A recuperação de partituras dos filmes musicais da Metro

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Eu confesso que fiquei surpreso e depois chocado ao tomar conhecimento de que o maior e mais importante estúdio hollywoodiano, nada menos do que a Metro-Goldwyn-Mayer, havia descartado todas as partituras dos seus mais importantes filmes musicais, tendo as usado para, acreditem se quiser, aterro de um dos seus estacionamentos.

Pessoas ligadas ao estúdio relatam que, em 1969, os novos donos do estúdio não acreditavam que as partituras tivessem algum valor ou mérito para serem preservadas e mandaram jogá-las fora! Pois sim…

Em 2009, a BBC transmitiu o seu tradicional BBC Proms (programa que acontece todo fim de ano) com um show dedicado aos 75 anos dos filmes musicais da MGM. A apresentação coroou um trabalho árduo de recuperação das partituras originais, feita pelo maestro e scholar John Wilson.

O show foi apresentado em HDTV, pela BBC-HD e atualmente está disponível em DVD na Grã-Bretanha, pelo selo 2-Entertain, que representa a BBC para fins de mídia doméstica. É uma pena que o concerto ainda não viu uma edição em Blu-Ray, mas recentemente eu escrevi a eles, encarecendo que assim o fizessem. Em sua última correspondência a mim dirigida, a BBC prometeu estudar o assunto, junto ao seu representante. Vamos ver no que vai dar.

 O trabalho de recuperação das partituras

John Wilson é um jovem maestro inglês nascido em Gateshead, formado pelo Royal College of Music no início dos anos de 1990. Desde cedo, Wilson se interessou em tocar piano, e começou a prestar atenção nos arranjos dos filmes musicais clássicos, por influência de sua mãe, que os assistia com freqüência. Aos 16 anos de idade, John Wilson fundou a Newcastle Symphony Orchestra e aos 18 ele se matriculou no Royal College of Music, em Londres. Aos 22 anos, começou a fazer arranjos e colecionar as suas partituras em diversos estilos.

Fascinado pelo som das orquestras americanas da década de 1950, Wilson iria se dar conta da destruição da biblioteca de partituras da MGM, e resolveu dar um jeito nisto. Com o apoio da Warner Brothers, Wilson começou a catar partes de partituras em tudo quanto é lugar, e este trabalho durou cerca de dez anos, segundo ele. Convencido de que não conseguiria terminá-lo, ele então partiu para reconstruir ele mesmo as partes que faltavam, e para isto, contou com a colaboração de seu colega de academia Andrew Cottee.

 A influência de Conrad Salinger

Conrad Salinger, foi um dos principais e mais importantes arranjadores da Metro. Analistas atribuem a ele o que se poderia chamar de “o som da MGM”, no que tange à qualidade de suas orquestrações.

Salinger nasceu em Massachusets, Estados Unidos, filho de uma família tradicional da cidade de Boston. Formando-se em Harvard aos 24 anos de idade, foi para Paris, completar seus estudos de música. Segundo seus historiadores, em Paris ele liberou-se acadêmica e socialmente. Estudou composição, arranjos e regência com André Gédalge, cuja lista de alunos incluía Darius Milhaud (que viveu no Brasil e tem peças escritas sobre bairros do Rio de Janeiro) e Arthur Honneger, que escreveu para cinema.

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Conrad Salinger na MGM.

A sua entrada em Hollywood em definitivo não foi imediata, mas quando a unidade Arthur Freed da MGM começou a pleno vapor, Roger Edens o chamou de volta para fazer arranjos para filmes e ele o fez com uma mestria exemplar.

Salinger logo percebeu as limitações do som ótico usado nas películas, e descobriu que reduzindo a orquestra da MGM, dos mais de setenta músicos para cerca de 68 músicos, o registro do som melhorava em qualidade. Com o advento das gravações magnéticas e do som estereofônico, a partir de 1954 ele fez a orquestra voltar ao seu tamanho normal, e se aproveitou de toda a capacidade da mesma, nos diversos tipos de arranjo de dança, tônica dos filmes feitos na época.

O trabalho de Salinger começa em musicais de 1940 e vai terminar em Gigi, último filme musical produzido por Arthur Freed, e que sinalizou o fim da era de ouro dos filmes musicais do estúdio, em 1958.

 A preocupação com o som gravado

A gravação das peças musicais e a reprodução nos cinemas foi alvo da constante preocupação de alguns dos arranjadores da MGM. E neste particular, coube a John (“Johnny”) Green a pesquisa dos melhores microfones da época, que capturassem competentemente as sessões com cantores e orquestras.

John Green, segundo relatos de especialistas e historiadores, teria procurado também a melhor posição possível dos microfones sobre a orquestra, de maneira a preservar a dinâmica da orquestração.

O estúdio começara a experimentar processos fotográficos em Technicolor, inicialmente de 2 negativos, a partir de 1930, e depois de 3 negativos, até o fim da década de 1930, com base em segmentos coloridos em filmes musicais preto-e-branco, e posteriormente o filme todo, em luxuoso colorido, de forma mais constante. Um dos filmes deste período foi justamente o conhecido “O Mágico de Oz”, lançado em 1939.

O sucesso e o luxo destes lançamentos motivou, sem dúvida alguma, a se complementar a qualidade da imagem com a capacidade de reprodução de áudio. Muitos dos filmes antigos foram gravados, em banda ótica ou acetato, com separação de partes da orquestra e dos vocais. Este trabalho foi pesquisado em épocas recentes por preservacionistas, e assim parte das edições em DVD de filmes antigos (como o próprio Mágico de Oz) acabou sendo masterizada em áudio 5.1 simulado.

Mas, foi somente com o advento do CinemaScope e da introdução de cópias com som estereofônico nos cinemas, que este trabalho mostrou finalmente a qualidade da captura do som da orquestra da MGM e dos seus arranjadores.

Se algo de bom se pode tirar do trabalho atual do maestro John Wilson e da sua apresentação no BBC Proms é ter uma idéia precisa de como soariam os mesmos arranjos, no som moderno de alta resolução das mídias digitais. E por aí se pode ter uma idéia da possível frustração de seus criadores, nas apresentações nos cinemas de antigamente.

 O concerto de 2009

Lançado o ano passado em DVD, o concerto de John Wilson celebra os anos musicais e arranjadores da Metro, com a sua orquestra e o coral de Maida Vale. A apresentação começa com a versão quase integral contida no curta “M-G-M Jubilee Overture” de 1954, composta por John Green, cuja imagem pode ser vista abaixo:

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Johnny Green, regendo a orquestra MGM, com seus próprios arranjos.

Se alguém se der ao trabalho de assistir o curta da MGM irá notar a omissão no concerto do segmento contendo a música “Baby It’s Cold Outside”, mostrado com um pequeno conjunto de jazz.

No programa da BBC, os trechos cantados contaram com a participação de Kim Criswell, Sarah Fox, Sir Thomas Allen, Curtis Stigers e Seth MacFarlane, de acordo com o tipo de música e o estilo dos cantores. Sarah Fox e Thomas Allen, soprano e barítono, são os dois ingleses do grupo.

Seth MacFarlane ficou conhecido como o criador do seriado de TV “Family Guy” (“Uma Família da Pesada”), e, curiosamente, o seu currículo criativo não daria idéia do seu lado de cantor. A ele foi dada a pesada e indigesta tarefa de interpretar canções originalmente colocadas na tela por Frank Sinatra, no musical “Alta Sociedade”.

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John Wilson, regendo sua orquestra no BBC Proms.

Uma coisa que em chamou a atenção no concerto foi a expressão de alegria e felicidade no semblante dos músicos, do maestro e dos intérpretes, incluindo o coro à esquerda do palco. Eu entendo que é quase impossível ficar inerte diante daqueles sons e da qualidade intrínseca e singular dos trabalhos de arranjadores e compositores da MGM, e não seria em uma apresentação ao vivo que se iriam esconder emoções deste porte. O interessante é que, passados todos estes anos, é possível sentir todo o vigor, beleza e pujança daqueles segmentos musicais, o que, no fundo, é um atestado à imortalidade deste trabalho na MGM e a plena justificativa do esforço da sua recuperação!

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São cerca de duas horas de ininterrupto prazer, particularmente para aqueles que, como nós, vivemos a geração dos que tiverem o privilégio de assistir reprises destes filmes no cinema, e que agora o temos na mídia doméstica.

Quem nunca assistiu um filme musical MGM, mas conseguiu ver o concerto, certamente irá às fontes para fazê-lo. Atualmente, a filmoteca MGM deste período encontra-se nas mãos da Warner Brothers, e a maioria restaurada digitalmente.

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Da esquerda para a direita: Sir Thomas Allen, Sarah Fox, Set MacFarlane, Kim Criswell e Curtis Stiger.

 A gravação em estúdio

John Wilson assinou contrato para a transposição do show para CD. O disco mostra algumas alterações entre os cantores, mas essencialmente é a mesma coisa. Um vídeo com aspectos da sessão pode ser visto a seguir:

O disco foi gravado nos estúdios Abbey Road da EMI, em Londres, e saiu pelo selo EMI Classics. Naturalmente, que entre o som em PCM @ 44.1 kHz e 16 bits do CD e o som do DVD em Dolby Digital 5.1 @ 48 kHz e 24 bits, a qualidade do primeiro tem precedência sobre o segundo. Porém, ele perde o impacto da apresentação no palco e do visual do concerto ao vivo.

A experiência em estúdio tende a ser intimista, mas a disciplina dos músicos e a possibilidade de se conseguir consertar erros e/ou remixar o resultado gravado supera amplamente o calor do público.

Por outro lado, uma comparação entre as duas performances irá demonstrar inequivocamente que a apresentação no palco é exemplar. E, de fato, uma vez assistindo ao show ao vivo, fica difícil ouvir o CD sem ter vontade de voltar a ver o DVD.

Além disto, a engenharia de som da BBC é algo fora de série. Ela segue a tradição desta empresa pública, nas áreas de pesquisa do som analógico e digital, cujos frutos estão aí até hoje. Foi a BBC quem deu impulso às gravações estereofônicas no passado, e completou as bases do som digital em PCM, posteriormente usadas pela Denon e depois por outras gravadoras de renome.

Claro que, se dependesse de mim, uma edição em Blu-Ray seria lançada imediatamente. Não só pela imagem original de HDTV em si, mas pela exposição cada vez maior do som de alta qualidade que o Blu-Ray oferece, tão bom ou melhor que as melhores mídias digitais do passado recente. [Webinsider]

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Oi, Leeosvald,

    A MGM foi comprada pela Sony, o acordo de distribuição dos filmes atuais é da Fox, e o acervo antigo pertence à Turner, e tem sido gerenciado e distribuído pela Warner.

    Foi graças a esta última que os filmes clássicos foram recuperados, alguns com restauração fotográfica, outros com remasterização digital de alta resolução (Ultra Resolution), atualizado agora para o potencial técnico do Blu-Ray (2K e acima).

    Ainda tem muito musical clássico MGM fora das prateleiras, mas eu não acredito que estejam perdidos. Infelizmente, vários dos que estão disponíveis, só em DVD e compra fora do país.

    O Technicolor antigo também em encanta, mesmo sabendo que a saturação é exagerada. O que fascina é ver como os antigos diretores de fotografia e os iluminadores de cena se esmeravam em fazer algo tão atraente aos olhos da platéia da época, e de fato até hoje a gente tem uma percepção ímpar, nada se iguala a ela.

  2. Olá Paulo.

    Gosto muito dos titulos da MGM, não sei o certo mais me parece que a mesma foi vendida a Sony? outra coisa,as peliculas da MGM é um luxo de ser ver em Blu-ray, vide o filme Mizery,Que saiu um show em BD, e que a maioria das vezes,são lançadas em Tecnicolor,que eu acho uma beleza em termo de cores.

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