Em busca da Terra do Nunca

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Porque parar é preciso. Ter tempo para fazer as coisas direito e sem a corda no pescoço é o que garante a excelência, no trabalho e na vida pessoal.

Fui ver o filme que conta a história da origem de Peter Pan e me emocionei muito.

Quando eu era criança tive a sorte de ter pais muito especiais que faziam com que meu universo e o de meus irmãos fosse algo sempre magicamente encantador. Músicas e histórias fantásticas de fadas, magos, bruxas e países exóticos eram os temas que embalavam nossos sonhos… A história de Peter Pan foi um deles.

Assistir ao filme sobre o menino que não queria crescer e que sabia que o tempo (o tic–tac do relógio na barriga do crocodilo) era seu pior inimigo foi algo que me instigou a abordar um tema que me preocupa e sobre o qual reflito todos os dias ─ o tempo, a gestão de nosso tempo e como deixamos que o encanto da própria vida se perca sob o império deste tic–tac…

A perda da ilusão infantil de que sonhar e realizar é possível, de que basta acreditar, com fé e perseverança, nos faz filisteus esvaziados da essência daquilo que deve nos manter vivos: a experiência.

Me espanta e entristece ver jovens de vinte e pouco anos trabalharem tanto e viverem tão pouco! Me choca saber que hoje, recém saídos de uma adolescência vibrante, têm tão pouco tempo para experiências que poderiam engrandecê–los genuinamente e formá–los para a vida: relacionamentos, música, arte, literatura, filosofia, viagens… E mesmo filhos! Ter filhos com tempo para tê–los…

“Em busca do tempo perdido”, de Proust… Quem leu?

Poucos e raros…

E, hoje em dia, ao indagar a um jovem de vinte e poucos anos (não que existam muitos mais velhos que responderiam diferente) sobre este título, uma das maiores obras da humanidade em geral, a resposta é uma grande expressão de interrogação.

Em busca do tempo perdido, falando grosseiramente, é o caminho rememorativo que Proust percorreu na tentativa de resgatar para si a vida que escoava através dos anos. Foi o modo como ele encontrou para dar sentido a isto que nos acomete todos os dias: a vida.

E o tempo é algo precioso e é o que nos escapa…

“Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança fazendo–a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para adiante vai ser diferente.”

Terra do nunca é o lugar onde o tempo pára!

E por que um desejo tão intenso de que o tempo pare?

Porque queremos tempo para viver, de verdade, visceralmente. Porque o que mais nos falta hoje é tempo de viver com vagar, com calma, com atenção… Tempo para realizar as coisas com profundidade e com preciosismo, capricho, dedicação. Isso em tudo que fazemos, inclusive em nosso trabalho.

Fala–se em um movimento europeu chamado Slow Europe… slow food, coisas como ócio criativo, necessidade de anos sabáticos, enfim. Tudo isso é uma tentativa de resgate e de transformação do jeito absurdamente veloz que cotidianamente vivemos e que gostaríamos de modificar.

Ter tempo? Como ter mais tempo em um dia que se repete em suas 24 horas e no qual mal temos como dormir o suficiente para descansar o corpo?

Acordo todos os dias e tento renovar meus votos de que será diferente: programo minha agenda achando que vou conseguir sair mais cedo e ir nadar, caminhar, fazer alguma das coisas que gosto, além do meu trabalho (do qual gosto mesmo, genuinamente). Penso que vou chegar em casa e poder jantar com minhas filhas, ouvir as histórias do dia, contar as minhas, ouvir música, ler um pouco… se conseguir colocar as meninas para dormir cedo ainda me sobra o silêncio da casa à noite para sentar e escrever, este texto por exemplo.

Mas, doce ilusão… são raros os dias em que consigo chegar até aqui antes da meia noite! E aí o corpo já pede arrego, exausto, e a alma sofre com tamanha impossibilidade de ter cumprido aquilo a que se propôs.

Nesta repetição infernal me ocorre alguns “pop ups mentais”, como diz minha amiga Rachel Paroni, uma das criaturas mais vivas e intensas que já conheci. Um deles, que não quer calar, é a percepção de que vivemos uma era que poderíamos chamar de escravidão branca.

Trabalhar com serviços hoje não é menos pesado, exaustivo e escravizante que trabalhar em uma mina de carvão no final do século XIX ou ser um escravo que no final do dia só pode desmaiar em uma senzala.

O abuso de nossa capacidade de trabalho mental hoje ultrapassa todos os limites!

Lembremos do cenário das condições de trabalho no final de século XIX: para se ter algum dinheiro para ao menos comer, os trabalhadores se enfileiravam nas entradas das minas e fábricas e ficavam à espera de serem escolhidos aleatoriamente pelos capatazes para talvez naquele dia terem a sorte de poder trabalhar. A escolha era assim: você sim, você não. Ia–se para a mina, com condições sub–humanas de trabalho, correndo risco de vida e pronto.

O salário miserável mal dava para nada. E se alguém ousasse questionar os valores, estava fora. Com sorte o sujeito no dia seguinte talvez fosse escolhido novamente. Se não, ficava ali, fazendo fila todos os dias junto ao exército (que Marx, Karl, batizou com o nome de “exército industrial de reserva”) de pessoas sem trabalho, à espera de um milagre: o de talvez poder trabalhar mais um dia.

Trabalhava–se sem horário, sem nenhum respaldo, recebendo um salário de escravo, que só servia para fazer a roda girar, pois consumindo nas vendas dos senhores o dinheiro voltava para as mesmas mãos de quem saiu.

Mais de um século se passou… Temos a ilusão de que este cenário mudou: hoje somos livres, escolhemos onde vamos trabalhar, ganhamos bons salários, temos os famosos benefícios.

Jornada de trabalho de oito horas. Esta foi uma das maiores conquistas da humanidade! HAHAHA.

Quem hoje em dia consegue trabalhar oito horas por dia? No nosso mercado então? Quem consegue entrar às 8:00h e sair às 17:00h em uma agência, produtora?

O cenário é o mesmo: aceitamos quem nos escolhe porque não temos escolha. Se não pegar, tem quem pegue… “o cemitério é cheio de insubstituíveis”… Hoje poderíamos batizar mais um exército? O “exército serviçal de reserva”?

Saímos todos os dias mortos e desabamos em nossas casas tarde, com tempo suficiente para dormir e acordar cedo para recomeçar.

Mas, antes temos sempre que arrumar algum tempo para rodar a roda: uma passadinha no shopping, no supermercado (tudo rápido porque o cansaço da alma e do corpo pede que sejamos rápidos) e pronto. O dindin está em circulação, pois, afinal, somos os consumidores de tudo aquilo que ajudamos a vender com nossas idéias e criatividade.

Acho que temos que pelo menos pensar. Pensar para mudar.

Talvez se fôssemos mais conscientes da engrenagem da qual fazemos parte (essa grande Matrix), conseguiríamos pelo menos iniciar um movimento de real mudança.

O que as pessoas mais precisam hoje não é de cada vez mais dinheiro. Nem treze, quatorze, quinze salários, bônus anuais, seguro saúde (que segundo Nuno Cobra, um defensor da busca de qualidade de vida, na realidade é um seguro doença), tickets, vale isso e vale daquilo, cursos de aperfeiçoamento, treinamentos etc. etc.

Claro, são direitos adquiridos e relevantes com certeza, mas…

O preço que temos pago é alto demais. Temos que avaliar se o benefício realmente nos beneficia ou nos amarra, reféns de uma estrutura de onde achamos que não podemos sair e a qual não podemos questionar, pois, afinal, “eles já são tão melhores que os outros e me dão tanto”!

O índice de executivos de alto escalão com problemas de depressão, desestimulados e sem horizonte é cada vez mais expressivo! As grandes corporações se vêem hoje com problemas em manter seus bons líderes ativos e produtivos…

Li há algum tempo atrás um texto que falava de uma pesquisa sobre a felicidade versus melhoria na qualidade de vida. Os resultados mostravam que só em países de baixíssima renda per capita a melhoria dos rendimentos estava relacionada a um aumento da sensação de felicidade das pessoas. Nos países desenvolvidos e com grande ou razoável renda per capita, um aumento de rendimentos não impactava diretamente a curva da felicidade, que pelo contrário, decrescia…

É o velho ditado de que “dinheiro não traz felicidade”.

Tudo isto para dizer o quê? Tudo isso para dizer que temos que repensar nosso modelo, nosso modo de vida.

Adoro meu trabalho. Adoro acordar cedo e passar o dia gerenciando projetos mirabolantes, dirigindo negociações, cuidando de questões de RH, planejando estrategicamente o futuro de minha empresa, atendendo com muito cuidado e dedicação meus clientes, que são em primeiro lugar pessoas com as quais me relaciono ─ pessoas e não representantes disto ou daquilo.

Mas, adoro mais ainda poder parar a pensar. Ter tempo para respirar. Criar, viver as pessoas e viver o mundo em que habito. E isto só é possível quando temos muito mais em mente. Quando temos horizonte, mira de desejo.

E para mudar, há que se fazer pequenos gestos todos os dias. Organizar–se e olhar para seu lugar nisso tudo.

Penso que isto deve partir de quem pode mudar e sonho que teremos gerações muito mais aptas a saber gerenciar melhor o tempo e o trabalho, para que este não se sobreponha à própria vida.

Como? Também não tenho a resposta. Também procuro–a todos os dias, mas acho que fazendo pequenos ajustes e mudanças nos lugares onde estamos, isto começa a fazer algum sentido.

Me preocupo com cada uma das pessoas que trabalham comigo: suas necessidades, sua vida pessoal, seus desejos. Colocar as pessoas certas nos lugares certos é antes de tudo conhecer e respeitar seu desejo, sua capacidade e seu comprometimento.

Saber de seus limites, distância do trabalho para casa, seus sonhos de estudo, seu casamento, namoro etc. Este saber faz com que você seja um melhor líder, mais consciente e humano e melhor planejador. Faz com que você possa mudar um cenário e dar liberdade de escolha para aqueles que estão com você.

A liberdade é uma responsabilidade. Tempo pode ser algo conquistado com organização.

Por hora ficam estas 500 idéias no ar… Para o próximo, aceito contribuições sobre o tema e comentários são sempre “mui bien venidos”! [Webinsider]

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Ana Clara Cenamo fundadora e produtora executiva da Spanda Produtora.

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8 respostas

  1. Pois é, Ana. Esse rush do dia-a-dia nos impossibilita de viver com qualidade. Reformamos nossas casas, compramos o carro do ano, roupas, equipamentos que se quer nem tempo temos de utilizar. Lutamos por uma “qualidade de vida” que acaba nos vencendo. What do we do?

  2. Muito interessante a esplanação do assunto. Tenho 23 anos, sou Funcionário Publico e estou no ultimo semestre da faculdade, namoro ha três anos e moro com meus pais. Diante da vida corrida que levo, mal tenho tempo pra viver minha propria vida, as vezes sinto que tudo que faço não tem sentido. Atualmente as pessoas não sentam na porta de casa mais para jogar conversa fora, isso me parece um reflexo obvio do desenvolvimento tecnologico.
    Adorei o texto e gostaria que postasse a respeito das formas de mudar esta realidade.

  3. Muito bom esse texto. Concordo plenamente com a autora, as vezes tenho a sensação de que vivemos no piloto automático… Que a nossa vida se perde em meio a imensa e exaustiva rotina e entramos nessa roda… Quando alguém questiona algo justificamos essa paranóia com o argumento que se todos vivem assim por que nós temos que ser diferentes?!

    Eu ouvi uma frase em uma palestra que me marcou muito, o palestrante dizia que todos que recebem salários são escravos, a única diferença é que alguns são bem ou mal remunerados… Ai completo arrematando, para que tanto dinheiro, poder, cargos se não tivermos vida, mas vida em abundância?

  4. Maravilhoso texto!!nos faz refletir as nossas atitudes,nesse corre-corre que é a nossa vida.O tempo não espera, o relógio não para, o tempo é algo tão precioso, e quando percebemos já nos escapou e perdemos muita coisa.Parar, pensar e refletir para saber como aproveitar de modo saudavél o tempo que nosso Deus nos presenteou.

  5. Que texto maravilhoso! Parabéns!

    Estava com essa sensação de perda de vida, outro dia, hoje, me dedico muito ao trabalho e aos estudos e sinto muita falta da minha família e das coisas que gosto de fazer e que não faço mais porque não tenho tempo. São partes importantes de mim, da minha vida que estão sendo deixadas de lado nesta fase (espero que seja apenas uma fase).

    Começo a refletir sobre isto e sempre fico com um questionamento: será que a vida é isso mesmo, para conquistarmos nossos sonhos temos que abdicar de parte de nós?

  6. Gostaria que se comentasse a velocidade urbana X Rural Antigamente x atualmente nossa infância x
    nossa maturidade Eu tinha um ritmo tranquilo e calmo até os meus trinta anos mais ou menos,(tenho 51),no povoado onde nasci vive-se este slow-life até hoje, quando visito a pequena Juquiratiba-SP fico com a impressão que lá as pessoas não envelhecem.

  7. Gente!Eu me interesso bastante pelo tema e o começo do texto tá muito bom – digo o começo porque tô sem tempo agora pra ler todo(quanta ironia)agora, mas aj salvei e vou ler com calma depois, pelo menos eu desejo assim.

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