Um Corpo Que Cai, a obra prima de Hitchcock, em 4K e HDR

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Até então, a versão em Blu-Ray era a melhor imagem que se poderia querer deste filme. Mas, hoje ela parece pálida, quando comparada à imagem 4K, tratada com HDR10

Um Corpo Que Cai (Vertigo ou Vertigem) teve várias transcrições em vídeo, mas a recente versão em Blu-Ray 4K supera tudo que foi lançado antes. A fotografia VistaVision restaurada e o som em 3D completam a melhor edição desta obra-prima do mestre do suspense.

 

Eu quase perdi a conta de quantas versões de Um Corpo Que Cai (no original Vertigo, Vertigem ou Tontura, para os íntimos) eu já tive em disco. A primeira foi em Laserdisc, na época a melhor transcrição em vídeo que se podia obter. Depois, o filme foi lançado em DVD, mas, infelizmente, mantida a transcrição 4:3 letterbox da edição anterior. A definição da imagem rapidamente se mostrou inadequada para a reprodução do filme, e inaceitável, em função do formato anamórfico (16:9) do vídeo já existente no DVD. Para os fãs e colecionadores foi uma tremenda frustração. Então, a Universal lançou o segundo DVD, com a transcrição anamórfica desejada. O advento das telas de TV em 16:9 exigia este tipo de vídeo, e isso foi objeto de campanha contra vídeos 4:3 disparada na Internet por colecionadores.

Com a chegada do Blu-Ray, tudo mudou. E ainda nesta época, era possível o usuário colecionador brasileiro se dar ao luxo de comprar seus discos aqui. Vertigo foi lançado em uma caixa com a maioria dos principais filmes da época moderna do cineasta, uma joia para os potenciais colecionadores.

Até então, a versão em Blu-Ray era a melhor imagem que se poderia querer deste filme. Mas, hoje ela parece pálida, quando comparada à imagem 4K, tratada com HDR10!

A diferença chega a ser constrangedora: logo no início do filme, os créditos exibem uma nitidez surpreendente, e uma cor brilhante e saturada, com a granulação fotográfica imaculadamente mantida.

As cores das cenas então, nem se fala! A saturação é visualmente impressionante, o contraste impecável e os níveis de preto compatíveis finalmente com a intenção pretendida em várias cenas, principalmente na do fim do filme, quando Judy vê a freira entrando na torre, mas pensa estar vendo o fantasma da mulher que havia sido assassinada.

O som do disco em 4K é o DTS:X, mas aqui se percebe que a diferença na reprodução da trilha sonora não é tão grande assim, quando comparada às trilhas em disco anteriores, porque o áudio estereofônico recuperado dos arquivos da Paramount pelos restauradores Robert Harris e James Katz não tem quase nenhuma informação que justifique a alteração da trilha para 3D. A mixagem da cópia em 70 mm foi refeita por eles durante o período de restauração da película. De qualquer forma, aperfeiçoamentos no áudio serão sempre bem vindos, mesmo que não acrescentem quase nada.

A obra prima do mestre do suspense

Alfred Hitchcock era um perfeccionista, sempre se concentrando nos detalhes do que ele classificava como “pure cinema”, que consiste na expressão visual das imagens, tal qual se fazia antes do cinema ter som.

Sua assistente, Peggy Robertson, disse que Hitchcock nem olhava no visor da câmera. Seus roteiros eram transformados por ele mesmo, em storyboards, desenhos com a imagem aproximada das sequências a serem filmadas. Segundo ela, ele dizia como a câmera deveria ser posicionada, e onde cortar as cenas.

Um Corpo Que Cai foi filmado em VistaVision, processo de alta qualidade de imagem. Neste filme em particular, a produção explorou com grande habilidade a composição do fotograma, usando vários tipos de filtro quando necessário, para alcançar um tipo específico de efeito de imagem que realçasse o desenvolvimento da estória.

Na cena onde Scottie vê Judy aparecer no quarto transfigurada como Madeleine o uso de filtro faz a imagem parecer um sonho:

Este tipo de cena ainda é imensamente realçado com a excelente trilha sonora composta por Bernard Hermann, com sons dramáticos ou românticos, condizentes com a estrutura do roteiro.

Vários tipos de compósitos foram também usados, aumentando o alcance das cenas e dando credibilidade à estória.

Nas cenas de vertigem, se vê um engenhoso truque fotográfico, somente explicado em anos recentes: o uso de lentes zoom, com o afastamento simultâneo da câmera. A propósito, o emprego de câmeras VistaVision ainda é constantemente usado para a construção de tomadas com efeitos fotográficos especiais.

Um corpo que cai

John “Scottie” Ferguson é um detetive que se aposenta precocemente, depois de um acidente que o traumatizou e o fez ser vítima de vertigem, que o impede de viver sem medo de cair. Ele é contratado para seguir Madeleine, com o objetivo de impedi-la de se suicidar.

O filme é uma estória que contém uma mistura de sentimentos, tais como obsessão, paixão, romance, amizade, envolvimento, sentimento de perda, decepção, paranoia, etc. Depois de “salvar” Madeleine do afogamento, Scottie fica obcecado com o objetivo de convencê-la a não se suicidar, e acaba se apaixonando por ela. O filme mostra com notável clareza as consequências do envolvimento masculino durante a primeira grande paixão, e o sentimento de posse e depois de perda, decorrentes da mesma.

O filme mostra também com incrível maestria todos os momentos em que Scottie muda de comportamento, em função do seu sentimento por Madeleine, tentando reviver a qualquer custo a ausência da mulher que ela havia amado, mas que não sabia ainda que ela tinha sido uma personagem construída com o objetivo de usá-lo para esconder um crime.

Kim Novak foi, segundo ela mesma relatou, muito bem dirigida por Hitchcock, seu ritmo de falar quando encarnou Madeleine, e depois quando mudou para Judy, foram guiados pelo mestre. Merece destaque a cinematografia dedicada à atriz, com tomadas que enfatizam a sua natural beleza, talvez o filme que melhor conseguiu isso. O encantamento da sua persona e a fascinação provocada em James Stewart (Scottie) são visualmente primorosos.

A obra prima do mestre do suspense

Eu assisti Um Corpo Que Cai pela primeira vez no colégio. Alguém de lá havia mandado consertar um par de projetores Bell & Howell 16 mm, e fez uma exibição do filme para “reinaugurar” o cineminha do colégio, que não durou muito. Anos mais tarde, eu e mais dois colegas usamos os projetores abandonados para montar um cineclube.

Adolescente algum, e eu não fui exceção, conseguiria entender a profundidade dos personagens deste filme. Muitos críticos e historiadores consideram Vertigo o filme mais pessoal de Hitchcock, não sei por quê, mas talvez por ele ter se empenhado tanto em criar a atmosfera necessária para fazer a estória ter credibilidade, e consegue!

Vários filmes de Hitchcock foram relançados nos cinemas na década de 1980, e eu não perdi a chance de vê-los. O ator James Stewart (o Scottie) veio pessoalmente ao Rio de Janeiro para promover aquele festival. Foi uma excelente chance de revisitar os filmes do mestre que nos deixaram memoráveis lembranças de um cinema de alta qualidade.

Eu acho até hoje admirável a precisão de construção de um personagem sendo vítima de frustrações e obcecado em recriar alguma coisa perdida. Somente no fim é que este personagem se dá conta de que tudo não passava de uma ilusão.

Alfred Hitchcock “via” o cinema antes do filme ser feito, seu olhar e sua visão, as angulações magistrais das câmeras e a própria exploração da mídia, mostraram, ao longo dos anos, como é possível fazer filmes antológicos de suspense. E eu vejo a todo momento, cineastas repetindo suas cenas e tentando emular tudo o que ele fez nos seus melhores filmes, mas sem o mesmo sucesso.

Qualquer um que se proponha a estudar como o cinema é feito deve analisar a filmografia de Hitchcock com muito cuidado. Seus filmes nunca são superficiais. Os personagens, como este Scottie, são habitualmente complexos e só desvendados depois que se vê o filme mais de uma vez, porque, antes disso, é difícil capturar tudo! [Webinsider]

 

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Boa tarde, Paulo. Grande texto relatando ou analisando meu filme preferido de todos os tempos. E, KIM NOVAK, então, uma beleza monumental que acabou de completar 90 anos. Minha atriz predileta. Revi dia destes “O nono mandamento”. Linda, linda, como sempre. Aquela voz rouca e sensual. Demais. Voltando a “Vertigo”, li não me lembro onde que a voz da freira que chega no final da fita, é da própria KIM. Tenho um DVD que não sei qual versão. Só sei que está boa. Vejo com frequência e não me canso. Grato por esse texto.

    1. Oi, Celso,

      Você tem razão, quando fala de Kim Novak. Gozado que este tipo de persona se tornou uma figura na tela que todo adolescente da minha época queria conhecer e namorar.

      O comércio de filmes me disco no Brasil despencou. Um filme desses, quando visto no streaming, não tem o mesmo efeito que em película (hoje impossível de assistir) ou em um disco desses em 4K. Não sei se a versão incluída na caixa continua à venda por aqui. A outra, só importando.

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