O Word não é o pai dos burros e a língua sofre

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Com a difusão e a popularização de ferramentas como blogs, sites e redes de relacionamento em geral, pode-se perceber a falta de trato que muitos internautas têm com o nosso rico idioma.

O assunto não é novo, mas há quem ache, por exemplo, que o Microsoft Word substitui definitivamente a gramática. Esperam que a ferramenta seja capaz de corrigir os erros mais bárbaros de ortografia e de sintaxe da Língua Portuguesa. Basta escrever digníssimas ideias e esperar que o Word se encarregue de ajustar o resto.

Para se escrever bem, além de boas ideias, é essencial ter um ótimo domínio da língua. Apenas redigir orações aleatórias, sem a preocupação de que elas estejam compreensíveis e concatenadas, não faz de ninguém um bom redator.

Pior ainda, demonstra falta de respeito com o leitor.

Pablo Neruda, no intuito de popularizar o ato de registrar palavras, afirmava que escrever era uma tarefa muito simples: bastava começar com uma letra maiúscula e terminar com um ponto final. No meio, colocavam-se as ideias. Apesar da simplificação, o processo não é tão fácil quanto parece. Exige-se um trabalho árduo e insistente, incompatível com a velocidade com que as situações acontecem e precisam ser realizadas.

Como professora de uma conceituada escola particular na minha cidade (Recife), já vi estudantes do ensino médio, prestes a cursar uma faculdade, escrevendo absurdos como ?auguns?, ?intereçante?, ?deichei?, ?incontro?.

São palavras tão usadas no cotidiano e, no entanto, ainda tão desconhecidas por esses velhos novos usuários do irresistível computador. Sem contar nos textos nos quais se leva muito a sério a máxima de Neruda e, afora o ponto final, não existe outra pontuação. Torna-se, muitas vezes, impossível compreender aquele amontoado de palavras.

O uso do dicionário também tem se tornado uma prática jurássica. Mesmo que autores e editoras tentem superar os obstáculos virtuais, com o lançamento de dicionários online e em CD, a facilidade do corretor-padrão do Word é recorrente. E assim a pesquisa vira um processo banal e chato, nos levando a perder a oportunidade de enriquecer nosso vocabulário.

Nessas redações pós-Word e internet, há quem apele ainda para emoticons e expressões peculiares do mundo virtual, mesmo em textos formais. São as famosas carinhas ?=)? ou ?hehehes?.  Sem contar nas abreviações ?mtas? e ?p/?. Entre tantas outras.

Por mais absurdo que esta prerrogativa possa parecer, conheço pessoas que acreditam que a língua portuguesa em sua forma culta só é usada, hoje em dia, em provas de concursos públicos ou de vestibulares. E que, no dia-a-dia, haverá sempre uma ferramenta online ou um processador de textos capaz de ajudar qualquer pessoa a escrever uma boa redação.

É claro que também de nada adianta um texto gramaticalmente correto sem nada a ser dito. E não é essa problemática que se põe em questão aqui. Muito pelo contrário. Ao se navegar pela internet, é fácil encontrar pessoas com bastante criatividade e ideias brilhantes para registrar, mas que muitas vezes têm dificuldade ou até mesmo receio em divulgá-las nos meios tradicionais.

Que o uso excessivo do computador na elaboração de textos, aliada à falta de prática e de uma sistematização de leitura adequada, têm afetado o bom Português, já não é novidade para ninguém. Precisamos, agora, encontrar meios de otimizar as ferramentas do computador em prol de uma maior assimilação das regras do idioma. De modo a poder unir a difusão de conhecimentos com a prática excelente da escrita. Sem apelar para as maneiras fáceis e falsas de obter um bom texto. [Webinsider]

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Avatar de Rosália Vasconselos

<strong>Rosália Vasconselos</strong> (rosalia.vasconselos@gmail.com) é jornalista.

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16 respostas

  1. Excelente seu texto, professora. Infelizmente existe hoje um relativismo ortográfico, a idéia de que o importante é se fazer entender. Que morra a gramática – esse instrumento das elites dominantes. A tolenrância com erros crassos de português não se restringe à internet, está na tv, no rádio, no congresso. Espero que muitas pessoas leiam esse seu artigo.

  2. Primoroso o seu texto. Gostei tanto, que tomei a liberdade de enviar a página às pessoas que estão em minha lista de email.
    As agressões à lingua, notadamente na internet, vide blogs e manchetes de provedores de conteudo são tantas, que por vezes me pego em dúvida sobre o que está certo ou errado em termos gramaticais.
    Recentemente um conhecido portal, que se gaba de ser o maior e gastar uma fábula de dinheiro em propaganda até em televisão, cometeu um verdadeiro assassinato gramatical. O erro era tão grosseiro, que não me contive e reclamei ao ouvidor do portal. Sabe a resposta? Em linguaguem jornalística, ,muita coisa era permitida.
    Deixei pra lá, pois sei que incompetência é um mal contagioso.

  3. Uma vez, quando ainda estava na faculdade, fiquei surpresa em receber um elogio de um cliente só porque eu corrigi o texto que tinha me dado para um folder. Com o tempo, fui percebendo que o que eu pensava que era básico, hoje, infelizmente, é de fato algo cada vez mais raro: saber ler e escrever.

    Certamente quando Neruda falou que escrever era uma tarefa simples, ele pressupunha que ao menos as pessoas soubessem as regras mais elementares da palavra escrita. Agora, numa sociedade de analfabetos funcionais, em que as pessoas se formam em um curso superior sem conseguir entender uma sentença com mais de dez palavras, fica difícil… 🙁

    Não acho que as novas tecnologias vieram para depreciar a língua – confesso que adoro consultar dicionários on-line. O problema, realmente, é quando o Word sabe mais do que a pessoa que está escrevendo.

    Parabéns pelo texto, Rosália.

  4. Por isso eu uso o BR Office, com todas as correções em nossa língua, com corretor gramatical e ortográfico pela nova regra do acordo Brasil Portugal. E o Firefox, que tem o mesmo corretor incorporado!

    Viva o Software Livre!!! Abaixo Micro$oft e seus programas meia-boca .

  5. Adorei seu texto, Rosália!

    Acredito que a ferramenta de correção do word possa ajudar muita gente, mas sem comodismo! Acho que a pessoa que adquire o hábito de utilizar a ferramenta frequentemente pode cair no comodismo e escrever errado sempre, sem nem se preocupar em aprender mais, ler mais, pesquisar mais, etc.

    A tecnologia tem disso. Hoje os jovens estão tão ocupados com os msns e os orkuts da vida que nem se preocupam mais com a escrita correta.

  6. Todos os dias me deparo com pessoas que sacrificam o bom português. Quando comento, perplexo, o que leio, recebo de imediato críticas do tipo: ah, mas o cara tem dinheiro ou ué, mas você não entendeu o que ele disse?. É como se houvesse sempre alguma justificativa para as besteiras que somos obrigados a ler. Se insistimos que todo mundo tem obrigação de saber escrever, com gramática, concordância, começo, meio e fim, somos tachados de arrogantes ou de insensíveis, face às dificuldades que todos tem para conquistar uma boa educação. Não consigo abstrair, como faz o Bruno Donadio… é frustrante.

    O Rodrigo Lopes questiona aí em cima o que é certo ou errado na linguagem. Pergunta cabível se voltarmos umas linhas até encontrar …que, em alguns casos especias, não vale a pena estar dentro das regras.. Para brincar com a linguagem é preciso saber a forma correta de utilizá-la. Isso separa um gênio literário de um analfabeto.

    O fato é que os trogloditas que são feras em miguxês e idiomas similares parecem se multiplicar fora de controle e se orgulham da forma brilhante com que se comunicam. É, quem sabe conjugar um verbo é antigo, fora de moda. Puxa… e pensar que no meu tempo fazíamos ditado!

    Qual será o futuro desta molecada?

    Presidência? É de se pensar…

  7. A pergunta do Luciano Lima é interessante. De fato, acredito que algumas empresas aboliram esta atividade. Basta passa uns cinco minutinhos navegando pelo Globo Online, por exemplo. Alguns textos apresentam erros primários e concordâncias sofríveis.

    Excelente texto!

  8. Escrever bem é mais que simplesmente conhecer a gramática, mas saber organizar as palavras e frases de forma direta e agradável ao leitor.

    Porém, como redator e roteirista, já ficaria satisfeito se algumas pessoas utilizassem mais o Word.

    Assim, não encontraríamos erros grosseiros como encima, concerteza e muitos outros por aí.

    O resto a gente abstrai!

    Não deixe de conhecer meus trabalhos. Acesse: http://www.brunodonadio.com.br

  9. Rosália, o que você acha da ausência dos antigos copydesk? Hoje alguém tem corrigir o primeiro texto, não? O bom mesmo é estar sempre de amor com a gramática, ortografia, etc. Sempre lendo e estudando. Seu texto está ótimo.

  10. Olá Rosália, boa noite.

    Sobre o seu texto, o tema em si já me despertou bons momentos de reflexão, principalmente quando percebi o caminho trilhado pelo ensino no Brasil: a absoluta falência.

    Dói muito conversar com crianças, adolescentes ou adultos que sequer folhearam um dicionário, ou ainda, interessaram-se por questões gramaticais ou literárias no nosso idioma, viciados em questões fúteis/banais e sem repercussão prática no seu futuro como cidadão.

    Nesse ritmo, não há falar em um país desenvolvido e consciente quando não sobrepujamos a importância de um povo dotado de instrução, aprendizado, cultura e responsabilidade social.

  11. Será que Guimarães Rosa teria conseguido escrever Grande Sertão Veredas no Word? Será que Adoniram Barbosa teria escrito suas letras no Word?

    Brincadeira. Eu sei que eles escreviam errado, ou fora das regras, de propósito.

    Um dia a gente sempre acaba descobrindo que, em alguns casos especias, não vale a pena estar dentro das regras.

    E, muito tempo depois, outros acabam descobrindo que suas regras estavam erradas. Neste caso, sempre tarde demais.

    Aliás, vocês já ouviram falar da revolta causada em Portugal por causa da reforma ortográfica?

    E, já ouviram, alguma vez o CD onde o Jô Soares declama as poesias de Fernando Pessoas com sotaque e pronuncia usadas em Portugal.

    Se não ouviram, tenho uma novidade para vocês: Toda a sua vida você ouviu as poesias de Pessoa com a voz errada, não era daquela forma que ele falava. Qual é a forma correta então?

    Mas, afinal de contas, o que é totalmente certo ou totalmente errado na linguagem?

    Vai saber…

    Incorruptível mesmo só é o silêncio.

  12. Poxa, Rosália, você conheci auguns ômes qui iscreve tão ruin assin?

    Brincadeira, adorei seu texto, Rosália. Isso mesmo, há muitas pessoas que ainda estão ralando para escrever o primeiro livro de crônicas. A começar por mim! Porém, existem também os antas que vivem a desrespeitar o nosso lindo vernáculo.

    Sim, já estava esquecendo! Seu sobrenome é Vasconselos mesmo ou é erro ortográfico?

    Boa noite e bom são João!

  13. Rosália, gostei de seu texto. E concordo que o nosso idioma é difícil. Mas o Word tem me ajudado a corrigir a ortografia, erros comuns em inversões de letras, ou desconhecimento mesmo da formação da palavra. Quanto à gramática, o Word tenta me lembrar algumas regras, e isso também é bem vindo. Claro que tenho muito o que aprender!

    Fui datilógrafo desde os 8 anos (já passei dos 45 anos), e uso o teclado olhando para o monitor enquanto escrevo (digito) o texto. Fico maravilhado em formatar as margens, porque sofri muito em datilografar várias vezes o mesmo texto.

    Você me despertou para um fato importante. Agora vou redigir os meus textos olhando a gramática e ortografia, além de semântica e outras pérolas do idioma.

    Muito obrigado pelas dicas!

    Abraços nordestinos.

    Lúcio

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