O homem cordial e o desprendimento brasileiro

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Albert Einstein, alemão, precisou de poucas linhas para formular a teoria da relatividade restrita, onde aproximou ainda mais o místico do racional ao dizer que energia podia se transformar em matéria e vice–versa. Desenvolveu seu raciocínio a partir das idéias de Maxwell e de muita criatividade matemática. Para seu profundo desgosto, 40 anos mais tarde as cidades de Nagasaki e Hiroshima provavam que ele tinha razão.

Sérgio Buarque de Holanda, brasileiro, conhecido por muitos desavisados apenas por ser o pai do Chico. Formulou e escreveu o clássico Raízes do Brasil, no qual analisa como as relações entre índios, escravos e portugueses nestas terras do sul acabaram por gerar um povo particular, especial, que pode ser entendido através da imagem do homem cordial.

O homem cordial, como o próprio Sérgio Buarque explica, não é o homem gentil. Não. Para capturar o significado da expressão, é preciso buscar a etimologia latina do vocábulo cordial: cor, cordis. Coração. O homem cordial é aquele que age movido pelos instintos do coração. Homem visceral, a quem prefirir.

O homem cordial, o brasileiro, é aquele que não suporta formalidades. Aquele que quer estreitar distâncias a todo custo. Aquele que prioriza o afetivo, as relações pessoais. Aquele que aceita ser amado ou odiado, mas nunca esquecido. Falem mal, mas falem de mim, já diz o ditado. O homem cordial, segundo Roberto Pompeu de Toledo em artigo durante a última copa do mundo, é o Felipão. Paizão ou arquiinimigo, mas nunca frio ou indiferente. Romário é o melhor jogador? Que importa? O homem cordial não olha os fatos, mas os sentimentos.

Ao contrário da teoria de Einstein, não há provas da adequabilidade das idéias de Sérgio Buarque. Ciências sociais não são matemática e é mais difícil (embora não impossível) pôr um “como queremos demonstrar” ao final de uma página de equações e se dar por satisfeito. Entretanto, apesar da falta de provas explosivas, diversas novas teorias e análises foram feitas, com sucesso, sobre o nosso povo, usando como base o homem cordial. A mais nova evidência da genialidade (e correção) das idéias do sociólogo está aí, ao alcance de todos: o Orkut.

O Orkut, se é que alguém nunca ouviu falar, é basicamente uma versão moderna das antigas listas de discussão. Inclui, entretanto, uma série de novidades, como a existência de perfis para cada usuário e a possibilidade de se formar uma rede de contatos. Como se não bastasse, podem–se classificar os contatos (os seus amigos, na linguagem do Orkut) dando–lhes pontos segundo a sua sensualidade (sexy), confiabilidade (trust) ou “interesse” (cool).

Os coraçõezinhos, cubinhos e sorrisos do Orkut (símbolos da sensualidade, interesse e confiabilidade) são a transformação de energia em matéria. A conversão de um sentimento abstrato em realidade, física, mesurável.

Pois bem, nessa comunidade onde as leis da física são postas em prática, os brasileiros são agora maioria: 34% dos usuários. Os Estados Unidos, segundo colocado, têm 28%. A partir do terceiro posto as porcentagens caem para abaixo de 5%.

Surpreendente? A internet tem pipocado de explicações para este domínio (crescente) dos brasileiros. É realmente extraordinário, sobretudo ao considerar–se as condições econômicas do nosso país (qual a porcentagem da população que tem acesso à internet?). Pois aqui vai mais uma tentativa de resposta: o homem cordial.

O homem cordial quer ser amado. Quer ser sexy, trustable e cool e, sobretudo, ter milhões de amigos. O homem cordial recebe o convite para entrar no Orkut e no mesmo dia o repassa para toda sua lista de e–mails, que inclui o chefe, a ex–namorada e, se brincar, até a sogra.

Esse desprendimento do brasileiro está ligado à noção de “espaço individual”: os limites que impomos à divulgação da vida privada. Se este conceito já era algo vago no Brasil, com o advento do e–mail desapareceu quase que por completo. Gostamos de invadir a vida de estranhos (e mesmo de ser invadidos). Queremos ser “chegados” de todo mundo! Enviamos aquela animação em power point tanto para o nosso ente mais querido como para aquele cidadão que uma vez, por engano, nos enviou uma mensagem.

Por outro lado, na maioria das outras culturas ocidentais (sobretudo no hemisfério norte), é justamente o “espaço individual”, a vida privada, que dita as regras. Tudo que pode ser considerado uma invasão de privacidade é tabu. Morando em um país frio (Canadá, mas poderia ser a Alemanha), quantas vezes vi as pessoas darem mil voltas antes de se atreverem a perguntar algo “personalíssimo” como “você gosta de batata–frita”? Há o medo de ofender, o medo de invadir. E quem tem medo de ser incoveniente nunca vai enviar um convite de Orkut para alguém com quem não tenha intimidade.

E assim, ao decidir por um crescimento “orgânico” – ou seja – um crescimento baseado na entrada de usuários apenas através de convites, Orkut (que é o nome do engenheiro da Google responsável pelo projeto) acabou por vestir–se de verde amarelo, falar português e gostar de samba, futebol e cerveja. E aí está a razão da nossa maioria.

Respondido o mistério da invasão brasileira, quedam dezenas de outras perguntas, “isso é bom ou ruim?”, “o Orkut serve pra alguma coisa ou é pura perda de tempo?”, “a maioria brasileira poderá ter influência no futuro destas redes de amigos ou vamos apenas continuar a ser cordeirinhos nas mãos dos pastores do norte?”. Para responder isso tudo, uso meus genes brasileiros, dou um tapinha nas costas do Einstein e respondo, citando suas palavras¹: “tudo é relativo”. [Webinsider]

¹ esta frase, provavelmente a sabedoria Einsteniana mais popularizada, nunca saiu realmente da sua boca: ao contrário, uma das bases da teoria da relatividade é que as leis da física não são relativas ao observador inercial.

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<strong>Alysson M. Costa</strong> (alysson@gmail.com) é professor do ICMC/USP São Carlos e trabalha na área de otimização combinatória.

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24 respostas

  1. Gostei do texto pois mostra um motivo cultural para o gosto dos brasileiros por redes sociais e não apenas critica como li em outros artigos (e ao mesmo tempo colocam os estrangeiros no pedestal)

  2. Pingback: Mulher brasileira e preconceito (parte 2)Blogueiras Feministas | Blogueiras Feministas
  3. Pingback: Tweets that mention » O homem cordial e o desprendimento brasileiro Webinsider -- Topsy.com
  4. Eu vejo algo interessante nessa teoría. Pode se extrapolar a varios paises da América na sua definicao. O propio Darwin já notou alguns comportamentos dos povos mestizos da América.
    Mas eu nao concordo com o que diz respeito ao brasileiro. No Brasil as clases sociais sao muito marcantes. E as clases altas nao lhes importa um cara… o pobre. Eu vi como evitam os caras da rua, nunca dao nada pra eles e ainda criticam como se nao fosse culpa da sociedade toda, eles estarem ai. Tentam disimular seu alto preconceito falando sobre a conciencia negra. Que é tudo mentira. Os negros so trabalham nas universidades como empregados da limpeza ou na cozinha. Aqui dou racao sobre invasividade. O Orkut o usam como fofoqueira, por que é o povo mais fofoqueiro que existe no mundo. Por isso fazem sucesso programas como Big Brother (ainda em inglés e versao 10)e essas novelas que sao o mais didático que tem na tv, ja que mostram como vive uma pessoa na India ou na Arabia (como vivem os ricos, pobre so entra pra parte brava ou humor da novela).
    Em algo tem racao, e eu valoro muito. É o jeito que levam a vida pessoal por cima do trabalho pegando tudas as ferias que existem (dois por mes na media). Más precisam de ter a pessoa perto seu circulo pra lembra-la, se nao estiver de perto nao vai demorar em ser esquecida.

  5. Excelente, me ajudou muito a responder uma pergunta do Trabalho da faculdade Explique o que é o homem cordial você foi bem claro e dando explicações muito claras. Obrigada Alysson.

  6. vou precisar de sua ajuda sua forma de esplicar os fatos é muito eficas, qualquer duvida que eu tenha vou procuralo se puderes me atender quando nescessário agradeserei abraços.

  7. Valeu, Alysson. A junção que você fez de Einstein com Sérgio Buarque de Holanda foi muito interessante. Ajudou a compreender um pouco mais sobre o homem (e mulher) brasileiro. Obrigado!

  8. PARABEMS SEUS PONTOS DE VISTAS COM RELACAO AO BRASILEIRO E BEM CONSENSUAL COM OS DIAS DE HOJE POREM NUCA VEREMOS UMA SOCIEDADE ALTERNATIVA NESSE PAIS DE HOMES CORDIAS;

  9. Parabéns aí pelo texto. esbarrei com o termo homem cordial num blog e, sem saber do q se tratava, fui procurar. bom, a busca me trouxe aqui, onde tá arrumadinho em linguagem acessível.

  10. Parabéns, Alysson. Seu artigo é bastante claro e objetivo, bem como demonstra conhecimento sobre a matéria. Me ajudou muito em questionamentos em fórum de discussão na disciplina de Antropologia.

    Abço.

  11. Parabens, explicar cotidiano presente se utilizando de obras classicas de Historia e Sociologia, não é para todos querem fazer isto…. Você o fez com maestria…

  12. Gostei muito do seu artigo sobre o homem cordial, suas informaçoes acerca de explicar o conceito, é bem clara e facil de ser entendida, vai ser-me util quando eu fizer uma exposiçao sobre a vida desse grande historiador brasileiro.
    Parabens!

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