Fantasound de Walt Disney e o estéreo no cinema

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Walt Disney foi um visionário do entretenimento no cinema: no final da década de 1930, ele e seus técnicos e artistas criaram o Fantasound, o primeiro som multicanal nas salas de exibição, estabelecendo uma série de novos conceitos técnicos que estão aí até hoje.

As pesquisas americanas com som estéreo tiveram um impulso muito grande na década de 1930 e, alguns anos após a primeira demonstração prática, em 1933, através de linhas telefônicas, Walt Disney e Leopold Stokowski se reuniram para idealizar o mesmo projeto, mas dentro das salas de cinema.

De 1938 até 1940, William E. Garity e J. N. A. Hawkins lideraram uma enorme equipe de técnicos, artistas e engenheiros, assistidos pelos cientistas da Bell e da RCA, criando o Fantasound.

Neste processo, os desafios de gravação de alta qualidade em formato de banda ótica em filme 35 mm foram paulatinamente vencidos. A banda ótica era (e na realidade foi, até finais da década de 1970) muito limitada em termos de relação sinal/ruído e resposta de freqüência, só para falar dos dois principais aniquiladores da qualidade necessária para gravar e reproduzir música clássica em qualquer sistema.

Para criar a gravação original, linhas telefônicas dedicadas (linhas classe A), com resposta de freqüência possível até 15 KHz, levaram o sinal dos microfones para até oito consoles de gravação, que seria feito em filme 35 mm, num equipamento chamado de “optical printer”, com capacidade para até 4 canais cada um.

Depois da gravação feita, o som seria mixado por mesas especiais, e no processo final de pós-produção, para a passagem do som para a cópia de cinema, o número de canais seria reduzido para 3 canais contendo o programa de áudio e mais um canal de controle.

A cópia ótica com o sinal final seria reproduzida em perfeita sincronização com o projetor principal, num projetor especial ao lado, dotado de lâmpada excitadora e sistema ótico para 4 células fotoelétricas em paralelo.

O som final de Fantasia no cinema consistia de 3 canais na tela, dois canais nas laterais e um canal surround. Como fazer a derivação de três para seis canais, e como melhorar a qualidade do som ótico, foi o trabalho que resultou no sistema Fantasound.

O segredo principal estava no canal de controle, correspondente ao nono canal na gravação e ao quarto canal na reprodução. Foi neste último que os principais problemas seriam resolvidos. Para melhorar a relação sinal/ruído, os engenheiros gravaram a parte mais alta da partitura orquestral próxima do nível de saturação do sinal (sinal de pico), e as partes mais baixas um pouco acima do nível de ruído do sistema.

Para restabelecer a faixa dinâmica correta (diferença entre os sons altos e baixos) da gravação, o canal de controle usaria tons que fariam os ajustes de volume, pela diferença de ganho dos amplificadores. Os tons eram enviados a um módulo chamado de Togad (Tone operated gain-adjusted device), que fazia todos os ajustes automaticamente.

Este mesmo canal de controle também determinaria a mudança de reprodução de canais dispersos no cinema. No caso, os sinais dos canais fora da tela eram derivados dos canais esquerdo e direito, num dado momento.

Fracasso no cinema, porém…

O filme Fantasia, entretanto, foi um fracasso de bilheteria. O Fantasound era difícil de ser instalado nas salas exibidoras e isso desanimou os proprietários de investir no seu alto custo. Na época, um número relativamente pequeno de salas conseguiria instalar o Fantasound, o que acabou por determinar o corte de projeção original, de duas horas, para pouco mais de 80 minutos, além da eliminação do som multicanal nas cópias subseqüentes distribuídas pela RKO em 1942.

Anfiteatro-de-mixagem-para-.jpg

A idéia poderia ter morrido ali, mas muito do trabalho de criação do Fantasound ainda teria influência no desenvolvimento de vários outros projetos, nas décadas seguintes e estes conceitos são usados até hoje.

O conceito do canal de controle, por exemplo, foi usado na criação do som Perspecta na década de 1950. O Perspecta usava o canal mono da banda ótica em 35 mm para fabricar um som estéreo, através de um tom de controle.

Em 1974, a Universal lançou o sistema Sensurround, com o filme Terremoto, e, no caso, o som das vibrações durante certas cenas era dirigido às caixas acústicas de baixa freqüência, de acordo com os mesmos tipos de tons de controle, contidos na trilha sonora.

Ainda na década de 1970, o som quadrafônico dos LPs derivava surround, através de informações contidas em dois canais, fora da faixa auditiva, e este mesmo princípio, chamado de matricial, foi ainda usado na criação do Dolby Stereo, onde dois canais iriam derivar os quatro canais das salas de cinema.

O canal de controle do Fantasound também inspirou o chamado “timecode”, que são sinais de sincronismo usados na gravação e na reprodução das trilhas sonoras. O exemplo moderno do timecode é o DTS, cujo áudio é gravado em CD-ROM, e sincronizado com o filme através de timecode gravado oticamente na borda do fotograma.

Mais impressionante ainda foi a influência do conceito da não interrupção da exibição, por falha do equipamento, previsto na construção do Fantasound. Os engenheiros de Walt Disney gravaram o programa com a trilha sonora em banda ótica mixada em mono, na cópia do filme a ser exibido.

film-phonograph.jpg

Se o Fantasound desse problema, o operador poderia ele mesmo passar a reprodução do áudio para a cópia mono contida no filme. No som digital de cinema, Dolby, DTS e SDDS, a cópia em 35mm tem gravado um sinal Dolby Stereo ótico, com a mesma finalidade.

Esquecido no tempo, mas felizmente preservado em fotografia e áudio, Fantasia ganharia novas versões em anos recentes. Em 1956, com a conversão da banda ótica para magnética, preservando as gravações óticas já em franca decomposição, por causa da base de nitrato do filme 35 mm da época.

Depois, em 1982, o filme foi relançado com gravação digital, conduzida pelo veterano maestro Irwin Kostal, mas esta nova versão, que nos cinemas foi mostrada em Dolby Stereo de 4 canais, não agradou aos fãs.

Em 1990, as gravações magnéticas de 1956 foram usadas pelo pesquisador e engenheiro de áudio do estúdio, Terry Porter, para recuperar o som original de Fantasia, em gravador magnético de 70 mm em 6 canais, e deste trabalho, versões em áudio digital foram feitas.

Nesta época, os estúdios Disney lançaram a primeira versão em home video (VHS e laserdisc) contendo a nova mixagem e o som restaurado de Fantasia, com pequenas alterações.

A versão definitiva e melhor recuperada foi finalmente lançada no DVD com a comemoração dos 60 anos de lançamento do filme, e coincidindo com o lançamento simultâneo de Fantasia 2000 nos cinemas, em som digital.

Fantasia era um projeto onde Disney tinha previsto a sua renovação de repertório em anos subseqüentes, mas isso nunca de fato aconteceu.

O som estereofônico acabou por voltar às salas de cinema, com o CinemaScope, com os mesmos 3 canais na tela, previstos pelos inventores do Fantasound, e teria morrido novamente, se não fosse a iniciativa dos laboratórios Dolby em modificar o claudicante som ótico mono, para o som Dolby Stereo.

Hoje, vistos todos os avanços de reprodução de som das trilhas sonoras, nos cinemas e em casa, pode-se olhar para trás e perceber o formidável trabalho inovador que resultou de uma visão do seu proponente. Por tudo isso, pode-se afirmar, com segurança, que Walt Disney foi o pai do som estéreo multicanal surround, usado até hoje nos cinemas, uns 60 anos antes de ele se tornar popular. [Webinsider]

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O artigo integral original, com mais detalhes e ilustrações, está na página do autor.

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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3 respostas

  1. Oi, Terezinha!

    A filmografia dos estúdios Disney está bastante publicada na Internet, mas você vai ter que garimpar um pouco, para achar o que quer. Eis alguns sites, com informações a este respeito:

    http://www.bcdb.com/cartoons/Walt_Disney_Studios/Feature_Films/

    http://www.fandango.com/waltdisney/filmography/p87871

    http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Disney_feature_films

    E a lista é mais completa no banco de dados do IMDb:

    http://www.imdb.com/name/nm0000370/filmotype

    Se você quiser, descreva os enredos, e quem sabe eu ou algum outro leitor possa lhe dar uma mãzinha?

    Outra opção é procurar a Buena Vista, que representa os estúdios no Brasil e pedir uma ajuda. Eu já tive um bom contato por lá, mas já faz tempos que as portas se fecharam e eu não saberia nem mais lhe dizer quem está nas relações públicas da BV. Mas, os escritórios ficam em São Paulo, e é bem possível que haja gente por lá disposta a lhe atender. De resto, boa sorte!

  2. Estou procurando dois filmes que já assisti há muito tempo. Todos dois infanto juvenis – aventura. Ocorreu-me, por isso, ser da Disnsy Productions. Mas não sei nome, nada que possa ajudar a localizar. Só conheço os enredos. É possível conseguir alguma lista de filmes com sinopses (da Disnwy)? Obrigada pela atenção.

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