Newsgames e a reinvenção da democracia pós-moderna

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Com Luciene Santos.

Toda culpa cabe ao nobre deputado Feliciano? Quem sabe, pode ser, sim, talvez, não, sim, não… Realmente, não! A Noruega é a primeira colocada no Índice de Democracia por uma gama de responsabilidades sociais que são adotadas pela maioria de sua população. Já o Brasil ocupa a 45ª posição no mesmo ranking porque a maioria dos brasileiros não cumpre ainda as metas que influenciam o índice de uma verdadeira democracia.

Pois, numa verdadeira democracia, todos nós somos corresponsáveis! Do grego demo+kratos, democracia é um regime de governo em que o poder de tomar decisões políticas estaria nas ‘mãos’ do povo (cidadãos), sob a forma direta ou indiretamente, por meio de representantes eleitos. Uma democracia pode existir em um sistema presidencialista, parlamentarista, monárquico constitucional e republicano.

Desde 2006, a revista inglesa The Economist avalia o grau de democracia em 167 países através de cinco critérios gerais: o processo eleitoral e pluralismo, as liberdades civis, o funcionamento do governo, participação política e cultura política. Com notas que vão de 0 a 10, as nações são classificadas em democracias plenas, democracias imperfeitas, regimes híbridos (todos considerados democracias) e regimes autoritários (considerados ditatoriais).

O índice e as contradições brasileiras

Segundo a Economist Intelligence Unit Democracy Index 2011, a Noruega obteve o melhor resultado ao totalizar 9,80 pontos, enquanto a Coreia do Norte teve a menor nota, ao atingir apenas 1,08 na classificação.  Em comparação com o relatório de 2010, o Brasil subiu do 47º para o 45º lugar e seu índice manteve-se em 7,12 pontos.  Nos critérios processo eleitoral e pluralismo e liberdades civis, o Brasil recebeu 9,58 e 9,12 pontos, respectivamente.

Contudo, o resultado é semelhante à de países classificados como democracias plenas, como Suécia, Áustria e Alemanha. No critério funcionamento do governo, o Brasil foi classificado com a nota 7,5, igual a dos Estados Unidos, 19º colocado no ranking. Entretanto, o país teve notas muito ruins em critérios que dependem mais da sociedade civil do que do Estado.

A nota do país em participação política foi apenas 5, inferior a de países como Bangladesh (83ª posição) e Etiópia (121ª posição). Por fim, em cultura política o índice do Brasil foi de 4,38 pontos, menor que a de vários países com regimes autoritários, como Bahrein (144ª posição) e Guiné Equatorial (161ª posição).

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Mapa da democracia no mundo

E onde entram os newsgames?

Entram justamente onde o Brasil vai de mal a pior. Quando formatados adequadamente, os games baseados em informação e notícia são excelentes ativadores da participação política, contribuindo de forma substancial para o maior engajamento social do cidadão comum e agenciamento da cultura política de uma nação. Se tudo isso for levado a cabo, newsgames como ativismo político podem reinventar a forma como encaramos a democracia na pós-modernidade. Mas como ativar a participação política e transformar a cultura política de uma nação através de narrativas de jogos?

Em primeiro lugar, mudar o velho conceito que paira sobre a palavra jogo. Se antes o termo remetia apenas à recreação e divertimento, a sociedade precisa passar a encarar os jogos, de uma vez por todas, como algo sério inserido na vida cotidiana das pessoas. Além de passatempo, jogos também são ferramentas de uso acadêmico e profissional. Ainda mais do que isso, jogos podem ser excelentes ativadores sociais e políticos.

Aprimorando a cultura política

Com jogabilidade semelhante ao Monopoly, o newsgame de ativação de participação política poderia trabalhar habilidades como estratégia e negociação, fazendo com que os novos jogadores sociais aprimorem sua cultura política, mediante o exercício de conquistas e perdas sociais dentro de um tabuleiro de jogo. A sua narrativa pode assumir um caráter global, ou meramente local, ou ainda ser um misto de uma coisa e outra.

Quem não vai gostar nada disso são os ‘governantes’ que comandam nações da ponta de baixo da tabela de classificação. Mas que parâmetro de democracia podemos usar para formatar a narrativa do jogo? Como norteador, a edição suíça 2010 do GuideBook to Direct Democracy (Guia da democracia direta) pode servir de base. O guia foi criado para apontar as vantagens da adoção deste modelo de democracia.

Na internet existe até um manifesto em defesa da democracia direta. No Reino Unido, onde os britânicos ainda se rendem à realeza, o site Direct Democracy também faz apologia à proposta de participação popular na vida pública. Em 2012, a cidade de Montevidéu (Uruguai) foi palco da quarta edição do Global Forum on Modern Direct Democracy . O encontro serviu para debater ferramentas combinadas de democracia. Quem diria, o Uruguai, país vizinho ao Brasil, despontando como líder global na prática democrática direta.

É oportuno criar um jogo que colocasse em perspectiva a distinção entre democracia direta e indireta, apontando os benefícios da participação ativa do cidadão na vida pública. Enquanto a primeira representa a democracia pura, quando o povo expressa sua vontade por voto direto em cada assunto particular, a segunda, remete à democracia representativa, quando o povo expressa sua vontade por meio da eleição de representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram.

Democracia semidireta suíça

Atualmente, o regime que mais se aproxima dos ideais de uma democracia direta é a democracia semidireta da Suíça. Nesse modelo existe a combinação de representação política com formas de democracia direta, no qual o povo pode exercer sua cidadania de duas maneiras: através de referendos ou plebiscitos. Geralmente são formas usadas em apreciação de temas mais importantes para a vida pública de uma nação.

referendo

Modelo – referendo iniciativa dos cidadãos

Além da Suíça, alguns estados americanos usam com frequência o referendo (demanda popular). No caso do plebiscito (demanda do governo), cabe ao Estado escolher quando e como a questão será abordada. Embora a Alemanha esteja muito próxima de uma democracia representativa ideal, lá os referendos são proibidos. Em parte devido à memória de comoHitler usou isso para manipular plebiscitos em favor do seu governo.

Os italianos preferiram adotar o sistema parlamentarista de governo por receio de que surgisse um novo Mussolini na Itália. Ao escutar histórias que narram o horror da 2ª Guerra Mundial, ninguém quer nem ouvir falar de sistemas políticos que centralizam o poder nas mãos de uma única pessoa. O espólio social por conta da derrota na guerra ainda está muito vivo na memória dos italianos.

A surpreendente queda de Berlusconi

A decisão da Suprema Corte italiana, que condenou o ex-premiêr Silvio Berlusconi, a quatro anos de prisão por fraude fiscal, surpreendeu aquele que os italianos consideravam até então intocável. O desvio no valor de 7 milhões de euros foi descoberto na contabilidade do grupo Mediaset, maior conglomerado de mídia da Itália, que controla as três maiores emissoras privadas do país. A Mediaset fica sob o guarda-chuva da Fininvest.

Por sua vez, a mesma holding é proprietária da editora Mondadori, do jornal diário Il Giornale, do clube de futebol AC Milan e de dezenas de outras companhias. Horas após a condenação, Berlusconi usou os canais de TV da família, para repudiar a decisão judicial, chamando os juízes de ‘irresponsáveis’. Agindo como se fosse ‘dono do poder’ que antes lhe fora conferido, Berlusconi – que começou a vida pública como crooner de transatlântico – não se intimidou em usar poder privado para se impor.

Tamanha personificação do poder revela que o modelo democrático italiano ainda precisa ser aprimorado. Para evitar abusos de pessoas que usam cargos públicos em benefício próprio, o GuideBook to Direct Democracy propõe duas formas de referendos: por iniciativa dos cidadãos e iniciativa dos governantes. Um projeto de jogo baseado em notícias poderia funcionar como tabuleiro de debate público de assuntos em pauta das cidades.  

Conquistando pontos sociais

Claro, não podemos nos contentar em ver democracias diretas e indiretas como tipos ideais de governo. No final das contas, um modelo acaba sempre se aproximando muito um do outro. Contudo, trabalhar a ideia de democracia direta (referendo, plebiscito, ou outro modelo a ser criado), através de narrativas de jogos informativos com responsabilidade social, pode ajudar a combater a alienação social e reforçar a cultura política de uma nação com limites de liberdades individuais e coletivas.

Em contrapartida, os novos jogadores sociais (cônscios de sua responsabilidade social e política) conquistam pontos sociais que podem ser revertidos, por exemplo, em redução gradual de impostos. Quanto maior for a participação, melhor será a sua pontuação social na vida real. Os pontos seriam cumulativos na proporção direta do engajamento do cidadão comum em jogos como ativadores da consciência política.

Modelo da União Europeia

Longe do tabuleiro de jogo, um sistema de pontuação social já vem sendo adotado pela União Europeia, para promover a integração de cidadãos extracomunitários. Quanto mais inseridos estiverem os estrangeiros domiciliados em programas sociais, mais benefícios sociais são repassados. Tal sistema é bastante democrático à medida que oferece mais oportunidades a quem exerce de fato a sua cidadania.

No lado de cá do planeta, o governo brasileiro ainda discute a possibilidade de propor um plebiscito, pressionado pela repercussão negativa dos recentes protestos que tomaram as ruas de todo o país. Então, para melhorar sua posição no ranking de democracia, o Brasil deve ou não lançar referendos e plebiscitos? Uma coisa é certa: o 45º lugar no ranking revela que a democracia brasileira não emana realmente do povo.

Que tal usar ferramentas lúdicas de comunicação para que a democracia adotada no Brasil seja um motivo de exemplo para o mundo? Ao que tudo indica, as mudanças sociais serão ainda mais lentas se usarmos apenas o sufrágio universal como base fundamental de democracia. A participação popular na vida pública tem de ser ampliada. A iniciativa de um newsgame de combate à alienação política pode começar em âmbito escolar.

Mesmo porque, qualquer mudança séria que se pretenda implementar em um país começa na forma de educação básica. Mas quanto tempo teremos de esperar ainda? Ou nunca lhe incomodou o fato de conviver eternamente sob a tutela do Estado? E o nosso nobre deputado Feliciano? Não há problema nenhum enquanto o ilustre desconhecido só estiver falando… O problema é quando o que ele fala, vira lei.

democracia

Ranking editado das democracia no mundo

[Webinsider]

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Avatar de Geraldo Seabra

Geraldo Seabra, (@newsgames) jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. É editor e produtor do Blog dos NewsGames.

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