Quem começa a aprofundar-se em temas relacionados à Gestão do Conhecimento certamente já ouviu falar de José Cláudio C. Terra. Para os que se debruçam sobre a área de Portais Corporativos, seu nome é uma referência obrigatória, já que ele é autor do aclamado livro Portais Corporativos – a revolução na Gestão do Conhecimento, escrito em parceria com Cindy Gordon e lançado no Brasil e no exterior em 2002.
Terra vem se dedicando à consolidação da TerraForum, empresa que preside e que está dedicada a desenvolver soluções estratégicas de Gestão do Conhecimento. Também atua como professor de vários programas de pós/MBA e como palestrante e consultor no Canadá, EUA, França, Portugal e Brasil. Seu currículo é uma bela amostra da força que a associação do conhecimento acadêmico à experiência prática pode produzir: além de ter construído sua carreira em empresas de ponta no Brasil, nos Estados Unidos e no Canadá, é doutor em Engenharia de Produção pela Poli/USP, Mestre em Administração pela FEA/USP, bacharel em Economia pela FEA/USP e engenheiro de produção pela Poli/USP.
Mas o Dr. Terra é também um jovem (de corpo e alma), extremamente simpático e acessível. Seus olhos possuem o brilho típico das mentes em constante ebulição, o que se traduz, na prática, por uma proliferação de atividades e trabalhos que trazem sempre como marcas a qualidade, a perspicácia de raciocínio e uma constante insatisfação com a superficialidade das coisas.
Foi nesse clima de investigação intelectual, logo após retornar de um evento internacional na França, onde palestrou, que ele nos concedeu a entrevista abaixo, onde fala sobre GC, portais e sobre o que está sendo discutido no mundo a este respeito.
Webinsider – Em abril, a revista HSM Management publicou uma pesquisa da Bain & Company com 60 companhias nacionais, procurando identificar, dentre 25 opções de “ferramentas para o crescimento”, quais as mais utilizadas. A Gestão do Conhecimento foi colocada como uma das opções e foi apontada como a “ferramenta” que mais cresceu no período de intervalo da pesquisa. Diante deste quadro, como o Sr. classificaria a Gestão do Conhecimento? Afinal, ela é uma filosofia empresarial, uma metodologia ou uma ferramenta para o crescimento, como quer a Bain & Company?
Terra – Para mim, a gestão do conhecimento envolve principalmente a incorporação de um novo “raciocínio e foco gerencial” na dimensão ou recurso conhecimento. Logicamente, envolve também a utilização de uma série de novos métodos recentes e consolidados (ex: mapeamento de conhecimentos, gestão por competência, comunidades de prática, gestão de talentos) e também uso de novas tecnologias de informação, colaboração virtual e comunicação. O verdadeiro desafio é a articulação desta ampla gama de ferramentas gerenciais e tecnológicas que servem para melhorar a capacidade das organizações para aprender, inovar, utilizar suas competências e proteger seus conhecimentos e ativos intangíveis estratégicos.
– Como o Sr. vê este retrato otimista, traçado pela pesquisa?
– É muito difícil avaliar os resultados desta pesquisa, porque não fica evidente o processo de amostragem, perfil detalhado dos respondentes etc etc. Os resultados de pesquisas do tipo “survey” em gestão precisam ser analisados com muito cuidado. No caso específico da questão relativa ao uso da Gestão do Conhecimento, minhas dúvidas são ainda maiores. Uma pesquisa acadêmica rigorosa não aceitaria os dados publicados.
Minha opinião é, da mesma forma, apenas uma opinião que deve ser vista com bastante reserva. Eu, na verdade, tenho várias dúvidas, quanto ao fato da gestão do conhecimento estar tendo um crescimento tão rápido nas empresas. Embora tenha visto um rápido crescimento no interesse sobre o assunto, me parece que as empresas nacionais ainda não colocaram a dimensão conhecimento como elemento central do seu processo de gestão. São poucas, ademais, as empresas com cargos e departamentos dedicados para isto. Nos últimos anos, foram gerados importantes conceitos, modelos e frameworks para tratar da gestão do conhecimento. No exterior, principalmente, são muito mais prevalentes empresas que já têm gestão do conhecimento estruturada até de maneira formal.
– Por mais que os debates conceituais sobre a gestão do conhecimento sejam importantes, hoje já é possível refletir também sobre a sua aplicação prática. Entretanto, há, de um lado, uma proliferação de “projetos-pilotos” e, de outro, uma visão comum de que a gestão do conhecimento é algo amplo, que depende de vários fatores. Como o Sr. analisa esta aparente contradição entre a teoria e a prática?
– Antes de mais nada, é preciso tomar cuidado com a palavra “implantação”. Gestão do conhecimento, a meu ver, não se implanta, se pratica. Com isto quero dizer que ter ou não um departamento de GC ou um projeto pode ser apenas um sinal de que a organização está incorporando um raciocínio, foco e modelo de gestão que valoriza, alavanca, favorece e estimula a criação de conhecimentos estratégicos, o aprendizado coletivo, a rápida e eficiente identificação e recuperação de informações e conhecimentos e a proteção e alavancagem de conhecimentos estratégicos e ativos intangíveis. De outro lado, cada vez mais, as organizações evoluem a partir de projetos. Empresas são coleções de projetos e processos. Assim, a verdadeira questão é para onde os projetos e processos em curso ou implementados estão apontando.
– Quais empresas vêm se destacando, no Brasil, na aplicação, com sucesso, da Gestão do Conhecimento? E no exterior? O Sr. poderia falar um pouco sobre o foco central de cada uma dessas iniciativas e seus resultados?
– Meus últimos livros, juntos, apresentam 63 casos de organizações nacionais que têm elementos, reflexões, projetos, visões, processos culturais e ferramentas que favorecem a gestão do conhecimento. É possível constatar que diferentes empresas têm diferentes focos (portais, comunidades, mapeamento de conhecimentos, focos na conexão entre pessoas, desenvolvimento de culturas inovadoras, inteligência competitiva, etc). Alguns casos merecem destaques: as grandes empresas de consultoria/auditoria atuantes no Brasil são aquelas que têm maior experiência com gestão do conhecimento.
A Ernst & Young, por exemplo, tem uma área bem estruturada com um responsável por gestão do conhecimento, que atua como um verdadeiro broker de informações de e para as equipes de projeto da empresa. É uma empresa que investiu bastante no desenvolvimento de uma boa taxonomia, ferramentas de colaboração virtual, comunidades e melhores práticas. Na nossa última visita à Paris, tivemos também uma longa conversa com a responsável pela área de GC do escritório da E&Y daquele país e ficou evidente para mim, como a área de GC lá tem uma relação muito estreita com a área de RH: o desenvolvimento de competências e os projetos de e–learning são desenvolvidos em parceria.
O caso do Serpro é interessante porque a nova direção instalada pela empresa eliminou a área dedicada à GC (que era basicamente um superintendente ligado diretamente à presidência). Apesar disso, o que sabemos é que os vários profissionais do corpo técnico da empresa, não deixaram a “peteca cair” e continuam a tocar iniciativas de GC em seus departamentos: portais, comunidades, mapas de conhecimento.
Outros casos que merecem destaque são:
A Siemens (com um foco muito grande no estímulo à inovação, uso de portais e comunidades e interligação com universidades);
A Natura vale a pena ser destacada em função de sua cultura humanista tão evidente que gera um tipo de organização no qual a inovação tem um espaço garantido e atitudes muito individualistas não tem lugar na empresa;
O Laboratório Fleury, que tem uma série de atividades voltadas ao fortalecimento do aprendizado de seus colaboradores. A empresa é um verdadeiro “laboratório” de aprendizado;
A Petrobras também não poderia deixar de ser citada. É uma empresa gigantesca que emprega todos os tipos de técnicas (BSC, e–learning, portais, mentoring, comunidades etc). Várias destas iniciativas já estão bem consolidadas e são exemplos bem efetivos e interessantes (ex: e–learning). Como temos muito contato com a empresa, ficamos apenas em dúvida quanto ao fato de que, às vezes, tenho impressão que muitas ações são restritas a algumas áreas da empresa e não estarem devidamente articuladas. O fato evidente de ser uma empresa enorme, formal, bem hierarquizada e organizada em modelos bem tradicionais nos deixa, porém, um pouco curiosos sobre o verdadeiro impacto de algumas iniciativas para estimular a gestão do conhecimento na empresa.
Nós, em particular, temos atuado na implantação de comunidades e portais (ANPEI, ABIPTI, ITAL, IPT e Sebrae–SP). Em todos estes projetos, o foco tem sido em modelos operacionais e de gestão que articulem a GC centralmente para estas organizações. Temos também atuado em questões mais pontuais como desenvolvimento de espaços colaborativos para a área de inovação (MAHLE Metal Leve), projetos de melhoria de usabilidade de portal corporativo (ALCOA), estratégia ampla de GC e Propriedade Intelectual (Aracruz).
Um dos projetos mais interessantes que estamos começando a atuar envolve uma grande empresa do setor de máquinas pesadas (não podemos dizer o nome neste momento). O projeto é interessante porque nosso cliente é o diretor geral da empresa e ele não quis partir para a GC a partir de projetos pilotos. Pelo contrário, ele e sua equipe de gestão gastaram um enorme tempo estudando o assunto e finalmente quando fechamos, a lógica foi a de montar uma grande agenda de transformação para a empresa no sentido de valorizar o aprendizado organizacional, usar o conhecimento como elemento central do processo de gestão e melhoria dos produtos e serviços para os clientes. Em alguns meses, com a permissão do cliente poderemos divulgar resultados.
Embora em quase todos os casos venham alcançando bons resultados e vejamos executivos animados com isto, é minha opinião que os resultados mais importantes da gestão do conhecimento se verificam no longo prazo. É um pouco como a história de países que investem em educação: todo mundo sabe que dá resultado, mas ninguém consegue isolar a contribuição da educação para os resultados de desenvolvimento de um país. Finalmente, vale a pena ressaltar que GC exige capacidade de reflexão, uma certa sutileza do pensar, empatia verdadeira para envolver os colaboradores e conhecimento de algumas novas ferramentas e técnicas.
– E o segmento específico de portais corporativos, como vem se desenvolvendo? Quem tem bons trabalhos nessa área? Cresceu a compreensão de que trata–se de uma tarefa ampla, que não pode ficar restrita ao pessoal de TI?
– Estamos terminando um projeto de portal corporativo no Sebrae–SP, que envolveu praticamente toda a organização. Envolveu não apenas o desenho e a implementação de uma ferramenta, mas também um amplo projeto de repensar a organização a partir de conceitos, raciocínios e métodos da gestão do conhecimento. Creio que a Alcoa é uma das empresas com projetos de portais corporativos mais avançados do Brasil. A Petrobras tem um projeto bem amplo e ambicioso, mas ainda está na fase de lançamento.
– O Sr. acaba de retornar da França, onde palestrou em um congresso internacional sobre gestão do conhecimento que contou também com a presença do aclamado “guru” Nonaka. Quais são as suas impressões sobre o evento?
– O Congresso foi excepcional: tivemos palestrantes de todos os continentes e a maior concentração de “gurus” que já vi nesta área. Minha principal conclusão é que temos todos muito que aprender sobre a dimensão conhecimento e sua inserção no plano de frente do processo de gestão das organizações. O assunto é fascinante porque trata da gestão do principal fator de produção e de diferenciação das organizações. É fascinante, ademais, porque envolve a melhoria da efetividade, produtividade e inventividade das pessoas.
Quem busca soluções simplistas ainda não entendeu o que grandes teóricos administrativos têm dito sobre o tema gestão do conhecimento. Tratar o assunto “Conhecimento” fora do ambiente empresarial nunca foi simples, no ambiente empresarial também não creio que jamais será.
– Quais foram os principais temas abordados?
– Os principais temas envolveram modelos mentais, contextos, motivadores, e facilitadores do compartilhamento do conhecimento. Havia vários palestrantes japoneses e eu, particularmente, creio que aprendi muito sobre as teorias do Nonaka. Em particular, creio que consegui entender um pouco melhor como sua teoria está associada ao modelo cultural japonês e como, neste sentido, tem sido muito mal interpretada no Ocidente e no Brasil, onde sua aplicação foi “linearizada” para atender aos padrões de pensamento cartesianos e positivistas que aqui predominam. Os padrões culturais e os esforços no sentido de criação de contextos favoráveis são essenciais tanto para a compreensão dos processos humanos, como informáticos para a criação e compartilhamento de conhecimentos.
– Recentemente, o Sr. retornou do Canadá para consolidar a atuação da sua empresa, TerraForum. Como vem sendo este processo? Quais os planos da TerraForum para o futuro?
– Tem sido fascinante. Tenho tido a felicidade de trabalhar com clientes excepcionais e abertos para nossas idéias, métodos inovadores e práticas relacionadas à gestão do conhecimento. Nossa empresa também tem sido moldada a partir dos conceitos de gestão do conhecimento: temos um enorme foco no talento, no aprendizado, na flexibilidade, no uso de redes humanas e virtuais e na valorização de nossos ativos intangíveis.
Às vezes, tenho a impressão que a TerraForum é um grande laboratório para testar minhas próprias teorias. Nosso plano é continuar sendo uma empresa de consultoria e treinamento premium e atuando em um nicho de inteligência voltado para ajudar nossos clientes a pensar, modelar e executar estratégias de conhecimento.
Vale a pena destacar também que nosso rápido histórico de parceiras e trabalho em rede com organizações e instituições de grande porte e respeitadas atestam o rápido respeito que temos conseguido no Brasil. Nosso objetivo não é o crescimento pelo crescimento, mas o crescimento pela excelência, que permita a todos os nossos colaboradores evoluir aprendendo e se desenvolvendo pessoalmente e profissionalmente. Também vamos continuar a investir fortemente em pesquisa e publicação de nossas idéias, teorias e experiências.
Temos mantido importantes parcerias internacionais e nossa previsão é que isto se intensificará ainda mais no futuro. Enfim, somos uma pequena empresa com ambições globais. [Webinsider]
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Ricardo Saldanha
Ricardo Saldanha é especialista em Digital Workplace e ex-presidente do Instituto Intranet Portal. Atualmente atua como Key Account na Totvs Private.