Filme A Baleia: a obesidade mórbida é uma doença grave

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Mmostra as consequências clínicas da obesidade mórbida e os conflitos de um pai ausente com a filha

O filme A Baleia mostra um homem com obesidade mórbida recluso em casa, e com conflitos familiares parecendo insolúveis. A estória se passa inteira no mesmo ambiente!

 

Eu acabei assistindo, confesso que com certa relutância, o filme A Baleia, estrelado por Brendan Fraser, ator que acabou levando o Oscar.

Caramba, eu tenho boas lembranças do trabalho deste ator, nos filmes A Múmia e O Retorno da Múmia, sendo que no primeiro deles eu e meus filhos estávamos em Cabo Frio, cidade natal da minha mãe, onde o antigo cinema ao lado da Igreja tinha sido reformado, e estava muito bom. Assistimos o filme na sessão das 7, e depois saímos dali para comer uma pizza na orla. Uma noite agradável como poucas. Assistir agora Brendan Fraser todo deformado na tela de agradável não teve nada!

Eu fiquei na dúvida se o filme e a peça foram construídos para mostrar as consequências clínicas da obesidade mórbida, cujos sinais eu os conheço um pouco, ou os conflitos de um pai ausente com a filha, ou ambas as coisas.

Também não entendi porque o filme foi rodado em 1.33:1, formato este abandonado décadas atrás do século passado. Inicialmente, achei tratar-se de algum engano, mas depois vi que não era o caso. Outra coisa esquisita é que nos créditos aparece citado o formato de áudio em Dolby Atmos, mas nem na cópia em Blu-Ray este formato aparece!

Brendan Fraser, ele mesmo atualmente já um pouco gordo, vestiu uma roupa exagerada e desconfortável para encarnar o personagem. Depois ele disse que a filmagem tinha sido um pesadelo:

Não se admira, porque não se trata apenas do peso e da constrição corporal vindos da prótese, mas a dificuldade de personificar a falta de mobilidade de um paciente com este tipo de doença.

A obesidade é uma doença que precisa de muita atenção multidisciplinar, e não só de nutrólogos ou nutricionistas

Eu tive a sorte e o privilégio de conviver com a Professora do Departamento de Clínica Médica da UFRJ Munira Aiex Proença, psiquiatra com alto grau de qualificação acadêmica. Em uma das reuniões de planejamento do nosso programa curricular ela nos assegura que “a maturidade é a capacidade dos adultos em resolver problemas”, ou seja, na prática a maturidade plena é muito difícil de ser atingida por qualquer um. Ela também me ensinou muita coisa sobre estresse, útil, acreditem se quiser, para a análise dos meus trabalhos experimentais, porque isto também ocorre ao nível celular.

Existem problemas clínicos nos quais o simples tratamento por drogas e/ou dietas não é suficiente. O diagnóstico clínico dessas doenças pode e deve ser acompanhado por uma avaliação e potencial tratamento do lado mental dos pacientes. O conceito de “saúde” se expressa, na realidade, em um equilíbrio entre o mental e o físico. E um influencia o outro, podendo, em algumas circunstâncias, fazer crepitar doenças fruto de um desequilíbrio entre esses dois fatores ou de ambos.

A obesidade se encaixa nesta categoria de doença. Na anamnese, é preciso lançar mão de uma série de medidas antropométricas e clínicas, além de um acesso psicanalítico. Muitos anos atrás, eu acompanhei de perto o trabalho científico de colegas médicos e nutricionistas que envolviam o assunto obesidade. Como não era a minha área de trabalho, eu fiquei de longe observando o que estava sendo feito. Naquela época, por exemplo, os estudos envolvendo as medições por bioimpedância ainda estavam no início, com incertezas sobre os métodos de medição e os resultados obtidos.

O estudo físico da obesidade e assuntos correlatos por bioimpedância e outros métodos objetiva ser feita uma avaliação entre o que se chama de “massa magra” (quantidade de tecidos fisiologicamente ativos) e a “massa gorda” (tecido sem função, a não ser a do armazenamento de alguma substância, como, no caso, as gorduras). O estudo irá determinar se o paciente tem um desbalanceamento entre as massas magra e gorda. Se houver, ele conduzirá a uma série de outras medidas, para completar o diagnóstico clínico e a previsão do tratamento.

Fatores de risco, como, por exemplo, o tabagismo, aumentam as chances do obeso em desenvolver doença cardiovascular. O risco de êxito letal do paciente obeso, principalmente o do obeso mórbido, é muito alto! Doenças colaterais, como o diabetes, rondam os pacientes obesos, complicando sobremaneira a programação da dieta necessária ao tratamento.

O obeso mórbido no personagem do filme

Durante as quase duas horas de duração, o que se vê na tela é um ambiente quase claustrofóbico, onde um professor de inglês com obesidade mórbida se comunica com seus alunos on-line, ocultando propositalmente a sua imagem grotesca, não querendo que os seus alunos a vissem.

Conflitos de sua relação incompleta com a filha aparecem quando ela resolve entrar na casa dele. As tentativas do pai professor de resolver estes conflitos fracassa redondamente na maior parte da conversa entre ambos.

O homem passa mal, mas não tem plano de saúde, e se recusa recorrer a um hospital para ser socorrido. O dinheiro guardado por ele destina-se exclusivamente à filha, que parece não entender o porquê daquela economia.

O filme mostra um ser humano autodestrutivo, típico de um obeso que não para de comer. O reencontro com a filha piora consideravelmente o seu estado de espírito. Mas, no final, ele consegue fazer a filha ler o que sobrou da composição que ela havia feito para a escola, a qual ele ouve com enorme orgulho do potencial de escrita honesta da filha, e isso o faz feliz. A cena final mostra um homem à beira da morte, que se ergue e vai para o céu. Desculpem por estragar o final para quem ainda não viu o filme.

Os conflitos das gerações

Quem é pai pela primeira vez não tem ideia da dificuldade que ele irá enfrentar na relação com os filhos. Existem fatores somáticos, que se expressam na adolescência, e que se somam à falta natural de experiência de vida, aspectos esses que dificultam ainda mais este tipo de relação interpessoal.

Pais que, em seus dias como adolescente, foram rebeldes, com a idade colocam os pés no freio, às vezes se tornando conservadores, e em muitas circunstâncias não conseguem administrar a mesma situação, desta vez vivida pelos filhos. É preciso entender cada fase do(a) jovem adolescente, e isso nunca é fácil.

Os filhos, por seu turno, ao crescer vão sempre subestimar a experiência de vida dos pais, e achar que sabem mais do que eles, pouco importa se o pai é membro da academia ou recipiente de um prêmio qualquer. E os pais são obrigados a entender tudo isso com clareza e ter paciência para aguardar (ou torcer e rezar, se for o caso) para que os filhos amadureçam e enxerguem a vida com outros olhos.

Décadas atrás, eu assisti a uma propaganda muito bem bolada de um jornal, onde o pai, sentado lendo aquele jornal, ouve o filho dizer que ele não sabia nada de um determinado assunto político. O pai responde “Ah é?”. Na cena seguinte, se vê o pai adolescente em uma marcha de manifestação na rua, em pleno movimento estudantil contra a ditadura.

Esse mesmo tipo de dificuldade é enfrentada por educadores e psicanalistas. Até hoje, eu acho que isso só muda quando uma circunstância adversa passa pela vida do indivíduo mais jovem, e que o força a refletir sobre o que os pais falam.

Muitos dos conflitos entre pais e filhos e que se refletem no comportamento dos adolescentes são culpa dos próprios pais, que se recusam a aceitar a hipótese de que seus filhos apenas refletem negativamente o que eles pais pensam.

Cada criança ou adolescente irá mostrar aos pais o conceito de individualidade, e não existe, neste particular, um filho igual ao outro. Saber lidar com isso como pai é muito complicado. Esta complicação, diga-se de passagem, talvez tenha sido o melhor momento do filme A Baleia. No filme, o pai, ciente da proximidade da morte, luta até o fim para que a filha o reconheça como um pai que nunca se afastou dela espiritualmente, embora pareça o contrário.

É uma pena, mas aparentemente não existe uma receita mágica que impeça o conflito de gerações entre pais e filhos. Os hábitos e os ambientes mudam com o passar do tempo, e isso aprofunda mais ainda um abismo que já existia. Entretanto, sempre caberá aos pais entender esse abismo e impedir que ele se aprofunde!

Falando novamente sobre o filme A Baleia, depois de duas horas eu cheguei à conclusão que ele não me agradou como cinema na sua totalidade, e eu digo isso com a minha roupa de cinéfilo apenas.

Na época da Nouvelle Vague muitos filmes eram também amparados em diálogos intermináveis, e eu saí algumas vezes dos cinemas com dor de cabeça, que foi resultado da monotonia das cenas. Talvez tenha sido isso que me fez não aturar e ter dificuldade de assistir A Baleia. Torço para que o leitor não sinta o mesmo! Outrolado_

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Nada de Novo no Front

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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