Entrevistamos H.D Mabuse, palestrante do IxDSA11 e uma das primeiras personalidades a trazer e a reforçar o conceito de Creative Commons para o Brasil, além de ser um dos principais expoentes da cultura coletiva no país, desde o movimento musical do Re:combo.
H.D. Mabuse nos respondeu com toda sua genialidade, seis questões envolvendo temas como a participação das regiões Norte e Nordeste no desenvolvimento tecnológico do Brasil, a influência da música como ferramenta da experiência do usuário, sua opinião sobre o cenário fonográfico brasileiro e como o Interaction Designer está envolvido em todos estes processos de inovação, inclusive se a opção é criar projetos independentes: uma excelente dica por quem entende do assunto.
– Você sempre esteve envolvido no cenário da música, cultura, arte e tecnologia. Como acredita que o exercício do Design de Interação pode favorecer o amadurecimento desta cadeia?
Mabuse: – Gostaria de dividir essa pergunta em duas respostas.
Por um lado temos a indústria do entretenimento (música, cinema, games, etc.). Nela a situação atual é a seguinte: no meio que nasce digital, como o game, já é inerente a preocupação com a experiência do usuário. Vemos mudanças ocorridas nas indústrias “tradicionais” do entretenimento nas quais cada vez mais se vende não uma mídia física que serve de suporte para um produto cultural, mas sim uma experiência para o consumidor.
Na música isso é muito mais claro. Se existe uma única certeza no nebuloso futuro da indústria da música é o aprimoramento da experiência do ouvinte, seja por meio de performances cada vez mais hi-tech em shows ou por edições cada vez mais luxuosas de discos de vinil (tecnologia com quase 100 anos e que sempre ofereceu uma experiência mais rica em relação ao CD). Com o cinema é a mesma coisa, o Netflix está aí para mostrar como a interação na facilidade de acesso ao filme pode modificar toda uma cadeia de distribuição. O importante é notar: após a digitalização do conteúdo de mídia, as oportunidades para o design de interação são grandes.
Por outro lado temos novos paradigmas na produção artística, uma arte que extrapola o gesto formal a partir da produção do código-fonte (roubando um pouco do gesto da produção literária) e que tem apresentado com uma de suas principais questões a relação com o outro. Nesse contexto a produção artística contemporânea que envolve tecnologias pode ser encarada além do objetivo de expressão artística pessoal, mas também como um laboratório para o design de interações inovadoras.
Vários institutos de inovação consideram residências de artistas como parte de seu programa anual (tendo inclusive o termo aRt&D de Arte e Desenvolvimento, na sigla inglesa, sido usado no lugar do tradicional R&D – Pesquisa e Desenvolvimento).
Um dos casos mais recentes nesse sentido foi o Prix Ars Electronica Collide @ CERN. Residência conjunta do Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire – lar do o maior acelerador de partículas do mundo, o LHC (Large Hadrons Collider, com 27km de circunferência) na Suíça – e o Ars Electronica – um dos maiores festivais mundiais de arte e tecnologia que tem seu prêmio anual desde 1987. O objetivo do residência conjunta é “levar a criatividade digital para novas dimensões ao colidir as mentes dos cientistas com a imaginação dos artistas”.
– Você também acredita que a distância de Pernambuco, especialmente Recife, dos pólos econômicos do Sudeste do pais pode ter favorecido o desenvolvimento tecnológico da região? Como esse reconhecimento é percebido pelas empresas (Pernambuco e outros estados)?
– É inevitável lembrar dos versos do Mundo Livre S/A: “Não espere nada do centro / se a periferia está morta / o que era velho no norte / se torna novo no sul”. Antes de ser conhecido como pólo de inovação em software o Recife tinha uma história relacionada à computação desde 1962. Com a década de 90 veio a excelência no Centro de Informática da UFPE (o primeiro curso a ensinar Java na América Latina, e ter uma cadeira sobre Games na graduação).
– Da Coletividade Musical do Re:combo para a Música Coletiva em tempo real, o que mudou de lá para cá e o que você acha que está por vir no cenário de cultura musical e tecnologia? Um rápido panorama.
– Acredito que para pensar a música precisamos entender de onde vem as mudanças presenciadas hoje. A digitalização do conteúdo sonoro ainda com o advento do CD foi o passo inicial de uma revolução de hábitos sem precedentes na indústria cultural (com impactos que vão da facilidade de produção musical caseira até a pirataria).
Experiências como o Re:combo forçaram caminhos para a produção colaborativa de música, com a intenção de uma discussão aberta sobre como se estruturaria esse novo mercado.
Os anos se passaram e o Re:combo acabou no dia 05 de fevereiro de 2008 (sábado de carnaval) por acreditarmos: o que tratávamos como questão principal do nosso trabalho (a criação colaborativa e reflexão sobre autoria) tinha se distribuído de forma adequada em iniciativas e práticas espalhadas pelas redes. A possibilidade de produção coletiva e colaborativa aparenta estar bem aceita na sociedade.
Mas desse período uma questão ainda ficou sem resposta: qual a forma de remuneração viável para o músico nesse novo momento histórico, numa realidade de autoria coletiva e com um fim próximo do suporte físico?
Além da construção de experiências para o ouvinte – citado anteriormente – poucas são as pistas desses novos caminhos. Hoje cada grupo encontra seu formato de trabalhar nesse novo cenário. Talvez seja isso que tenha que acontecer: o modelo do Tecnobrega do Pará provavelmente só sirva para o contexto de lá, em outros casos as saídas podem servir apenas para uma banda específica. Enquanto isso a indústria fonográfica se transmuta numa indústria de entretenimento mais ampla. Ainda vai rolar muita água embaixo da ponte.
– Assisti alguns trechos do documentário “Ensolarado Bytes” e não pude deixar de falar sobre sua influência no Creative Commons brasileiro. Por favor, pode explicar para gente qual a principal mudança da legislação para os padrões brasileiros?
– A legislação brasileira de direito autoral tem boas qualidades, segue a linha da legislação francesa e teve na chegada do Creative Commons uma ferramenta que, por utilizar o formato de licença, torna menos burocrática a gestão da propriedade intelectual, principalmente no caso da intenção de dar liberdades específicas ao outro.
Nós tínhamos a oportunidade de deixar ainda mais avançada nossa legislação, por meio da consulta pública realizada no ano de 2010 para revisão da Lei de Direito Autoral (LDA), tornando mais aberto o acesso à propriedade intelectual em casos como a produção de material com fins educacionais. Infelizmente não houve uma continuidade nos objetivos do Ministério da Cultura no atual governo e essa revisão parece correr em banho-maria.
– A cultura do Design de Interação é de incentivo ao empreendedorismo e à produção de projetos experimentais. Acredito que você tem bastante envolvimento neste tipo de negócio (ou participando ou com incentivos). Qual sua recomendação aos interessados em iniciar uma produção independente, seja qual for o universo da interação?
– Antes de tudo pense no outro. Entenda necessidades que você pode atender com honestidade (já dizia Dieter Rams: o bom design é honesto). Ao mesmo tempo não pense por meio de modelos de startups badaladas ou seguindo cartilhas de empresas que deram certo num contexto diverso do nosso. Olhe ao seu redor e faça uso da ética punk do Faça-Você-Mesmo e da colaboração coletiva.
– Gostaria de encerrar essa entrevista com uma frase que você disse. Acredito que tenha tudo a ver com os princípios do IxDA: “a liberdade do outro amplia a minha ao infinito”. Esse é um forte tema de inspiração para o Design Challenge.
– É interessante você fazer essa citação à Bakunin, pensador anarquista russo do século XIX. Uma referência dessas em um evento como o Interaction South America representa uma mudança já desejada e defendida há muito tempo por designers como Viktor Papanek que viam na profissão um instrumento de mudança social e não apenas um meio para criação de belos bens de consumo. O espírito tem que ser esse mesmo: já temos muitas cadeiras e luminárias no mundo, precisamos agora trabalhar para causar um impacto social positivo, com todos os recursos que pudermos dispor.
– Agradeço mais uma vez o convite do IXDA e a gentil oportunidade dessa entrevista, obrigado.
– Eu que agradeço a você!
E para ouvir de perto o que H.D Mabuse tem a nos dizer, é só se inscrever no IxDSA11, que acontece nos dias 1, 2, 3 e 4 de dezembro em Belo Horizonte.
Esta será sem dúvidas, uma boa chance de estar mais próximo de quem realmente faz grandes mudanças no cenário artístico e inovador do país. Quer ver a prova? Eles recentemente incluíram na programação a visita ao museu do Inhotim: uma verdadeira experiência incrível.
Mais informações, o site oficial é http://www.interaction-southamerica.org/2011/ [Webinsider]
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Melina Alves
Melina Alves (@melinalves) fundadora da DUX Coworking. Consultora em User Experience, Designer de Experiência e Interação. Mantém o blog Melina Alves.