A greve dos sindicatos que assustou Hollywood

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Hollywood sempre esteve sujeito a greves e demandas dos sindicatos de atores, roteiristas e equipes de cinema, mas este ano foi mais forte.

 

Com a greve este ano de escritores, atores e pessoal de apoio da indústria cinematográfica e das emissoras de televisão, Hollywood praticamente parou! No passado remoto, as greves existiram. Walt Disney foi um que enfrentou uma greve da qual ele até tentou se esconder, mas não conseguiu.

As raízes das greves deste métier são historicamente complexas. No filme “Trumbo”, mostra-se o personagem discursando durante uma greve de pessoal de apoio, e uma das razões era de que os estúdios se enriqueciam, pagando pouco àqueles que tornaram a indústria um sucesso de bilheteria. No filme, Trumbo é chamado de traidor, comunista, etc. E o incidente serviu para as pessoas que queriam condená-lo e vê-lo longe de Hollywood.

A situação atual é bem mais complicada, porque ela envolve, entre outras coisas, os meios de distribuição de conteúdo, tais como os serviços de streaming, ou uso de computação gráfica (CGI) para substituir atores, por exemplo.

Em muitos filmes o uso de computação gráfica para emular atores em cena é óbvio. Logo no início de Tron: Legacy, o ator Jeff Bridges é apresentado como um homem jovem, com o uso da CGI:

A greve aparentemente se iniciou com a revolta dos escritores e roteiristas, capitaneada pelo WGA (Writers Guild of America), o sindicato que os representa. A greve começou em maio deste ano e só foi terminar em setembro, após uma tentativa de acordo. Em contrapartida, o sindicato dos atores SAG (Screen Actors Guild) estendeu a greve até agora, podendo acabar a qualquer momento. Esta entidade está associada à AFTRA (American Federation of Television and Radio Artists), fusão que levou o nome de SAG-AFTRA, ou seja, dois sindicatos unidos sob uma única bandeira:

A fusão desses atores de cinema e televisão aumentou sobremaneira a sua força sindical, e a maneira como cerca de 160 mil profissionais se relacionam com seus empregadores.

A greve de escritores, atores e pessoal de apoio tem tido efeitos previsíveis, inclusive o fechamento e desemprego em massa nas empresas que prestam serviços aos estúdios. A parada das produções de novos filmes acabou por fechar, sem previsão de reabertura, estúdios alugados para a produção de novos filmes.

Os tempos são outros…

A história de Hollywood é magnífica, sob o ponto de vista da evolução da indústria cinematográfica, mas deixou rastros de destruição de vidas, perseguições, escândalos e lucros obtidos de forma mafiosa junto aos exibidores.

Hollywood conseguiu passar pela grande depressão econômica de 1929, vários estúdios estiveram próximos da falência seguidas vezes, mas sobreviveram. Vários dos seus fundadores acabaram por perder o controle tirânico sobre produtores, roteiristas, diretores e atores, mas somente ao longo de décadas.

A derrocada inicial nos lucros se deu com a lei americana que impedia a construção e uso de cadeias exibidoras dos estúdios, dificultando sobremaneira a distribuição controlada de filmes aos cinemas. Depois, sofreu um enorme baque com o aumento da presença das televisões nos lares norte-americanos. Neste período, entretanto, o cinema evoluiu tecnicamente, mas não deixou de ambicionar lucros astronômicos, ao invés de racionalizar as suas produções. O filme Cleópatra, por exemplo, quase fechou a Fox.

É curioso observar como o tempo muda tudo: o controle déspota de diretores e roteiristas morreu com o fim do studio system, os antigos magnatas perderam o poder, o dinheiro, e desapareceram de um momento para o outro. A lista negra, apesar das perseguições, acabou, e hoje ninguém teria mais coragem de chamar roteiristas de comunistas, como fizeram com Dalton Trumbo e centenas de outros profissionais do cinema e da televisão.

A realidade da greve deste ano mostra uma série de distorções que ainda existem. Por exemplo, astros da tela ganham fortunas, mas eles são uma minoria deste segmento!

Além disso, os serviços de streaming acabaram por contribuir com a derrocada das bilheterias nos cinemas, de forma muitíssimo mais efetiva do que as antigas locadoras que exploravam o chamado home vídeo.

Qualquer greve desta magnitude mostra a fragilidade da estrutura do cinema e da televisão atuais, acarretando desemprego de forma imprevisível.

A inovação obtida com a interface gráfica nos filmes modernos levou à exploração de recursos que prejudicam atores, daí os protestos dos grevistas contra a prática de colocar na tela personagens exclusivamente virtuais. Isso se nota muito nas produções dos filmes de companhias como Marvel e similares. Quando um ator/atriz é “rejuvenescido” artificialmente, a sua imagem deveria render direitos que os atores verdadeiros não têm. A reclamação atual se estende, por parte dos roteiristas, do uso de inteligência artificial nos scripts.

O mesmo se aplica a direitos autorais, uma luta antiga sobre o lucro excludente de gravadoras e estúdios, em cima do trabalho árduo de terceiros. Sinceramente, não sei se isso um dia vai ter fim!

Enquanto lutas trabalhistas rolam sem parar há anos, percebe-se que quando muito dinheiro entra em jogo, as disputas tendem a ser acirradas, e Hollywood é, até hoje, um dos maiores exemplos de tirania e golpes corporativos entre magnatas, atingindo executivos e funcionários.

Por outro lado, para mim é profundamente lamentável que pouco ou quase nada de inovações em produção ou roteiros de novos filmes tenham surgido, e isso, eu tenho certeza, é um forte motivo para afastar os fãs das salas de cinema. As inovações existentes são todas de caráter técnico, como o som Dolby Atmos e similares.

O resto das produções atuais é uma enxurrada de repetições sem o menor sentido, franquias insuportáveis, com uma presença constante e constrangedora de ultra violência, câmeras balançando e planos com minutagem de menos de 1 segundo de duração, inseridos em abundância nos roteiros.

A lição de moral, talvez, seja a de que o tempo muda tudo. O meu querido pai costumava nos dizer, diante da minha indignação frente a uma situação adversa, que “nada como um dia depois do outro”, e a minha mãe completava dizendo “e uma noite no meio para separar”, que é quando tudo muda. Hollywood foi, e ainda é, o maior centro produtor de cinema do mundo. Suas conquistas são inegáveis, mas o dinheiro e o lucro fácil acabaram por destruir até mesmo os seus mais poderosos donos. E a vida e o tempo parece que dão lições difíceis de aprender por muita gente! [Webinsider]

 

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Dalton Trumbo e a luta contra a intolerância sobre um indivíduo

 

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Pois é Paulo… Essa grande classe de profissionais que envolve todos que trabalham em obras cinematográficas devem se sentir inconformados. A cada nova obra lançada nas salas de cinema e agora no streaming, as cifras envolvidas são sempre em milhares de dólares, aí chega o momento de repartir o bolo, mas a indústria e os estúdios costumam priorizar o caixa das empresas, e a classe de artistas, produção e técnica, querem também ganhar mais, aí chega um momento que essa panela de pressão estoura. Agora que chegaram a um acordo, vamos ver quanto tempo vai durar.

    1. É Rogério, chama-se ganância, que começou no velho studio system e ficou na mentalidade de quem produz cinema. Claro que não precisava ser assim, muito menos com perseguição àqueles que nunca aceitaram este jogo.

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