Charles Gerhardt gravou uma série de discos para a RCA com trilhas sonoras originais de grandes partituras do cinema. Vários desses discos foram depois remixados para o som quadrafônico e podem ser importados da Dutton-Vocalion, cujo engenheiro e proprietário do selo fez a transcrição das matrizes quadrafônicas para SACD.
O maestro e arranjador Charles Gerhardt era por mim um ilustre desconhecido, quando em uma daquelas idas na loja da Gramophone com amigos, um deles me mostrou a versão em CD do elepê Sunset Boulevard, com as principais partituras de Franz Waxman, resgatadas pelo filho dele. Gerhardt gravou um série de discos para a RCA, chamada de “The Classic Film Scores”, com partituras de diversos autores, e com um detalhe interessante: as gravações são todas muito bem feitas.
Na década de 1970, vários desses títulos foram editados em elepês quadrafônicos, no formato discreto CD-4. A moda do som quadrafônico teve um fim trágico, porém ela ficou retida no âmbito dos aficionados e as mixagens deste tipo preservadas. Coube ao engenheiro Michael J. Dutton, proprietário do selo Vocalion, a remasterização e a reedição das mixagens quadrafônicas. Dos 6 títulos lançados, eu já consegui 4, fazendo o sacrifício torturante de importar direto do site. A importação tem sido complicada, porque o valor dos discos está na cota abaixo dos tais cinquenta dólares, mas cada encomenda demora uma eternidade para ser entregue em casa, um absurdo para qualquer colecionador.
Mr. Dutton é extremamente competente no que faz. Todas as suas masterizações em SACD são criteriosas e soam de maneira exemplar, com os 4 canais encapsulados em 5.0. Os discos são híbridos e, portanto, podem ser tocados em qualquer reprodutor de CD/DVD/Blu-Ray. No último disco que eu recebi, foram incluídos no encarte interno os fac-símiles das caixas contendo as masters das faixas do disco, neste caso, os segmentos de Star Wars e Close Encounters of the Third Kind, trilhas de John Williams:
Quando a Dutton-Vocalion lançou o icônico Sunset Boulevard em SACD quadrafônico, o resultado foi impressionante. O meu antigo CD soa bem, tem mais faixas, mas a dimensão sonora do SACD é incomparável!
A High Definition Tape Transfer já havia lançado Sunset Boulevard com som multicanal, mas o resultado não foi bom. Um amigo meu comprou, não gostou do resultado, me emprestou o disco e eu pude constatar todo o tipo de erro na reprodução. Na época, eu escrevi para o Bob Witrak, dono da HDTT, que é profundo conhecedor de áudio, ele reconheceu os erros e retirou o título de catálogo. Vejam que Sunset Boulevard na versão quadrafônica é diferente da versão original do elepê. O que o Michael Dutton fez foi recorrer à matriz do disco quadrafônico, e transferi-la de forma correta para o SACD.
Notem que as gravações foram feitas pelos engenheiros da Decca, para lançamento pela RCA. A imagem das caixas está um pouco apagada, mas dá para perceber que uma das aparelhagens de gravação é o deck Studer A80, uma das mais modernas já naquela época, rodando a 15 ips, com 8 canais:
São máquinas como esta que explicam a qualidade da gravação original. Em uma das caixas se lê “NO DOLBY” estampado. As fitas com Dolby A fizeram parte de muitas matrizes da década de 1970, mas nem sempre elas eram favorecidas pelos profissionais dos estúdios.
O Studer A80 de 8 canais roda com fita magnética de 1 polegada. A dinâmica resultante é boa o suficiente para registrar gravações de orquestras dispostas em uma sala de concerto, no caso dos discos de Charles Gerhardt feita no Kingsway Hall, em Londres.
A preservação de gravações de grande estatura com a digitalização correta é importante para os colecionadores, e pode perfeitamente ser transcrita em um CD, mas fica melhor ainda em SACD, a partir da transcrição literal das fitas originais de 3 canais ou acima. Na década de 1990, Wilma Cozart Fine foi comissionada pela Philips para fazer a transcrição das gravações em 3 canais, feitas pelo seu marido Bob Fine, ele um mago deste tipo de gravação, para a lendária série “Living Presence”, da Mercury.
As versões em SACD de 3 canais desta série são difíceis de achar. As da série Living Stereo, da RCA, nem tanto, mas o colecionador, ao contrário de anos anteriores, se achar um desses discos, vai ter que se preparar para gastar uma nota preta!
O que justifica o sacrifício na pesquisa ou na aquisição desses títulos é a apreciação pelo audiófilo da qualidade dessas gravações e o valor histórico que elas contêm. Felizmente, os SACD de Charles Gerhardt atuais estão disponíveis para compra por um valor aceitável. Pena que demore tanto para chegar, mesmo que o usuário dê sorte de não ser arbitrariamente taxado. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.