Usabilidade não nasceu ontem e tem história

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Usabilidade não é definitivamente um conceito novo (e, diga–se de passagem, a palavra já está um tanto gasta). Na verdade, os ergonomistas vêm martelando há cerca de 50 anos o que pode também ser chamado de amigabilidade, ou projetado ergonomicamente, ou design centrado no usuário, ou desenvolvimento de produto orientado para o consumidor.

A noção de que usabilidade se insere no campo mais amplo da ergonomia é defendida por gente de currículo, como Anamaria de Moraes, pesquisadora do CNPq e professora da PUC–Rio. Ela tem longa trajetória no ramo, diversos livros publicados e várias pesquisas em andamento. “As pessoas estão reduzindo este conceito e estreitando o seu significado”, aponta.

Segunda a professora, usabilidade vem da ergonomia e trata de desenvolver conhecimentos sobre as capacidades, limites e outras características do desempenho humano e que se relacionam com o projeto de interfaces, entre indivíduos e outros componentes do sistema.

“A ênfase do trabalho do ergonomista compreende um enfoque proativo para desenvolver soluções de design, assegurando ainda que a utilidade de produtos e a qualidade da interação se adequem aos requisitos do usuário e ao contexto em que o produto será usado“, já escreveu ela em 1998 (veja lista de livros abaixo).

É o projeto (de produto, software, ambiente etc.) centrado no usuário, de forma que ele seja fácil de usar. Isso desde que ergonomia (ou Human Factors) existe.

Em outro livro, Anamaria de Moraes destaca as várias distorções a respeito do que realmente significa o termo e diz que algumas pessoas sugerem um redução, no sentido de que usabilidade é simplesmente uma nova tentativa de introduzir user friendliness no jargão do projeto de produtos.

Outros colocam que as questões em torno da usabilidade já foram tratadas no user–centered design. Polêmicas à parte, o que interessa é que o produto seja de fácil aprendizagem, efetivo para variações de uso e mesmo de ambientes, ofereça um rápido alcance do bom desempenho, seja flexível, seja efetivamente útil, adequado à tarefa (e suas possíveis características) e por fim, adequado aos usuários.

E por que o termo só se tornou popular com a internet? Provavelmente porque a internet difundiu o conceito de interatividade entre um ser humano e uma tela de computador, onde essa preocupação se tornou tão necessária quanto óbvia.

Mas de alguma forma a disseminação do termo através da sua aplicação na internet acabou mudando um pouco a própria ergonomia. “A concepção da ergonomia foi sim aprimorada e até mesmo mudada pelo estudo específico da usabilidade em sistemas humano–máquinas na internet”. Métodos típicos de análise ergonômica como Avaliação Heurística e Cooperativa têm sido largamente utilizados em avaliações de IHC (a interfacem entre o homem e o computador).

Outros métodos específicos de análise da tarefa, como construção de cenários, prototipagem “low–technique” estão sendo também utilizados em testes de produtos, fazendo o caminho inverso do processo. “Até então tínhamos a fase de mock–ups, onde avaliavam–se principalmente as formas associadas ao processo de produção e ao final tínhamos os protótipos do produto praticamente pronto para análise da tarefa. O custo de alterações posteriores era bem elevado. Com o uso de low–techniques é possível avaliar partes críticas do produto e testá–las com usuários antes de ter o produto acabado, possibilitando alterações ao longo de todo o processo”, avalia Anamaria. Os designers – e principalmente os empresários – agradecem.

A construção de cenários envolve o contexto no qual o usuário está inserido. Por exemplo: em análises de tarefas de monitoramento em vídeo desempenhadas em cirurgias. Não só a interface deve ser fácil e coerente com o trabalho do médico, como deve ser aplicável ao ambiente onde ele será inserido. Luminosidade, predominância de cores, pressão de tempo, presença de pessoas na sala, tudo isso deve ser considerado e “cenografado” para correta análise da tarefa.

Anamaria aproveita para comentar que uma dificuldade para o e–learning no Brasil é essa diferença entre cenários. Não adianta querer utilizar as técnicas de educação à distância disponíveis no mercado; é preciso considerar que na maioria das vezes as pessoas aqui não terão à disposição toda a tecnologia necessária, como câmeras para ver o professor, viva–voz, além de banda larga para suportar tudo isso.

Quando surgiu o termo usabilidade? Anamaria nos conta que em 1991, depois do Congresso Internacional de Ergonomia em Paris, fez uma visita técnica à UCL (University College London) onde conheceu o Prof. John Long, que trabalha com IHC. Lá ele já coordenava um laboratório de usabilidade e fazia pesquisas e testes para aeroportos e para a Marinha, onde avaliava telas de monitoramento de tráfego aéreo, por exemplo. Em 92 ele foi convidado pela professora para vir ao Brasil ministrar uma palestra na Fundação Nacional do Comércio. O nome: Usability Now. Em um auditório lotado, John Long discursou sobre a importância do design centrado no usuário. Falou de interação entre humanos e sistemas, através de terminais de monitoramento.

É importante perceber que a operação de computadores não está apenas associada à internet. Podemos citar uma infinidade de atividades que utilizam o computador para efetuar tarefas, sendo muitas de altíssima precisão e risco, lembra a professora, como o monitoramento de tráfego do nosso amigo John Long e acompanhamento cirúrgico, por exemplo. O desenvolvimento de software também possui uma altíssima carga de usabilidade e por isso empresas como IBM, Oracle e Microsoft mantém laboratórios de usabilidade constante.

A usabilidade como objetivo. Projetos centrados no usuário são o grande objetivo no desenvolvimento de soluções ergonômicas. É importante que se tenha isso em mente, de forma que o conceito seja visto como parte de uma ciência e não como a ciência em si. Ter a visão de projeto voltada para o usuário (operador, mantenedor, comprador, pesquisador) é o princípio da ergonomia, que para tal utiliza técnicas de observação e análise da tarefa e não apenas faz aplicação de guidelines.

Testes quantitativos de usabilidade que permitem medir o uso do sistema, como programas “espiões” que demarcam todo o percurso percorrido pelo usuário e o tempo gasto em cada um dos links na execução de uma tarefa, são parte fundamental do processo de desenvolvimento.

O lado bom da fama… “É possível observar um crescente interesse pela área de IHC no Brasil. Desde quando começamos nossas pesquisas sobre avaliação de interfaces e usabilidade na UERJ (com a publicação do primeiro trabalho em 1993 sobre os quiosques do Banco do Brasil, além de outras pesquisas como quiosques do Shopping Rio Sul e caixas eletrônicos do Itaú), podemos perceber um crescente interesse no tema.”

Reconhecido em 1998, o mestrado em Design da PUC–Rio teve seu primeiro trabalho na linha IHC (por Stephania Padovani) sobre hipertextos fechados. Hoje o mestrado já conta nove pesquisas relacionadas ao tema, sendo ao todo 22 alunos. Também aumentou muito a procura pelo curso de especialização em usabilidade na mesma instituição, coordenado pela professora.

Embora o termo já esteja batido, o interesse pelo assunto se justifica e a própria internet já abriu vários campos de trabalho.

Como conselho às pessoas que estão entrando no mercado de trabalho ou desejam entender e pesquisar essa tal usabilidade, Anamaria de Moraes aconselha: “façam cursos, mestrado, participem de congressos. Usabilidade é pesquisa, não procurem receita de bolo.” [Webinsider]

Referências de cursos

Na PUC do Rio de Janeiro: Extensão: Usabilidade de Interfaces, Ergonomização da Interação Homem–Computador; Mestrado: Ergonomia e Usabilidade de Produtos, Programas e Informação.

Universidades no exterior: College of London e Carnegie Mellon, por exemplo, possuem pesquisa nessa área.

Bibliografia para o artigo

Ergodesign: produtos e processos. MORAES, Anamaria e FRISONI, Bianka Cappucci. Rio de Janeiro, 2AB, 2001. 206p.

Ergonomia: conceitos e aplicações. MORAES, Anamaria de e MONT´ALVÃO, Claudia. Rio de Janeiro (Rio de Janeiro), 2AB – Série Oficina, 2000. 2a Ed. 132p.

.

Renata Zilse (renata@maisinterface.com.br) é designer com mestrado em design e arquitetura da informação.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

4 respostas

  1. gostaria receber artigo sobre o assunto:
    – Acenssibilidade Usabilidade
    – Historia da Usabilidade
    – Aplicação da Usabilidade em uma pagina
    – exemplos de sites que passarampelo site de acessibilidade e Usabilidade.

    biografia da pesquisa.

  2. Artigo muito interessante, apenas quero salientar que a Universidade Federal de Campina Grande no curso de engenharia elétrica e computação, pois estudos na área de usuabilidade e ergonomia. Possui até Doutorados na área.

  3. Excelente artigo. Os fundamentos na abordagem da Anamaria abrilhantaram a descrição da história da Usabilidade. Ouvi alguns sustos ao meu lado de pessoas que, talvez pela primeira vez, leram sobre o dito tema sem que nele se fale no nome dos Papas Pop da Ergonomia/Usabilidade. Resumido ou convergente a poucas visões de autores, que seja talvez, mas confesso que gostei do artigo, pela tentativa de resgate de uma filosofia (porque não dizer) que teima ser levada à banalidade em sua real existência pelo mercado irresponsável e quase leigo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *