Panorama jurídico e normativo da política de TI Verde

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Gigantes como Google e Intel já iniciaram programas para redução de energia com conseqüente redução de gases do efeito estufa. A segunda empresa citada, ainda, pretende substituir a liga de ?chumbo? de seus chips e placas por outra menos poluente até o fim deste ano. Nokia e Motorola já coletam suas baterias e a encaminham para reciclagem na Europa e Estados Unidos.

Estas são apenas algumas iniciativas que anunciam uma nova era de reflexões e posturas em face da revolucionária ingerência tecnológica: a TI ou informática verde.

Em um cenário onde o carbono e sua emissão desmedida são o foco dos controles ambientais, com destaque para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e o Mercado de Créditos de Carbono, envolvendo países poluentes e não poluentes, evidentemente que, o despertar para a ameaça tecnológica ao meio ambiente era previsível e desejável.

Foi o fundador da Intel, Gordon Moore, que há mais de trinta anos constatou que a capacidade de processamento dos computadores dobrava a cada dezoito meses, enquanto os custos permaneciam constantes (Lei de Moore). Mas, para onde direcionamos os equipamentos obsoletos? É feito um tratamento prévio para destinação a aterros? Recicláveis? Para agravar ainda mais o assunto, segundo o Instituto Gartner, a indústria de tecnologia da informação e comunicação (TIC) é responsável por cerca de 2% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2), o que reforça a imprescindibilidade da adoção de GTPs (Green Technology Plans) nas empresas do setor nos próximos dois anos.

Talvez, possa-se imaginar que a postura da TI verde só tem implicações em empresas que fabricam produtos, não afetando prestadores de serviços de telecomunicações ou storage, envolvendo data centers e seus serviços de hosting e co-location. Ledo engano! É cada vez mais crescente a necessidade de armazenamento e processamento de dados e na mesma proporção, os serviços de storage passam a representar significativas posições no consumo de energia. Estima-se que a potência nos data centers cresceu dez vezes em dez anos! [1]

Como se verifica, as pressões aos prestadores de serviço de TI que não adotam iniciativas verdes serão mais que pressões de consumidores responsáveis, mas tendem a se constituir em necessidades financeiras, obrigações fiscais e até mesmo legislativas.

O Direito Ambiental foca sua tutela sobre a Tecnologia da Informação, de maneira a domesticá-la no que cerne ao seu rápido desenvolvimento, evidentemente, no que diz respeito à sustentabilidade.

E a iniciativa de destaque vem da União Européia, com a edição, em julho de 2006 da polêmica ?lei do sem chumbo (lead-free)?, ou RoHS Directive (Restriction of Certain Hazardous Substances), que proibiu que certas substâncias perigosas [2] fossem empregadas em equipamentos eletrônicos, o que fez e vem fazendo com que empresas de TI se reestruturem para a conformidade com a norma, o que não é fácil, considerando o alto custo envolvido bem como a solda tradicional hoje, que liga os componentes eletrônicos em placas, é em regra composta por 60% de estanho e 20% de chumbo.

A RoHS introduz no cenário mundial a obrigatoriedade da indústria ou importador em se responsabilizar pelo ?ciclo de vida? dos produtos que insere no mercado de consumo, através de um programa de gerenciamento de impacto, coleta e reciclagem dos produtos descartados, certamente sendo recepcionada no Brasil pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/1990), em sua política nacional de relações de consumo, que também zela pela integridade da saúde de consumidores.

Igualmente, a RoHS contempla o princípio de Direito Ambiental do ?Poluidor Pagador? [3], segundo o qual a poluição resulta em enriquecimento ilícito e degradação ambiental, gerando direito à reparação pecuniária.

Porém, como dito, aspectos envolvendo os ?efeitos colaterais? do RoHS vêm gerando discussões entre especialistas do setor, dentre os quais citamos a teoria do reciclável poluidor, que assevera que a reciclagem tecnológica é tão poluente quanto a disposição do lixo eletrônico em aterros, bem como a teoria da diminuição do ciclo de vida dos componentes eletrônicos, considerando que a tecnologia ?lead-free solder? demanda uma alta temperatura nas ligas dos componentes, o que desgastaria os mesmos, reduzindo sua vida útil (produtos verdes são considerados menos duráveis).

Outra corrente porém, em um juízo de proporcionalidade, pondera que tais desgastes de longe são menos nocivos que a forte exposição do meio-ambiente aos metais perigosos.

Discussão à parte, deve-se destacar na Europa, igualmente, a Diretiva Européia 2002/96/EC, a WEEE, Directive on waste electrical and electronic equipment [4], que contém disposições sobre substâncias proibidas em produtos eletrônicos e a reciclagem como instrumento capaz de reduzir o aumento do fluxo de resíduos eletrônicos.

Outras iniciativas merecem destaque, como no caso do Japão que, ao regulamentar sua Lei de Incentivo a Utilização Eficaz de Recursos (Law for the Promotion of Effective Utilization of Resources), editou a norma JIS C 0950:2005, a conhecida ?J-Moss? [5], que prevê inclusive que os fabricantes informem aos consumidores, até mesmo via website corporativo, a aposição de componentes químicos perigosos em equipamentos eletrônicos como computadores pessoais e televisores.

A Coréia do Sul por sua vez, adotando o padrão RoHS, editou recentemente o Act for Resource Recycling of Electrical and Electronic Equipment and Vehicles (Bill 6319 of 30 March 2007) [6].

Na América, o Estado da Califórnia, que concentra as principais empresas de tecnologia do mundo, também conta com legislação específica, a Electronic Waste Recycling Act of 2003 (EWRA), que dá ênfase à poluição de monitores e displays, inclusive LCDs, e que desde janeiro de 2007, obriga os fabricantes a respeitar os limites máximos permitidos de substâncias perigosas, na concepção de tais produtos [7].

Já no estado americano do Texas, a preocupação como e-waste (desperdício eletrônico) levou o Estado à aprovação da House Bill 2714 [8], uma lei estadual que penaliza o fabricante pelo impacto ambiental do equipamento: segundo a Lei, os fabricantes são responsáveis pela reciclagem e retorno do equipamento utilizado, rotulando inclusive suas máquinas, com informações claras ao consumidor para que as destinem à empresa fabricante em caso do descarte ou obsolescência.

Quais as normas vigentes e os quesitos a serem atendidos?

Mas, no que se fundamenta um PTV (Plano de Tecnologia da Informação Verde)? Quais as normas vigentes e como elaborar e implementar? Quesitos a serem atendidos? Reformulação total ou implementação progressiva? Enganam-se aqueles que pensam que o compliance é consumado com a simples inserção nos rodapés dos e-mails da empresa de expressões como ?Antes de imprimir pense na sua respnsabilidade com o meio ambiente?. Aliás, isso é no mínimo cômico!

Ainda no Plano Internacional, o destaque fica para a U.S. Environmental Protection Agency, que desenvolveu o programa ?Energy Star? [9], e que também possui estudos e pesquisas, nos termos da Resolução 5646 da U.S. House of Representatives de 2006 sobre a quantidade de energia consumida pelos centros de dados corporativos e estatais; medidas da indústria no sentido de desenvolver servidores eficientes em relação ao consumo de energia; possíveis incentivos que convençam as empresas a optarem pela utilização de tecnologias com funções para poupar energia.

O selo ?Energy Star? vem sendo hoje um dos mais cobiçados pelas empresas que já atentaram ao novo modelo, onde CIOs já estudam projetos e auditorias objetivando as certificações.

No Brasil

No Brasil, destaca-se a certificação ISO 14001, que é antiga à onda ?Ti Verde? mas aplicável também às empresas de tecnologia. Tal norma detalha os principais requisitos para as empresas identificarem, controlarem e monitorarem seus aspectos ambientais, através de um sistema de gestão ambiental.

E é neste contexto de SGA que se insere o PTV (Plano de Tecnologia Verde), como um documento que prescreve as boas práticas adotadas pela empresa no que atine ao meio ambiente e sustentabilidade, observando-se os requisitos da ISO 14001 para certificação e demais normas.

Vejamos:

  • a) Compliance com a legislação ambiental;
  • b) LCA (life cycle assessment) ou EIATi (estudo de diagnóstico e impacto ambiental da tecnologia da informação);
  • c) Procedimentos padrão e ações de contingência ou diminuição de impactos;
  • d) Capacitação e qualificação dos colaboradores e profissionais, inclusive a respeito de normas envolvendo crimes ambientais.

Destarte, muitas ações devem ser tomadas no campo da TI, na medida em que um Plano de Tecnologia Verde demonstra-se como fundamental à vitalidade das empresas. Estratégias que variam de acordo com a especificidade dos serviços, dentre as quais destacamos ?Carbons Zero Schemes?, compromissos de plantio de árvores a cada contratação em TI, ajustamentos para redução de watts e toneladas de carbono e até mesmo estratégias de virtualização [10], visando a diminuição de hardware, sem a respectiva perda de produção.

Nos contratos envolvendo TI, algumas cláusulas e requisitos passam a ser indispensáveis, dentre as quais citamos:

  • a) Cláusula Verde, envolvendo compromisso entre as partes, a se responsabilizarem entre si, por fornecedores envolvidos no contrato e colaboradores, em ampliarem uma política que prestigie a sustentabilidade e o respeito ao meio-ambiente;
  • b) Cláusula de redundância responsável e lixo eletrônico (multi-tiering) [11], prevendo a exclusão de versões de backups menos recentes, e a adoção de critérios na redundância de dados;
  • c) Cláusula de resolução motivada em caso da não habilitação técnica de quaisquer das partes nas normas de TI verde, em especial a não certificação e auditoria contínua 14001 ou demais normas, e a não adoção de um PTV;
  • d) Cláusula de PPW (Performance per Watt) [12], onde existe uma a espécie de ?SLA da energia?, em que o princípio é consumir apenas o necessário e aumentar a performance por watt, com conseqüente redução de energia;
  • e) Cláusula LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) [13] ou de Construção Verde, objetivando a certifcação e um framework para edifícios e ambientes de TI ?verdes?, arquitetados segundo as normas nacionais e internacionais de construção responsável.

Atente-se por fim que tais políticas verdes não devem desconsiderar as Leis 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), Lei 9.605/1968 (Lei de Crimes Ambientais), Lei da Ação Civil Pública nº 7.347/1985 no que cerne a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, além é claro da Lei da Ação Popular nº 4.717/1965, nos seus aspectos referentes à lesão e a proteção ao meio-ambiente.

Em síntese, o ?Princípio da Escala? de Kardashev [14] toma ênfase em tempos atuais, à medida em que a evolução de uma nação é medida por seu consumo de energia, e logicamente, o que não pode ser medido não pode ser gerenciado. É em tal ambiente que a ?TI Verde? se anuncia, como mais que uma estratégia de marketing ou ?obrigação moral?, mas em verdade, como uma imposição mundial envolvendo uma re-arquitetura de postura normativa, operações, armazenamento e processamento de dados, objetivando a redução do impacto ambiental, porém, sem restringir a evolução tecnológica, em um conceito denominado ?lavagem verde? [15]. [Webinsider]

Notas

[1] TI verde: refrigeração de data center é uma das prioridades da área de P&D da HP

[2] Os componentes proibidos são cádmio (Cd), mercúrio (Hg), cromo hexavalente (Cr(VI)), bifenilos polibromados (PBBs), éteres difenil-polibromados (PBDEs) e chumbo (Pb).

[3] Consubstanciados no Art. 4º, VIII da Lei 6.938/81, levam em conta que os recursos ambientais são escassos, portanto, sua produção e consumo geram reflexos ora resultando sua degradação, ora resultando sua escassez. Além do mais, ao utilizar gratuitamente um recurso ambiental está se gerando um enriquecimento ilícito, pois como o meio ambiente é um bem que pertence a todos, boa parte da comunidade nem utiliza um determinado recurso ou se utiliza, o faz em menor escala. Princípios do Direito Ambiental.

[4] WEEE legislation

[5] JIS C 0950:2005 (PDF)

[6] Recycling of Electrical and Electronic Equipment and Vehicles (em PDF)

[7] Cádmio: 0,01%, Crómio hexavalente: 0,1%, Chumbo: 0,1%, Mercúrio: 0,1%

[8] House Bill 2714

[9] Energy Star

[10] Em uma definição livre, virtualização é o processo de executar vários sistemas operacionais em um único equipamento. Uma máquina virtual é um ambiente operacional completo que se comporta como se fosse um computador independente. Com a virtualização, um servidor pode manter vários sistemas operacionais em uso.

[11] Control unit virtualization of storage with thin provisioning will be recognized as the only approach to storage virtualization that can increase utilization, eliminate allocated but unused space, recover stranded storage, reduce redundant copies, increase access speed, and provide nondisruptive movement of data for {multi-tiering}, migration, and replication.

[12] Intel versus AMD: quem está na frente da batalha dos chips móveis

[13] The Leadership in Energy and Environmental Design (LEED) Green Building Rating System, developed by the U.S. Green Building Council, provides a suite of standards for environmentally sustainable construction. Since its inception in 1998, LEED has grown to encompass over 14,000 projects in 50 US States and 30 countries covering 1.062 billion square feet (99 km²) of development area

[14] A Escala de Kardashev é um método proposto pelo astrofísico russo Nikolai Kardashev para medir o grau de desenvolvimento tecnológico de uma civilização. Foi apresentado originalmente em 1964 e utiliza-se de três etapas ou tipos, classificando as civilizações baseado na quantidade de energia coletada, utilizada e processada e seu aumento em escala logarítmica.

[15] Saiba mais sobre Green wash.

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José Antonio Milagre (@periciadigital) é Perito e Advogado especializado em Tecnologia da Informação. Site: www.legaltech.com.br.

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2 respostas

  1. Excelente artigo, diria mais que isso, um pontual Briefing para a revisão dos contrato e implantação de uma Tecnologia da Informação Verde. Porém gostaria de mais dados sobre o Armazenamento de dados, aguardo informações.

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