Adeus às ilusões nos discos de corte direto

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Em busca da melhor reprodução, discos de corte direto foram idolatrados, mas as gravadoras enganaram quem comprou dizendo que as tiragens eram limitadas.

Em busca da melhor reprodução, discos de corte direto foram idolatrados, mas as gravadoras enganaram quem comprou dizendo que as tiragens eram limitadas.

 

Eu estou no grupo daqueles que estudaram os princípios básicos do som digital, bem antes do Compact Disc ser lançado. E não precisaria ser engenheiro nem técnico de masterização para entender os principais avanços da codificação usada na captura e gravação do som.

Gozado é que muitos profissionais desta área, que tiveram suas opiniões publicadas nas principais revistas de áudio da época racionalizaram a mudança, citando todas as limitações das capturas em fita magnética convencional, das quais eles haviam finalmente se livrado.

Talvez muitos não tivessem percebido que, no ambiente digital, por trabalhar em função de cálculos, as possibilidades de edição passaram a ser ilimitadas. Isso porque o que um computador faz de melhor desde as suas origens é calcular, com altíssima precisão de resultados, até mesmo em plataformas de 8 bits!

Desta maneira, não há surpresa alguma que programas de restauração e/ou edição de áudio possam ser usados com grande espaço de manobra, coisas como normalização, filtragem, equalização, redução de ruídos do background, etc. com enorme sucesso nos resultados.

De volta ao básico

Um dos maiores exemplos de intolerância e preconceito contra o som digital, na década de 1970, veio do super competente e celebrado engenheiro de masterização Doug Sax, cofundador do selo Sheffield Lab:

Sax e seu parceiro Lincoln Mayorga argumentaram naquela época que o som gravado diretamente no acetato soava muito melhor do aquele capturado com fita magnética, e assim propuseram o lançamento do chamado “disco de corte direto”, com muito sucesso, diga-se de passagem.

O corte direto era usado quando não existia fita magnética à disposição dos estúdios. A disponibilidade da fita fez os técnicos abandonarem de vez o corte direto, e um dos principais motivos era a impossibilidade de se editar áudio em tempo real: se algo desse errado, era preciso gravar tudo de novo!

No caso da Sheffield Lab, os resultados foram muito bons na maioria dos discos, mas eu tenho certeza de que Sax e Mayorga sabiam que não podiam gravar muito tempo em cada lado do disco, porque à medida em que a agulha de corte se aproxima do centro do disco, a velocidade linear cai, à ponto de introduzir compressão e distorção. Usando o corte do acetato entendendo esta limitação e a impossibilidade de editar em tempo real, o tempo máximo gravado em cada lado do disco de corte direto da Sheffield Lab ficaria restrito a cerca de uns 15-17 minutos!

O pior, entretanto, foi a quantidade de discos prensada. A madre usada para tal tem vida limitada na estamparia. Os homens da Sheffield usavam vários tornos de corte, de modo a evitar prensar poucos discos. E mesmo assim, avisavam ao consumidor que a tiragem da edição era limitada, valorizando mais ainda o disco gravado.

Só que eles se “esqueceram” de contar que, junto com o corte direto, eles também gravavam o conteúdo em fita magnética convencional, tanto analógica quanto digital. E quando isso foi descoberto, muitos audiófilos escreveram para as revistas de áudio se dizendo traídos!

 

Discos de corte direto eram um trunfo contra o som digital

O repúdio ao som digital

Logo que as gravações digitais passaram a ser introduzidas nos estúdios, Sax e Mayorga disparam uma campanha contra a mudança. Eis aí a imagem de alguém que quer vender uma camiseta com o logo da campanha estampado:

Se esta camisa é original ou não, vai ser difícil de provar, mas talvez não seja, porque eu me lembro bem que a frase da campanha incluía um “the” no meio da frase. Bom, pouco importa. O que eles queriam era insistir na forma mais primitiva de gravar áudio!

Se o leitor ficar atento, vai notar na Internet um monte de audiófilos ativistas fazendo o mesmo tipo de campanha. E nessa onda (marasmo?) selos de audiófilos cobram pequenas fortunas na venda de elepês remasterizados em ambiente radicalmente analógico.

O áudio analógico radical é, e sempre foi, notoriamente esotérico. E, concomitantemente, as principais fábricas de equipamentos, sempre cobraram fortunas em qualquer componente, desde caixas acústicas até toca-discos, estes últimos verdadeiras obras-primas em design mecânico.

Notem que um toca disco esotérico pode chegar às raias da perfeição mecânica, mas a mídia ali reproduzida tem problemas incontornáveis, como a queda de velocidade linear da agulha, acima mencionada.

O som digital e a sua evolução simplificaram a maneira como um som de alta qualidade pode ser montado em casa, desde o “front-end” (aparelho de reprodução) até a ponta dos amplificadores, com um custo infinitamente mais baixo, se comparado ao do áudio esotérico.

Com o repúdio declarado ao som digital e a insistência de tentar provar que o som analógico dos elepês é superior e insubstituível, campanhas deste tipo demonstram claramente que este segmento de consumidores se tornou um nicho!

Quando o elepê ressurgiu das cinzas, esses audiófilos comemoraram, mas durou pouco. A grossa maioria dos consumidores não está nem aí para a mídia rotativa! Os serviços de streaming derrubaram o que sobrou da época pós-Napster.

Ignorar a evolução do áudio digital e continuar repudiando este tipo de formato nunca vai impactar qualquer coisa na produção de mídia. É óbvio que a indústria como um todo não está nem aí para o antagonismo de um segmento pequeno no universo de consumo deste tipo de produto.

O mais irônico de tudo isso é que Doug Sax acabou reconhecendo virtudes no áudio digital e entrou de vez, ao longo dos anos, na “loucura” contra a qual ele foi contra. E o fez muito bem, com masterizações exemplares. Mais uma vez, como diz o ditado, o tempo é o senhor da razão!

Na minha visão, existem lições que aparentemente nunca foram aprendidas. Basta dizer que o áudio multicanal no cinema foi pioneiro, inovador e atingiu metas. Hoje, é só reproduzir a trilha sonora de um filme moderno, para se poder apreciar uma ambiência espacial exemplar, coisa que a indústria fonográfica penou para conseguir. [Webinsider]

. . .

 

A saga dos discos de corte direto

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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