Marketing do empreendedorismo: nem tudo é verdade

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Para suportar a sua própria história, cada um acrescenta-lhe um pouco de lenda.
Marcel Jouhandeau

Tenho andado atento ao movimento dos comércios de Curitiba. Notei a enorme quantidade de negócios que encerram suas atividades, vagando seus imóveis para que novos empreendimentos se instalem. Por trás de cada empresa permanentemente fechada, há um sonho desfeito. Trata-se de um ciclo triste e bastante comum, como mostram as pesquisas sobre a mortalidade das empresas brasileiras.

Os brasileiros são constantemente bombardeados por mensagens motivacionais sobre empreendedorismo. Cada vez mais pessoas compram a fantasia: o sucesso depende exclusivamente de uma boa ideia e trabalho árduo.

Publicações como “Quem pensa enriquece”, de Napoleon Hill reforçam a traiçoeira ideia do self-made man.

Self-made man é um termo americano. Refere-se às pessoas que atingiram o sucesso por seus próprios esforços, sem recursos e ajuda. Entretanto, uma pessoa pode conquistar suas projeções desde que trabalhe intensamente? O trabalho dedicado é o único ou principal ingrediente do sucesso?

Mas, o que é sucesso?

“Vencer na vida”, seja lá o que isso significa, é uma necessidade, é um imperativo na nossa sociedade. O mercado criou padrões de sucesso, assim como fez para a beleza e para a felicidade. Existe um jeito “certo” para ser belo, para ser feliz e para alcançar o sucesso.

Assimilados os padrões de perfeição, iniciamos uma busca eterna para conquistá-la. Assim como a mídia e o mercado oferecem bens que contêm “sucesso” (carro importado, uma bela casa, etc.), também apresentam histórias de pessoas vencedoras. O padrão é bem claro: um homem luta contra enormes adversidades e conquista o poder (seja ele financeiro, político, etc.), por meio de suas habilidades únicas.

De modo geral, a mídia nos traz histórias verdadeiras, porém incompletas de cada self-made man. Muitas vezes, as próprias pessoas de sucesso desconhecem ou ignoram o quanto foram ajudadas, ora pela sorte, ora pelo simples fato de terem nascido em uma cultura diferente. Todavia, boa parte delas foi beneficiada por oportunidades e coincidências mínimas, mas poderosas dependendo do momento em que surgem.

Há certa fantasia em cada história bem sucedida e quem afirma isso é Malcolm Gladwell. Para quem não o conhece, Gladwell é colunista do The New Yorker e foi considerado uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela Revista Times, em 2005. No livro Outliers, ele tece uma argumentação bem fundamentada sobre elementos que contribuíram para o sucesso de jogadores da liga canadense de hóquei, advogados bem sucedidos de Nova York, os Beatles, o magnata da informática Bill Gates e até de grupos étnicos. Suas explicações giram em torno de legados culturais, oportunidades disfarçadas de desafios e atitudes de dedicação intensa, em função de um trabalho significativo.

Visão e oportunidades

Como exemplo, citemos Bill Gates. Gates nasceu em uma família de classe média de Seatle. Desde a adolescência, desenvolvia softwares e se mostrava um garoto prodígio em matemática e computação. Ele foi admitido na Universidade Harvard, mas abandonou o curso no 3º ano para fundar a Microsoft, aos 19 anos, em 1975. Foi o homem mais rico do mundo por vários anos consecutivos. Este é um breve resumo da história conhecida, constantemente mostrada pela mídia. Mas ela não conta tudo.

No início, os computadores eram do tamanho de salas e podiam custar milhões. Computadores eram muito raros e o acesso a eles era extremamente difícil. Naquela época, utilizava-se um sistema de entrada de dados conhecido como cartão perfurado. Marcava-se cada linha de código em cartões com uma perfuradora. Um programador entregava uma pilha de cartões a um operador que inseria os dados e os executava.

Um programa poderia conter milhares de linhas. Além disso, os computadores eram mono-tarefa. Formavam-se filas de requisições e os programadores esperavam por horas ou dias para pegar seus cartões de volta. Caso houvesse um erro no programa, era necessário recomeçar todo o processo. Programar era complexo, lento e chato. Por isso, era pouquíssimo provável que um adolescente quisesse tonar-se um programador.

Em meados de 1960, os computadores tornaram-se multitarefa. Só então foi possível criar centenas de terminais e conectá-los a um mainframe por uma linha telefônica. Deste modo, todos podiam trabalhar simultaneamente. Mesmo assim, o uso dos mainframes era cobrado por hora e isso não era barato.

Quando adolescente, Gates foi transferido para uma escola particular, onde, um ano depois de sua chegada, foi inaugurado um clube de informática. Isso ocorreu em 1968, quando a maioria das faculdades ainda não possuía computadores. Gates não chegou a utilizar o sistema de cartões perfurados, ainda bastante comuns em 1968, mas um moderno terminal de tempo compartilhado ligado a um mainframe. Rapidamente, Gates e seus amigos esgotaram os recursos da escola destinados a locação do terminal. No entanto, por um golpe de sorte, a mãe de um de seus amigos era sócia de uma empresa chamada C-Cubed que alugava horas de computador. Ela ofereceu a possibilidade de uso grátis do mainframe, em troca de testes nos sistemas da C-Cubed.

A C-Cubed faliu. Gates e seus amigos passaram a usar o centro de computação da Universidade de Washington entre três e seis da madrugada, período de ociosidade dos equipamentos. Depois, recorreram à empresa ISI Inc. que lhes forneceu acesso livre ao computador em troca de trabalhos de desenvolvimento de software.

Veja, Gates teve uma série de oportunidades para desenvolver seus conhecimentos de computação em uma época em que pouquíssimos tinham acesso a um computador. Isso lhe deu uma habilidade extremamente escassa e de forte demanda. Se alguma dessas oportunidades não tivesse ocorrido, Gates teria desenvolvido suas competências a tempo de destacar-se? Se mais pessoas tivessem tido acesso a terminais, teríamos mais histórias como a de Gates?

Revolução na computação

Outro fator intrigante permeia a história de Gates. A lista a seguir traz pessoas bem sucedidas da área de informática, programadores, fundadores, diretores e executivos de empresas como Microsoft, Apple, Novell, Sun e Google. São referências mundiais. Repare suas datas de nascimento:

nascimentos

Em 1975, surgiu o PC. Os computadores tornaram-se pequenos e baratos. Foi a explosão da computação, a grande oportunidade para as empresas de tecnologia. No entanto, para aproveitar esta onda, seria necessário ter conhecimento acumulado e estar disposto a empreender.

Não poderia ser alguém velho demais, já limitado por responsabilidades familiares ou preso a paradigmas da velha computação. Também não poderia ser alguém novo demais, cujas habilidades ainda estariam em formação. O ideal seria ter seus 20 e poucos anos de idade em 1975, assim como as pessoas constantes na lista acima. Todos nasceram entre 1953 e 1956.

Se você ainda não está convencido, trago mais um fato.

A Revista Forbes publicou uma lista com as 75 pessoas mais ricas da humanidade. Ela atualizou o patrimônio de bilionários de tempos antigos (entre eles reis e faraós) e contemporâneos e os colocou em um ranque. Destes, 14 (quase 20%) são americanos nascidos em um período de nove anos, entre 1831 e 1840, dentre eles: John D. Rockfeller, Andrew Carnegie, George Pullman e J. P. Morgan. Coincidência? Ou o fato de ser um adulto, com habilidades desenvolvidas, valores morais orientados ao trabalho e à ambição, vivendo um período de forte crescimento econômico em um país democrático, com mão de obra abundante constituiu uma grande oportunidade?

Sucesso em verde e amarelo

Vejamos um caso brasileiro. Em diversos sites encontramos a história de Alexandre Tadeu da Costa, um rapaz de família humilde. Seu pai era tecelão e sua mãe revendia produtos por catálogos, como cosméticos, Tupperware, lingerie, roupas e chocolates. Esse último, porém, tinha constantes problemas com fornecedores e a família decidiu interromper sua comercialização. Aos 17 anos, Alexandre afastou-se dos negócios da família e decidiu comercializar os chocolates por conta própria. Conseguiu alguns pedidos que o forçaram a trabalhar intensamente para honrar os compromissos, acumulando horas de experiência.

Em 1988, Alexandre fundou a Cacau Show, utilizando-se do lucro dos pedidos iniciais (US$ 500) e de uma sala de 12m² dentro da empresa de seus pais.

Quantas oportunidades há aí? Podemos citar o fato de Alexandre ter nascido em uma família de empreendedores. Isso lhe conferiu a habilidade de negociar, vender, administrar um negócio, mesmo que minimamente. Alexandre herdou o legado cultural de uma família de comerciantes. Ele também pode se beneficiar de um produto cuja comercialização estava relativamente estruturada: sua mãe já comercializava chocolates. Possivelmente, ele também pode contar com alguns recursos da empresa de seus pais, o que deve ter reduzido ou eliminado custos fixos, dando tranquilidade e rentabilidade a qualquer microempresa. É provável também que tenha usufruído de assessorias contábeis e jurídicas de seus pais e/ou fornecedores da família. Com tais auxílios, Alexandre pode praticar e desenvolver seu talento como administrador.

É claro: isso não diminui o mérito de Alexandre, Bill Gates ou dos magnatas americanos. Eles certamente tiveram de aprender e trabalhar muito para que suas empresas crescessem. Porém, como se vê, as histórias de sucesso podem ser contadas de forma completa ou de forma mitológica.

Há padrões claros para o sucesso e como em todo padrão, há exceções. No geral, os homens de sucesso se beneficiaram de uma série de oportunidades, de proporções variadas que, por meio do trabalho duro, foram convertidas em grandes empreendimentos. Esta teoria não elimina a explicação do trabalho árduo, mas traz novos elementos para entender o sucesso.

O marketing do empreendedorismo nos conta que o sucesso é resultado do trabalho duro, mas esconde elementos igualmente importantes para explicar porque alguns negócios prosperam e outros não.

É comum ouvirmos que brasileiros têm espírito empreendedor. Porém, há uma diferença monumental entre empreender movido por um forte senso de realização e empreender por necessidade ou incapacidade de subordinação.

Somos o país com maior índice de distância hierárquica, segundo a pesquisa de Hofstede. Isso significa que, de modo geral, o brasileiro é altamente dependente das decisões de seus superiores e dificilmente manifesta-se quando discorda de algo. Pela inabilidade em se relacionar com seus superiores, os brasileiros sonham em ser seus próprios patrões.

No livro “Empreender fazendo a diferença”, Gerber expõe de modo simples e objetivo, os motivos certos e errados que nos levam a empreender. Ele utiliza os termos “mito” e “surto” para se referir a visão fantasiosa que comumente empreendedores de primeira viagem têm. Na maioria, empreendedores brasileiros apenas sonham em sapatear na mesa do chefe, não em construir uma empresa.

Aos empreendedores iniciantes, fica a lição: prosperar não depende somente da dedicação intensa, mas também das variáveis de ambiente, das competências acumuladas e de valores morais e culturais.

Aos vencedores, fica a lição de humildade e agradecimento pelos pequenos auxílios que possibilitaram a ascensão. Adizes, em seu modelo de ciclo de vida organizacional, reporta certo ar de arrogância comum em empreendedores ao atingir um estágio inicial de sucesso e isso pode lhes ser muito prejudicial.

Agora, talvez você analise de outra forma as histórias dos self-made men. Talvez você perceba outras coisas além de trabalhar duro. É preciso identificar melhor quais oportunidades eles agarraram e quais você também pode agarrar.

“A sorte favorece a mente bem preparada” – Louis Paster. [Webinsider]

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Daniel Rodrigo Bastreghi é sócio administrador e Consultor de Marketing na DRB.MKT. Atua no planejamento, orientação e assessoria de ações integradas de marketing digital, pesquisas e implantação de sistemas MarTech.

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5 respostas

  1. Obrigado pessoal. A quem gostou do texto, recomendo o livro “Fora de série” (Outliers) de Gladwell. Certemente irão gostar bastante do livro. Abraço.

  2. há muito tempo não lia um texto tão bem elaborado.

    sou empreendedor e vi muito do meu cotidiano no texto, realmente o fator sucesso depende de muitos fatores, mais o da cultura coletiva e da herança pessoal são os mais fortes.

    parabéns Daniel.

  3. Artigos como este deveria ser mais divulgado. Pensar se realmente todo trabalho árduo consegue atingir o tal sucesso estipulado? Se avaliarmos ao redor rapidamente vejamos a resposta. O sucesso não deve estar atrelado a aquisição de bens materiais nem a hierarquia social e sim a um propósito de vida.

  4. Muito bom o texto. Serve para nos lembrarmos de coisas que, apesar de eventualmente comentadas, normalmente não são frisadas.

    Penso que se você trabalha com afinco, em algo em que acredita, as oportunidades surgem. Na verdade, elas sempre estão surgindo, mas só as vemos se estamos preparados para elas, como bem disse Louis Paster.

    Gosto muito de dosar minhas leituras entre grandes fracassos e grandes sucessos, pois os fracassos nos permitem aprender, e os sucessos nos permitem sonhar.

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