O tema Judy Garland volta às telas, focado na fase final da vida da grande atriz, cantora e bailarina e pulando seu período de glória. Veja e ouça Judy cantando Insensatez, de Tom e Vinícius.
Saiu por esses dias o anúncio da exibição do filme “Judy”, com Renée Zelwegger, realizado pelo inglês Rupert Goold, e baseado nos últimos momentos da atriz Judy Garland, uma das maiores estrelas da M-G-M, na sua fase decadente e sem condições financeiras para o seu sustento.
Eu estava a dois passos de sair de casa e ir ao cinema, mas, desconfiado, resolvi antes ler a sinopse e as opiniões sobre o filme. Depois disso, botei os dois pés para trás e desisti de sair de casa.
E antes que me acusem de preconceituoso, logo no trailer o filme pula da chegada ao set da atriz em O Mágico de Oz direto para Londres, ou seja, omitindo o resto do histórico da artista.
O principal problema é que o assunto Judy Garland já foi exaustivamente ventilado no filme de TV “A Vida Com Judy Garland: Eu E Minhas Sombras”, estrelado pela excelente atriz Australiana Judy Davis.
O filme de TV, com longa duração, no total de 2 horas e 50 minutos, mas dividido em 2 partes, foi escrito com base no livro de Lorna Luft, filha da atriz, com o título “Me and My Shadows: A Family Memoir”, publicado em 1998.
https://youtu.be/2Reby0TOrjY
Embora se possa dar um desconto para o fato de que Lorna relata o que ouviu da mãe, e não se baseando em pesquisa sobre a vida de Judy Garland, o filme envereda a fundo nas atribulações da vida profissional e pessoal da artista, algumas até já conhecidas anteriormente.
A vida tumultuada de uma das maiores artistas da M-G-M
Quem se lembra de Judy Garland se lembrará automaticamente de “O Mágico de Oz”, produção que a lançou ao estrelato absoluto. O que tornou Judy uma artista fora de série foi o fato de ela ser completa como atriz, cantora e dançarina, um talento inato, que ela com o tempo aperfeiçoou na sua carreira.
Infelizmente, Judy Garland chega à M-G-M carregando um turbilhão de problemas domésticos, provocado por uma mãe que a empurrou para a carreira de cantora e depois de atriz, sem que ela estivesse preparada para tal. Judy não acreditava ser bonita ou carismática o suficiente para ser considerada uma “estrela de cinema”. E o pai, que lhe daria apoio moral, faleceu quando ela era ainda muito jovem.
Um dos seus maiores déspotas foi justamente o infame Louis B. Mayer, manda-chuva da M-G-M, que não a queria inicialmente por ser dentuça e com um nariz inadequado. Por causa disso, o estúdio a forçou a usar dentes postiços e modelador de nariz. Mas, foi graças à persistência do músico, arranjador e compositor Roger Edens, que lhe deu total apoio por um longo tempo! Posteriormente, fora Kay Thompson, figura importante no treinamento vocal das cantoras da Metro, quem acompanhou Garland na maior parte da sua carreira.
O estresse provocado pelo trabalho no estúdio lhe rendeu aconselhamento, não só a ela como a Mickey Rooney, seu par em vários filmes, de se medicar com drogas que aumentavam a capacidade de trabalho e outras que a faziam dormir, na forma de anfetaminas e barbituratos, respectivamente.
Uma das maiores estrelas da M-G-M, que a demitiu
A produção incessante de filmes da M-G-M foi carrasca na vida de Judy, tornando-a dependente de medicação para trabalhar e para vencer a baixa de autoestima e a insegurança decorrente.
Em junho de 1969, Judy foi encontrada morta pelo seu namorado da época, potencialmente vítima das drogas às quais ela se tornara dependente. Mas, Judy havia sido diagnosticada como portadora de cirrose hepática, resultado do consumo simultâneo das medicações e do álcool.
Para quem não sabe, esclareço que o organismo humano detoxica o álcool através de duas maneiras: a primeira, com uma enzima chamada de Álcool Desidrogenase (ADH), limitada em sua atuação, e a segunda, através do chamado Sistema Microssomal de Oxidação do Etanol (em inglês, MEOS), o qual, com o aumento de ingestão da substância tem a sua formação induzida pela célula hepática.
O grande problema é que o mesmo Sistema é usado pelo tecido hepático para biotransformar drogas ingeridas, e a partir da ingestão com o álcool, ele se torna saturado, deixando drogas e álcool em maior concentração livre no plasma. Dependendo da droga a ser detoxicada, este aumento potencializa a ação simultânea do álcool, causando, entre outros efeitos, depressão cerebral, com consequências desastrosas.
É, por causa disso, seguro especular que Judy Garland tenha morrido de insuficiência hepática, agravada pela ingestão de drogas com ação cerebral.
Seja como for, o estado geral mental da artista aparentemente não era dos melhores. Existem na vida dela relatos de como uma grande estrela do cinema consegue sofrer, ser usada, abusada e depois de envelhecida e/ou doente, jogada fora impiedosamente.
E Judy Garland foi de fato uma das maiores estrelas da M-G-M, e rendeu ao estúdio fortunas na bilheteria e prestígio popular.
Se alguém duvida do talento de Judy Garland, eu compartilho o vídeo publicado no YouTube por um colecionador, com ela cantando o linda tema de Tom e Vinícius “Insensatez”. Embora o vídeo tape esteja com má qualidade, dá para ouvir a sensibilidade de Judy na interpretação da música. A apresentação se deu um ano antes de sua morte.
Hollywood estragou a vida de muita gente
No filme “Ed Wood”, de Tim Burton, mostra-se a destruição de Bela Lugosi pelo studio system, e a tentativa do resgate da sua memória pelo extravagante cineasta.
Judy Garland foi mais uma, dentre as inúmeras vítimas desse sistema. Louis B. Mayer, considerado o executivo de maior salário em La-La-Land, se mostrava como uma figura paternal, porém extremamente tirânico quando contrariado. O estúdio controlava tudo, incluindo a vida pessoal dos seus artistas.
Ficou na história o soco que o ator John Gilbert desferiu em Louis B. Mayer, quando este se referiu a Greta Garbo com palavras desonrosas. Historiadores acreditam que Mayer detestava Gilbert e lhe dava péssimos roteiros.
A M-G-M, apesar de ser um grande estúdio e de Mayer o realizador da grandeza das produções, também foi o berço da derrocada de grandes artistas, os quais, se não dessem mais bilheteria, eram descartados sem dó nem piedade.
Judy Garland foi violentamente demitida da M-G-M, como se ela nunca tivesse dado fama ao estúdio em retribuição pelo seu esforço de trabalho. Voltou-se para a televisão e para o teatro, onde foi muito bem recebida na maioria das vezes. O que ela passou na M-G-M, aparentemente foi um trauma que a perseguiu para o resto de sua vida.
Reapresentar este drama agora, com a participação de Renée Zelwegger tentando ser Judy nas telas, é um despropósito. Eu sou ultra suspeito para falar disso, porque Renée é um tipo de artista que definitivamente não me agrada, mas eu não ficaria surpreso se ela ganhasse um Oscar por este papel, tal a culpa que Hollywood tem na decomposição de muitos dos seus melhores artistas! Outrolado_
. . .
Dalton Trumbo e a luta contra a intolerância sobre um indivíduo
A minha primeira experiência em uma sala de cinema com Dolby Atmos
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.