Home office é um recurso de trabalho disponível desde os anos 80, relacionado ao uso de um microcomputador dentro de casa, o que não está ao alcance de muita gente.
No dia 31/08/2020 li uma reportagem da Folha de São Paulo, que mais se assemelha a um editorial, escrito por um jornalista do Rio, sobre home office, com o título “Home office é novo indicador de desigualdade econômica no Brasil”.
Mas o texto começa logo começa logo afirmando que o home office é conhecido como “trabalho remoto”, desta forma:
“O trabalho remoto, também conhecido pelo termo em inglês home office, ganhou escala no Brasil, de forma forçada, como alternativa para deter o contágio na pandemia da Covid-19”.
O texto cita uma pesquisa do IBGE, argumentando que os menos privilegiados economicamente não poderiam ter acesso a este tipo de trabalho.
O home office, entretanto, existe há décadas, sem este nome.
A década de 1980 foi marcada por uma disseminação aumentada do uso de microcomputadores pessoais, ainda que timidamente!
Na UFRJ desta década, o Núcleo de Computação Eletrônica resolveu dar um curso sobre programação em Basic para os professores, mas que na realidade era uma iniciação ao uso de computadores, montados por eles, rodando CP/M em floppies de 8 polegadas.
Eu me inscrevi rapidamente neste curso. Eu já havia escrito alguns programas, com linguagem bem rudimentar, para ter segurança no processamento dos dados de laboratório, durante a minha tese de mestrado, mas precisava aprender muito mais.
Eu não fiquei surpreso quando, de uma turma de cerca de 50 professores, na aula seguinte sobraram uns 20, mais ou menos. Na primeira aula, sentou-se na minha frente um grupo do Instituto de Nutrição, e uma delas me disse que não iria aprender aquilo nunca!
O professor daquele curso vinha da matemática, ele mesmo ainda aprendendo aquilo tudo. Tanto assim, que quando ele escrevia uma rotina no quadro, brincava com a gente pedindo para irmos ao laboratório testar para ver se funcionava!
Talvez o fato daquele colega ter dito logo de cara que seriam exigidos três trabalhos e uma prova foi o que assustou a parte da turma que se evadiu. O computador, eu percebo, era e ainda é uma caixa preta para a grande maioria de usuários.
Esperava-se que as interfaces gráficas tornariam os computadores pessoais fáceis de usar. E assim foi, porém um monte de operações continua passando transparente para que usa. Nas minhas orientações a alunos, estagiários e pós-graduandos, eu me sentia compelido a explicar, por exemplo, o que era “salvar um arquivo” ou “fazer backup”.
É importante assinalar que, na minha experiência com este início, a iniciativa do NCE acima citada não foi suficiente para sensibilizar as chefias de departamento em pedir para a universidade investir em microinformática. Talvez se os departamentos tivessem investidos na nova tecnologia aquela debandada da primeira turma de Basic poderia ter sido evitada. O fato é que a grossa maioria dos professores nunca tinha visto um computador na frente, daí a paranoia resultante da sensação de incapacidade no aprendizado do uso da máquina.
Sendo assim, todos nós professores que conseguíamos adquirir um computador pessoal levávamos parte do trabalho para casa!
O escritório doméstico
O termo home office se tornou popularizado na Inglaterra. Na realidade, a expressão completa é “Small Office Home Office”, ou simplesmente “SOHO”. Ela faz referência ao mínimo de equipamento necessário para se realizar as tarefas que se traz para casa.
O home office não precisa ser necessariamente pequeno, como ele é rotulado (“Small”). Dependendo do que se faz, equipamentos ou recursos externos precisam ser instalados, de modo a se poder completar o que se deseja. Diante das circunstâncias e da escala de tarefas, pode-se montar uma estação de trabalho (“workstation”) dentro de casa. Em função da profissão, o home office ainda é, hoje em dia, uma necessidade, independentemente da pandemia!
A resistência ou xenofobia ao uso de computadores
Eu sempre notei no meio acadêmico uma enorme resistência ao uso de computadores, não só aqui, mas lá fora também. O departamento onde eu trabalhei ofereceu a cada professor um computador desktop com processador Intel 80286. Um dos meus orientadores em Cardiff não chegava nem perto de um e recusou o dele. E por isso uma das secretárias do departamento se queixou comigo que era ela quem fazia todo o trabalho por ele, como por exemplo, digitar e imprimir uma carta ou memorando.
Essa falta de visão aconteceu em grande parte porque as pessoas envolvidas não perceberam a versatilidade do computador como uma máquina ou ferramenta para ajudar a resolver um monte de problemas dentro dos laboratórios. A exceção ficou por conta da instalação de equipamentos assistidos por computação, como, por exemplo, os cromatógrafos líquidos de alta performance ou os espectrômetros de massa.
Além disso, a informática do passado exigia tempo e paciência, para se alcançar qualquer objetivo. Este foi, inclusive, o principal motivo pelo qual o NCE passou a oferecer um curso de Basic, porque sem programação naquela época não se fazia quase nada na frente do computador!
E um dos motivos pelos quais alguns computadores começaram depois a vender mais foi exatamente porque os programas já vinham prontos para o uso. Historicamente, esse aumento de vendas de computadores pessoais foi devido ao aparecimento dos processadores de texto.
Quem tinha antes a consciência da versatilidade do computador como máquina universal de tarefas foi quem mais se beneficiou do seu uso. E, naturalmente, em se tratando de trabalho científico ou pesquisa de qualquer natureza, o computador foi o meio vencedor, em todos os aspectos.
As pré condições que nunca aparecem
Exigir tal nível de consciência em uma população que não tem acesso nem ao nível básico da sua escolaridade é um exagero, independente do nível financeiro de cada um. Escolas podem instalar laboratórios para este fim, mas os alunos de baixa renda ficarão restritos àquele ambiente, e assim as chances de irem para frente são mínimas.
Portanto, não é pura e simplesmente uma questão financeira, é também e principalmente de acesso ao conhecimento!
Embora a pesquisa citada pelo nobre jornalista possa refletir uma realidade social, ela no final acaba citando o que eu acabo de mencionar, quando diz, e eu cito:
“Entre os que estão no trabalho remoto, 6,1 milhões, quase 73% do total, concluíram o ensino superior completo ou uma pós-graduação, detalha o levantamento do IBGE.
Em contrapartida, apenas 70 mil dos trabalhadores que estão no sistema não completaram nem o fundamental”.
É uma pena que assim o seja, mas enquanto as administrações públicas, estaduais ou federais não se comprometerem de fato a dar oportunidade a quem precisa, esta situação irá continuar exatamente como está! Outrolado_
. . .
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
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Olá, Roberto,
Eu quero deixar bastante claro algumas coisas:
Em outras circunstâncias eu não aprovaria um comentário contendo qualquer tipo de propaganda, mas neste caso eu resolvi abrir uma exceção e espero que não me arrependa.
Eu sou um coleborador do Vicente, nosso editor, desde a época do Webinsider, pessoa com quem eu fiz amizade, e nunca fui pago por isso. O meu trabalho é uma forma de tentar passar adiante a minha experiência acadêmica e de vida, dentro do possível. Em princípio, eu não tenho nenhuma preocupaçãpo de ter milhares de seguidores, até porque, ao longo do tempo, eu tive a felicidade de conhecer pessoas que gostam do que eu escrevo. E essas pessoas são todas educadas e colaboradoras nos comentários que escrevem, e é assim que tem que ser.
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