Ainda adolescente eu assisti, inicialmente sem muito interesse, ao filme do diretor Richard Brooks “The Happy Ending” (no Brasil, “Tempo para amar, tempo para esquecer”), lançado em 1970, com música de Michel Legrand.
Tem filmes que a gente assiste no passado distante, às vezes não sobra lembrança alguma ou quase nenhuma. Deste filme, só me ficou na memória a excelente trilha de Michel Legrand, composta na sua fase hollywoodiana. Depois de assistir o filme o elepê saiu nas lojas e eu comprei uma cópia que mantive até depois de abandonar o formato, porque esta foi uma daquelas gravações que nunca havia visto a luz do dia em CD.
Por causa disso, eu remasterizei o elepê, dei uma limpada no ruído do vinil, aquele ruído de massa que mais parecia uma onda quebrando na praia, usando para isso um software adequado. Recentemente, foi editada a trilha sonora completa em CD, que eu adquiri rapidamente.
Happy Ending critica o casamento
No CD aparece um bocado de música incidental da trilha, mas é claro que sendo fã do conteúdo do antigo elepê, eu extrai as faixas e passei para um CD-R separado. As capas dessas edições são mostradas abaixo, elepê e CD, da esquerda para a direita:
Ao final da década de 1960, a contracultura já havia tomado conta da vida americana. O movimento hippie, iniciado ao longo da década, se tornou uma espécie de subcultura contestatória dos valores de convivência previamente estabelecidos, pregando, entre outras coisas, o amor livre e descompromissado de uma união formal.
Acontece que “The Happy Ending”, talvez não por mera coincidência, é um ataque frontal à instituição do casamento!
O filme
A estória gira em torno da entediada dona de casa suburbana Mary Wilson, muito bem protagonizada pela excelente atriz Jean Simmons, indicada ao Oscar pelo filme.
Logo no início se percebe que Mary tem a sua vida vigiada pelo marido, mas somente no desenrolar do enredo se descobre por que. O roteiro é escrito na forma de flashbacks, durante a escapada de Mary para Nassau, tentando se encontrar a si própria.
Uma série de críticas à vida dos casais é demonstrada ao decorrer do filme, coisas como superficialidade, uniões interesseiras, ausência de amor ou romance, vida social vazia, e aspectos paralelos, tais como vaidade com o físico, recusa de envelhecimento, traição, etc.
Mary se auto destruiu como usuária de medicamentos, alcoólatra e suicida. O seu casamento se tornara uma farsa. Ela se queixa com o marido que os dois fazem amor mas não se amam, ou seja, o sexo se tornou parte da rotina de uma vida insuportável.
A crítica
Até hoje, pode se ler críticos de cinema destruindo a obra de Richard Brooks, chamando-a de idiota ou medíocre. Alguns acusam o consagrado diretor da M-G-M de fazer do filme uma espécie de autocrítica biográfica, porque na vida real Brooks se casara com Simmons e o casamento dos dois andava à beira do divórcio.
Algumas dessas críticas reclamam da superficialidade do roteiro ou da falta de explicações convincentes sobre a derrocada do casamento de Mary, mas sinceramente, isso a meu ver evidencia uma tremenda falta de sensibilidade de quem assiste o filme profissionalmente.
Happy Ending pode não ser, e de fato não é, uma obra-prima, mas em contrapartida, o filme se afasta com dignidade dos melodramas do gênero, e dá abertura aos paradigmas da contracultura que enxergava nos casamentos uma instituição decadente.
No tocante à trilha sonora, nenhuma crítica negativa foi feita. Também pudera: este talvez tenha sido o melhor trabalho em temas musicais feitos por Michel Legrand, desde o tema principal (“What are you doing the rest of your life”), até os trechos com música incidental do filme.
A edição em Blu-Ray
Este é o tipo do lançamento que dificilmente vai se ver nas prateleiras locais. Na realidade, o filme da United Artists (depois M-G-M) foi lançado pelo selo independente da Screen Archives chamado Twilight Time, e limitado a 3 mil cópias, com peço elevado.
Eu encomendei uma, quando o site fez uma oferta, mas perdi as esperanças de vê-la nas minhas mãos. Embora rastreável pelo correio americano, a minha cópia foi parar em Guarulhos e de lá não saiu até recentemente. O correio brasileiro não honra rastreamento econômico fora do país, e é bom saber disso antecipadamente, que não foi o meu caso.
O disco vem com a trilha sonora isolada, mas no mesmo áudio mono do filme. Era moda naquela época lançar filmes Panavision com trilha sonora mono. A imagem do disco é razoável, e não tem artefatos que possam distrair a quem assiste.
Como eu não via este filme desde a época do lançamento nos cinemas, a edição em mídia de alta definição para mim foi muito bem-vinda.
Mas eu vou ser sincero com o leitor e declarar que o esforço na importação não compensa. Infelizmente o livre comércio entre países americanos só existe no discurso. Aqui a gente fica feliz quando recebe uma encomenda sem passar pelas garras afiadas da alfândega, que cobra uma fortuna em taxas pelo total da despesa.
Na hora da compra, o site da Screen Archive faz um alerta sobre o sumiço em trânsito de discos no Brasil, e recomenda fazer um pedido com seguro, na faixa de uns 45 dólares, e isso, é claro, torna o disco insuportavelmente caro. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
2 respostas
Não queria fugir do tema principal do teu (ótimo) artigo, que é o filme em si e os aspectos da contracultura presentes nele, mas não resisto à comentar sobre o lixo de serviço oferecido pelos correios. Quando eu era criança, lá se vão 25 ou 30 anos, os Correios eram símbolo de empresa confiável. Se existia uma instituição na qual você podia confiar de olhos fechados era o Correio. Sucessivos governos de diferentes matizes, não sei se por inépcia administrativa ou por cretinice pura e simples, foram sucateando a empresa e consequentemente deteriorando o serviço até chegar ao nível lamentável que ele tem hoje. A facilidade de importações via internet advinda nos últimos 10 ou 12 anos, aliada a um câmbio menos ruim do que se via antes, impulsionou as importações, e o aumento de importações escancarou a ruindade do serviço e mesmo a desonestidade de alguns. Sou veterano de mais de 200 compras internacionais via internet, basicamente livros, CDs, filmes em DVD e BD e material esportivo (acessórios para prática de tênis de mesa). Acabei desistindo depois de algum tempo, porque além da cobrança de imposto absurda, é preciso conviver com sumiço de produtos, o que considero símbolo de um país em que quase tudo está errado. Entendo que os Correios lidam com uma logística complexa, com milhares de correspondências e pacotes diariamente cruzando um país da dimensão do Brasil, mas isso deveria na pior das hipóteses ocasionar um pequeno atraso. Um pacote que tem nome e endereço do destinatário só some porque é subtraído por algum patife que deveria estar preso, outra razão não há. entre os colecionadores de filmes em comunidades das quais eu fazia parte em fóruns e no extinto Orkut, havia um pânico generalizado em relação ao tal CTE Benfica no Rio de Janeiro. Já era sabido que se o seu pacote internacional por alguma razão passasse por lá, adeus, era quase certeza que você não receberia a encomenda, que por certo iria parar nas mãos de algum cretino ladrão funcionário dos Correios. Isso me aconteceu uma dezena de vezes, e não adianta reclamar pois a empresa lava as mãos, diz que não há o que fazer, e basicamente, azar é seu. Desculpe o desabafo meio off, mas não resisti…
Fabio, não há porque se desculpar. Aliás, eu concordo ipsis litteris com o que você escreveu. E vou mais além: lá na Cidade Universitária eu ouvi de uma funcionária deles que ela havia visto roubo de correspondência lá dentro várias vezes, mas ninguém podia dizer nada com medo de represália. Uma certa um colega enviou um material de pesquisa via sedex, que se extraviou e deu o maior rolo. E é nessas horas que se nota que o usuário fica perdido, por falta de apoio, lamentável.