel. Não há nada de romântico na devastação propiciada pelos combates. Em tese, o cinema não deveria se prestar a qualquer tipo de propaganda a favor de heroísmo dos vencedores, e sim denunciar a maneira como vidas humanas são usadas para fins militares, os quais nada mais são do que conquistas de poder político e/ou financeiro.

Clausewitz, militar prussiano, escreveu que “a guerra é uma mera continuidade da política, por outros meios”. E isso, aparentemente, se aplica às duas guerras mundiais.

Em Nada de Novo no Front, o retrato da realidade sobre a adesão militar dos jovens é mostrada graficamente. Este entusiasmo se encerra quando esses jovens vivenciam a realidade dos campos de batalha!

As vítimas das guerras não são somente os mortos e feridos. Os sobreviventes sofrem de traumas psicológicos, a ponto de não se reajustarem à vida civil. Ex combatentes são vítimas de preconceitos e discriminações, tema este muito bem explorado no filme Rambo: Programado Para Matar, de 1982.

As lições que deveriam ser aprendidas, mas não foram

Uma das poucas aulas que eu gostava de assistir no colégio eram as de História. Um dos meus professores exortava os alunos para sempre indagar se a história se repete, ou se a repetição de eventos se trata de uma mera coincidência. E este questionamento se mostrou relevante para mim até hoje!

O número gigantesco de mortes da Grande Guerra foi facilmente suplantado na Segunda Guerra. Uma estatística aproximada desta última mostra quantidades significativas de perdas por cada país envolvido, principalmente por Rússia e China.

Historiadores já demonstraram que o surgimento e a proeminência política de Hitler, anteriormente um cidadão sem expressão alguma, foi fruto do seu discurso inflamatório e sedutor, conclamando o povo alemão para a sua valorização étnica.

De fato, na Alemanha muito se fez pela ciência e pela tecnologia. A Bioquímica, campo no qual estudei e trabalhei a vida toda, surgiu na Alemanha, inclusive cunhando a origem do nome. Quando ainda estudante, eu já ouvia falar meus professores descreverem o “Ciclo de Krebs”, e depois, ao estudar muitas vias metabólicas, surgiam nomes como, por exemplo, Otto Meyerhoff, que descreveu importantes caminhos por onde transitam substâncias vitais do metabolismo energético.

A despeito de suas grandes conquistas e da ciência avançada, a Alemanha se rendeu aos militares, que usaram muito dos seus avanços científicos para fins bélicos. Hitler exortou a grandeza da Alemanha, como político, mas depois de convencer o público em geral, se tornou um ditador feroz, eliminou a oposição, e fez a sua máquina de propaganda justificar a invasão de territórios vizinhos, o extermínio de raças consideradas inferiores e, eventualmente, a deflagração de um conflito devastador.

O estudo da História é importante na formação de qualquer ser humano

Espera-se que a análise dos acontecimentos que abalaram o mundo seja revista e analisada, e de lá retiradas as lições que poderiam, em tese, evitar que novas catástrofes aconteçam.

Como estudante, eu tive chance de aprender muito pouco sobre os conflitos mundiais. Na adolescência, eu vi os cinemas do bairro exibindo ocasionalmente documentários sobre a Segunda Guerra Mundial, explorando as atrocidades dos campos de concentração, mas nenhum deles teria me acrescentado qualquer coisa de útil. A imprensa criada por judeus, como a da revista Manchete, que, volta e meia publicava alguma matéria desclassificando Hitler como um homem normal, também não me ajudou em nada, era propaganda pura disfarçada de supostos documentos.

Foi através de outros meios que eu aprendi mais sobre o que de fato aconteceu na Europa, desde antes da virada do século 19 para o 20, onde a realidade política e social de lá já tinha mudado substancialmente. Quando eu morei em Cardiff, eu imediatamente vi que a memória da Segunda Guerra estava longe de ser apagada, não só na mídia como nas pessoas mais velhas, que ainda guardavam os traumas daquele conflito! Uma data específica era celebrada todo ano: a retirada de Dunquerque do que sobrou do exército britânico.

É preciso ter uma visão crítica sobre aqueles que fazem parte de qualquer conflito, na escala de uma guerra mundial, para depois poder perceber que nestes conflitos não existem santos nem heróis como normalmente se imagina.

As guerras, como nos mostra a obra de Remarque, roubam a vida dos mais jovens, seja por morte, ferimentos ou traumas. São eles os mais influenciáveis por credos de patriotismo, superioridade de raças, etc. E são os mais velhos os responsáveis pela exortação de valores deste tipo, uma espécie de educação de base pervertida. No filme atual da obra de Remarque, logo no início se vê um desses tipos doutrinando os estudantes a este respeito. Na Alemanha nazista foi criada a juventude hitlerista, com o mesmo objetivo. Ao final da segunda guerra, os combatentes defendendo inutilmente Berlim eram, na sua maioria, crianças e jovens adolescentes.

E, se alguma lição se pode tirar de tudo isso é que sem uma educação que construa de verdade as mentes dos mais jovens, de fazê-los serem capazes de pensar e analisar tudo o que vêm e ouvem, as chances de se formar uma sociedade civilizada e preparada para o futuro são mínimas. Se o cinema contribuir para nos mostrar isso, tanto melhor! Outrolado_

 

. . .

A força da propaganda subliminar

O roteiro de Fury deixou os fãs furiosos

Winston Churchill e a Segunda Guerra Mundial de volta nas telas

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

0 resposta

  1. Bravo, Paulo, embora se faça desnecessário dizer!!!
    Seu comentário sempre tão inteligente, elucida os que já tem algum conhecimento e ensina os leigos sequiosos em saber!!!
    Obrigada!!!

    1. Oi, Ana Ghastine,

      É sempre bom saber que os meus textos têm ressonância, não pela vaidade de ser aceito, o que seria o lado humano de cada um, mas por saber que as ideias e pensamentos contidos no meu esforço são acolhidos por quem lê, e quem sabe, compartilhados de forma sadia. Eu acho que, depois de uma certa idade, o correto é sempre tentar trazer uma luz a todo tipo de comunicação com terceiros. Nem sempre se acerta, mas não custa nada tentar.

      Obrigado pela leitura e pelo elogio.

  2. Olá Paulo. Mais um grande filme de guerra chegou recebeu os holofotes e prêmios da academia. Mas isso por si só não teria motivos para tanto alarde, a não ser pelo fato de trazer uma dose de polêmica ainda maior, a produção foi bancada pela lider no segmento de Streaming. A Netflix está duelando com os tradicionais grandes estúdios de cinema. Será que estamos vivendo uma nova fase de mudança ou transição na produção e lançamentos de blockbusters, que pulam a janela de exibição e estão estreitando direto na casa dos cinéfilos/assinantes ? Qual o poder e até onde irá o Streaming ? Um abraço.

    1. Oi, Rogério,

      É verdade. O streaming da Netflix sofre com a concorrência dos outros, que acabaram retirando deles filmes de maior audiência. Na prática, isto nos obrigaria a assinar mais serviços, o que eu, pessoalmente, acho um absurdo!

      Há de fato uma mudança nos projetos em produção, acho eu, por enquanto, para melhor. Grandes estúdios sempre foram ditatoriais, e talvez a Nerflix não seja. Este filme, em particular, parece ter sido rodado com total liberdade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *