A academia de costas para a sociedade

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Nós não somos estudantes de uma matéria qualquer, mas estudantes de problemas – Karl Popper.

Toda a Ciência tem um ponto de partida.

Nasce da necessidade de resolver um problema humano. Uma impossibilidade que nos leva a estudar determinado assunto.

A partir desse ponto, inventamos equipamentos (telescópios, microscópios, máquinas de raio-x) que nos permitam detalhar os objetos.

Ou inventamos ferramental teórico que nos permita compreender o que se passa e o que provavelmente acontecerá. E como podemos nos preparar para conviver com estes fatos.

Nessa linha, existem objetos inacessíveis às tecnologias atuais (o material do solo de outros planetas, por exemplo) e fenômenos novos como a Aids ou a internet, que abrem novos campos de estudo.

O problema original, entretanto, se desdobra em diversos outros e nesse caminho é normal que o problema a ser resolvido torne-se secundário em um processo virtuoso.

Existe também, o que é mais comum, que o problema fique cada vez mais distante e, por diversos fatores burocratizantes, a própria Ciência se transforme de solução em problema.

O cachorro que deveria saber onde está o rabo, virou o rabo atrás do cachorro.

Burocratiza-se a Ciência, que passa a ser um ?Ministério?, com seus carimbos, burocratas, normas, regras e leis, que supostamente defendem a inovação mas muitas vezes acabam tendo o efeito contrário.

Passam anos discutindo os detalhes, sem ir ao âmago da questão, em um processo claro de neurose científica.

Me alinho com Edgar Morin quando no livro Cabeça bem-feita defende uma nova cultura científica, que resgate o sentido de orientação para a condição humana.

Não há nada pior do que uma academia fechada nela mesma, com a cabeça cheia sem conseguir articular aquele conjunto de autores de tal forma a contribuir de alguma forma com a sociedade.

A academia está dentro da sociedade e só faz sentido quando se relaciona com ela de forma intensa. Isolada (como prefere ficar) é apenas mais uma fonte de despesas e barulho.

Os problemas são uma dádiva para quem estuda. Eles ajudam a organizar o pensamento, dão um sentido de realidade às nossas viagens e nos fazem situar determinado conceito no geral das coisas, evitando a ?acumulação estéril?, definida assim por Morin:

?Onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido?.

Morin defende, assim, uma educação e, por sua vez, uma Ciência que nos oriente para os problemas fundamentais de nossa própria condição e de nossa época.

O isolamento da maior parte de nossa academia, perdida nos seus falsos problemas egóicos, cria-nos ruídos. Quem deveria ajudar muitas vezes, atrapalha.

É um pouco o que diz Marcos Cavalcanti, quando defende um novo sentido para as pesquisas acadêmicas com a sua sensacional e emblemática estória do Ronco do Boi, sobre a incapacidade do sistema brasileiro de ciência e tecnologia de transformar conhecimento em valor.

Um pesquisador que estudava o ronco do boi, quando perguntado sobre o motivo da pesquisa, simplesmente respondeu: ?porque eu estou a fim?.

Cavalcanti defende que ?a universidade não pode continuar de costas para a sociedade, pesquisando só o que interessa aos pesquisadores?.

Eu complemento dizendo que a universidade pode criar sim problemas, está ali para isso, mas que ajude a sociedade a resolver os seus. E não criar uns tantos falsos e estéreis a seu bel prazer, financiada pela sociedade.

A arte está em fazer com que ela se aproxime da realidade com sabedoria e liberdade em um processo inovador e criativo, envolvendo todos os atores, não apenas os ?de dentro?.

É preciso resgatar a ideia original da academia: um conjunto de estudiosos empenhados em melhorar a vida sobre a face da terra, reduzindo, ao máximo, o que é estudo do próprio umbigo. Concordas? [Webinsider]

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Carlos Nepomuceno: Entender para agir, capacitar para inovar! Pesquisa, conteúdo, capacitação, futuro, inovação, estratégia.

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7 respostas

  1. Pessoal, grato pelos comentários.

    A idéia aqui não é defender que a Universidade esteja atrelada ao mercado, mas que esteja articulada com a sociedade.

    Hoje, quem define as pesquisas é o pesquisador, independente da relevância que possa vir a ter.

    Nâo nego esse direito, mas deveria haver, como já há incentivos, para que áreas específicas recebe mais verbas, se estiverem atreladas ao interesse social.

    A universidade isolada tende à neurose.

    Que mais?

    abraços,

    Nepomuceno.

  2. Concordo com a essência do artigo: a pesquisa acadêmica deveria estar voltada para a resolução de problemas reais. Mas pelos comentários ao artigo, percebo que ele criou um viés para os feridos do ensino superior particular. Realmente, pesquisa científica de qualidade no Brasil é exclusividade do ensino público – assim como muita pesquisa sem sentido. E o que me preocupa, é ninguém questionar que faculdades particulares, que se orgulham tanto em estar em maior sintonia com o mercado não darem a mínima para esse setor (com raras e competentes exceções).

    Mas existe outro aspecto fundamental que decepciona muitos acadêmicos que tentam fazer essa ponte entre as pesquisas científicas e o mundo corporativo: a maioria das corporações não está preparada para absorver esse conhecimento. Qualquer pessoa que tenha trabalhado em grandes corporações – e não fique só teorizando a respeito do casamento entre academia e sociedade – sabe que existem problemas fundamentais, muito anteriores aos conhecimentos proporcionados por pesquisas.

  3. Este artigo nos leva a uma reflexão grande e importante, entretanto é importante dizer também que toda generalização é burra.

    Em primeiro lugar este artigo, e os comentários são pontos de vistas e como cada ponto de vista é pessoal e depende muito da experiência de que o faz.
    Sou um professor jovem (tanto em idade como em experiência profissional) e posso afirmar que a grande maioria dos meus companheiros de trabalhos são sérios, empenhados e se preocupam muito com o aprendizado de seus alunos.

    Falando do outro lado da mesa, concorco que a burocracia é um grande impecilio, porém, é perceptível a falta de incentivo externo que poderia conduzir e direcionar melhor as pesquisas, pois uma coisa é certa, um país que investe e leva a pesquisa a sério tem tudo para se desenvolver.

    Parabéns pela iniciativa do artigo

  4. Professores fingem que ensinam, alunos fingem que aprendem e o contribuinte paga a farra. Pesquisa soh existe em universidade publica e de novo o unico que nao pode fingir eh aquele que paga a conta. As universidades brasileiras sao uma ilha da fantasia que lembra em muito o que se passa em brasilia… muito dinheiro, muita politica e pouco interesse na realidade.

    Isso vai contra o papel social que as universidades deveriam desempenhar, e anula qualquer argumento a favor da universidade-publica-gratuita-e-de-qualidade que tanto se ouve lah dentro.

    Dos n problemas que criaram essa realidade macabra eu destaco a estabilidade para professores e funcionarios e o fato de politicos e burocratas desconectados das necessidades de mercado decidirem pra onde vao as verbas. Universidades publicas no Brasil sao apenas cabides de emprego, nao existe nenhum compromisso serio com pesquisa ou desenvolvimento cientifico.

    Parabens pelo excelente artigo, outro problema destacavel eh a falta de midia critica no Brasil. Parece que toda grande midia estah na folha de pagamento de alguem que nao quer ser criticado.

  5. Concordo plenamente, a essência do que conheci como academia durante meu tempo de universidade culminou com a abertura de uma empresa (fui pro mercado) ao invés de seguir meus estudos (mestrado, etc).

    Parabéns pelo artigo, muito bacana 😉

  6. Ótimo artigo. O descompasso entre o mercado (necessidades e problemas da população) e as universidades, no que diz respeito à produção e pesquisa científica, é imenso.

    Como empresário não vejo culpados nesta situação, mas o Governo precisa de políticas que orientem mais eficientemente o empresariado e os acadêmicos para realização de ações conjuntas, beneficiando ambos os lados.

    Abraço,

    Luciano Ayres
    http://blog.lucianoayres.com.br

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