Grandes musicais

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Musicals Great Musicals” é o título de um dos melhores documentários sobre a produção da Metro Goldwyn Mayer (M-G-M ou simplesmente Metro) de filmes musicais, do início do filme sonoro, até o final da década de 1950.

Ele foi produzido originalmente para a televisão, em 1996, mas pode ser visto no disco 2, de suplementos da edição em DVD do filme “Cantando na Chuva” (“Singin? in the Rain”). O documentário cobre principalmente a chamada “Arthur Freed unit”, que foi responsável pela produção mais importante do estúdio e a última a fechar suas portas, em pleno período de decadência do “Studio System” norte-americano.

Os filmes musicais foram de enorme importância na evolução estética da linguagem do cinema, propiciaram e deram ensejo à evolução de câmeras e de métodos de gravação de áudio em estúdio. Mesmo depois da ausência de popularidade deste tipo de produção, ainda assim os musicais fizeram parte de uma quantidade apreciável de filmes fotografados em processos ultra panorâmicos (Todd-AO, por exemplo), até o final da década de 1960.

O estúdio MGM foi o seu principal articulador. O estúdio deixou influências, até mesmo no movimento de vanguarda de filmes da nouvelle vague, como pode ser visto nos projetos realizados pela dupla Jacques Demy e Michel Legrand, que filmaram “Les Parapluies de Cherbourg” (na forma de ópera), “Peau D´âne” (na forma de um conto de fadas) e “Les Demoiselles de Rochefort” (na forma de um musical convencional, com a inclusão de um diálogo na forma de poesia), no qual, não por coincidência, Gene Kelly aparece num pequeno papel.

A evolução do musical

São os próprios documentaristas que contam que os primeiros filmes musicais apareceram logo após o início do cinema sonoro, como uma forma de atrair o grande público. De início, os diretores de cinema não sabiam exatamente o que fazer com aquilo, de tal forma que as primeiras tentativas resultavam sempre de um segmento musical que poderia muito bem ter sido visto num palco de teatro. É possível ver que os primeiros filmes musicais são desarticulados, as coreografias um tanto primitivas e sem qualquer ligação com o roteiro.

Assim, não foi à toa que os estúdios americanos tenham eventualmente recorrido ao teatro feito na Broadway e importado de lá diretores, coreógrafos e dançarinos, para dentro de Hollywood.

E, sem dúvida alguma, a procura de uma linguagem cinematográfica própria dentro do filme musical, tomou grande impulso com as criações do coreógrafo e diretor Busby Berkeley, que teve passagem significativa em vários estúdios, como a Warner, MGM e Fox.

Berkeley aplicou conhecimentos básicos da linguagem do cinema, para fazer a composição estética que o filme musical precisava. Note o leitor que o que a gente chama de cinema é o resultado da tomada em filme de cenas (os chamados planos), colados em seqüência (processo de montagem), de acordo com um roteiro pré-estabelecido. Cada plano tem uma duração em tempo (minutagem), cuja variação irá determinar o ritmo do filme, ou seja, mais lento ou mais rápido.

Nos seus filmes, Busby Berkeley inovou na composição da cena, entendendo que a coreografia e a dança nada mais são do que resultado da expressão corporal de dançarinos e atores. Então, porque não usar isso, para construir figuras geométricas na tela?

Berkeley fez mosaicos na tela usando os corpos dos dançarinos como peças de montagem. Para a tomada de cenas, ele ousou colocar a câmera em dollies ou andaimes, construindo assim o plano alto, que enquadra os dançarinos na maneira exata que ele queria, para a formação das figuras geométricas pretendidas.

Além disso, ele também se deu conta de o processo de edição (montagem), se aplicado de forma correta, poderia trazer ao espectador a impressão de coordenação entre dança e cinema, ou seja, o ritmo da montagem perfeitamente integrado com o ritmo da música.

Para se ter uma ideia de até onde se pode coordenar coreografia, montagem e música, basta assistir peças da filmografia do ex-coreógrafo e dançarino da MGM Bob Fosse, tornado depois diretor em outros estúdios. O melhor exemplar para este tipo de visualização e análise está no filme “Sweet Charity”, feito no final da década de 1960, rodado em 35 mm e projetado em telas Todd-AO de 70 mm. Neste filme, as expressões corporais, criadas de forma singular pelo diretor, são ousadamente compostas em imagem panorâmica, sem qualquer respeito à estética convencional da composição dos planos, principalmente pelo uso de zoom, e do primeiro plano nas tomadas de cena, teoricamente inconcebíveis em filmes feitos para telas ultra panorâmicas.

Fosse encarna, como ninguém, a ousadia de mudar o estilo de narrativa, como havia feito Busby Berkeley, décadas atrás. No cinema musical mais recente, mas não menos moderno, faz-se uma homenagem a ele, no filme “Chicago”, e que demonstra a qualidade do seu trabalho original.

E no curso dessa evolução de montagem, vários diretores de filmes musicais, para estúdios como MGM, United Artists e Fox, por exemplo, colocaram em prática a ideia de usar números musicais como inserção da sequencia narrativa, tornando-os parte integrante da estória descrita no roteiro. Nesse tipo de cinema, a composição de melodias e as letras são obrigatoriamente inseridas no contexto do drama apresentado.

É possível ver o epítome deste tipo de discurso, no filme de Vincente Minelli “Gigi”, rodado com o apoio da citada “Freed unit”, no apagar das luzes das luxuosas produções da MGM. A composição do filme é tão refinada, que ele recebeu nada menos do que nove estatuetas Oscar, incluindo direção, montagem, cinematografia, e naturalmente melhor música.

O filme musical impulsionou o mercado de música no mundo todo

Hollywood, na mais profícua etapa dos grandes estúdios, também arregimentou um número considerável de compositores, sendo particularmente decisiva na popularização de nomes como Cole Porter ou Irving Berlin. Trilhas sonoras de filmes musicais, mesmo que migradas de peças musicais da Broadway, sempre ajudaram a espalhar seu conteúdo pelas plateias do resto do mundo. Isto inclui também o repertório de cantores no mercado fonográfico.

Em outros países, o filme musical, na forma de um disco filmado, fez o mesmo papel, ao trazer às telas os artistas que só podiam ser ouvidos através do rádio. No Brasil, por exemplo, o filme musical deste tipo foi a base usada pelos estúdios da Cinédia e da Atlântida Cinematográfica, nas chamadas “chanchadas” das décadas de 1930, 40 e 50.

A evolução da gravação do áudio é bem demonstrada no filme musical

Para quem tem um home theater bem montado, a maioria dos filmes musicais mais recentes conseguem demonstrar a excelência de captura do som orquestral e dos cantores.

Johnny Green, compositor, maestro e arranjador, é reputado como um dos principais artífices de experimentação e posterior colocação de microfones para captura orquestral, durante a sua fase nos estúdios da MGM. A introdução do CinemaScope, com três canais de áudio na tela, propiciou que este tipo de trabalho chegasse ao ponto em que a plateia entendesse que a gravação de música orquestral pode combinar imagem com um palco sonoro extenso, resultante dos três canais frontais.

O resultado deste trabalho pode ser observado no curta “M-G-M Jubilee Overture, cuja versão integral está contida no disco 2 (de suplementos) da edição em DVD do filme “Sete Noivas Para Sete Irmãos”. Neste curta, é possível ver o maestro conduzindo a orquestra sinfônica do estúdio, com enorme verve e brilhantismo. Green insistia que a orquestra da MGM fosse composta por músicos de alto nível, e com isso ele se tornou impopular por ter sido o causador da demissão de muitos dos músicos que trabalhavam no estúdio na época. Mas, o resultado da sua impopularidade está, por outro lado, espelhada no excelente trabalho orquestral dos filmes MGM, até mesmo depois do final da fase áurea do estúdio.

A apreciação do trabalho com filmes musicais no home theater moderno

Não há dúvida de que, se a gente excluir efeitos especiais de áudio, geralmente contidos nos canais surround dos filmes modernos, o que sobra é a trilha sonora musical. Esta trilha é tão importante quanto o roteiro do filme, particularmente no que concerne a narrativas dramáticas. Para tornar o meu comentário óbvio, basta mencionar os últimos minutos do filme de Steven Spielberg “E.T.”, na seqüência onde Elliot se despede do seu amigo alienígena, que em seguida parte na nave espacial. A última tomada mostra Elliot em close-up, e a orquestração, brilhante por sinal, de John Williams, termina exatamente com o termino da tomada, em corte seco.

Se nós hoje temos instalações de home theater, com três canais frontais cuja distribuição sonora nos compele a apreciar melhor a qualidade da trilha sonora, nós devemos isso aos pioneiros que construíram as bases do filme musical moderno.

Por isso mesmo, a instalação correta de um home theater não deve negligenciar, em hipótese alguma, a colocação e ajuste dos três canais frontais e do subwoofer, se existente, associado a eles. São coisas como a coerência de timbre e de fase, ajuste mais refinado do retardo (“delay”) entre os canais da frente e os de trás, e colocação das caixas de maneira que não haja rompimento do palco sonoro musical frontal.

E no caso de instalação de apenas duas caixas acústicas na frente, devem-se colocar as mesmas de forma a se obter o máximo de ajuste de fase possível. O ouvinte pode perceber se este ajuste está correto, ou próximo do melhor, se, ao sentar-se ao centro da distância entre as duas caixas, ele conseguir ouvir toda a massa orquestral sem quebra de continuidade da localização de instrumentos ao longo dessas duas caixas. Sons fora de fase tendem a soar imprecisos (sem o chamado “foco”) e mais difíceis de localizar no espaço. De forma que, sendo três ou duas caixas, o resultado deve ser sempre o de poder identificar a exata localização de instrumentos no espaço de reprodução!

A MGM é um capítulo especial à parte

Eu sei que eu sou suspeito para falar sobre isso, porque grande parte da minha infância em cinemas foi gasta no antigo e saudoso Metro-Tijuca, mas a verdade é que, a fama de qualidade tinha a sua razão de ser. Na época em que era permitido que os estúdios norte-americanos tivessem a sua própria cadeia exibidora, a MGM construiu cinemas no mundo todo, com os mesmos requintes de arquitetura e equipamentos, que garantissem a entrega do filme produzido nas melhores condições possíveis. Só no Rio de Janeiro, foram construídos três cinemas Metro: Copacabana, Passeio (depois Boavista) e Tijuca, o primeiro e o último demolidos, para tristeza dos fãs, em 1977.

O cinema sobrevive graças ao entrelace entre produção, distribuição e exibição. Os cinemas Metro garantiam que toda a produção do estúdio fosse exibida ou reprisada, para retorno do capital investido. Quando isto acabou, por força de lei americana, o estúdio teve um enorme baque financeiro. Nos seus últimos anos de vida, os cinemas Metro sobreviviam com a distribuição de filmes de outros estúdios, até fecharem suas portas em definitivo e serem demolidos. No Rio, o Metro Boavista, comprado por outro grupo, ainda está lá, mas eu não sei em que estado de conservação. Uma tristeza!

No advento dos home theaters, a Warner, detentora atual do catálogo MGM, tem tido o cuidado de restaurar os filmes musicais com a ajuda de um processo chamado de “Ultra Resolution”, que transfere o negativo recuperado em vídeo de alta resolução. E com o advento do Blu-Ray, o estúdio vem tentando aumentar a resolução desta transcrição, para valores acima de quatro mil linhas de resolução.

Na parte do áudio, os processos de restauração e recuperação de matrizes antigas já é conhecido há mais tempo.Todos esses processos incluem a remasterização das fontes analógicas para fontes digitais em 96 kHz e 24 bits e a subsequente aplicações de filtros digitais de altíssima precisão, para eliminação de ruídos e artefatos diversos. Depois de restauradas, as trilhas sonoras e diálogos são remixados e transferidos a uma mídia de destino, que pode tanto ser uma cópia nova de cinema quanto uma mídia de disco.

Mesmo anos após ser fechado, o principal estúdio de gravação da MGM, em Hollywood, continua a ser venerado e utilizado por selos de audiófilos, mostrando ainda assim a excelência do trabalhado executado por lá.

Nós, que somos amantes do bom cinema e da música, encontramos na obra restaurada dos antigos filmes musicais um bom motivo para nos reencontrarmos com a nostalgia e com os melhores momentos das nossas idas ao cinema. [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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4 respostas

  1. Oi, Valmir,

    Obrigado pelo seu comentário. Você sabe que, depois de muitos anos dando aulas e convivendo com um número tão diverso de personalidades, a gente percebe que é impossível agradar a todo mundo. Então, o que muita gente que preza seu trabalho faz, e eu certamente fiz, foi: respeitar o teu público-alvo, dando o melhor de informações que você puder e nunca subestimando a capacidade e o intelecto de cada um. Ou seja, você acredita que as pessoas são capazes, e um dia vão superar você. Mas, quando o fizerem, vão perceber que você nunca escondeu o jogo, e nunca deu informações falsas a seu respeito ou da sua disciplina.

    Aqui neste espaço, eu sempre conto com a generosidade dos leitores, de entender que eu escrevo sobre o que eu gosto, e com tudo que eu sei e pesquiso sobre o assunto, sem no entanto ser expert em nada disso.

    Um abraço do
    Paulo Roberto Elias.

  2. Olá, Luiz Delfino.

    Eu sou egresso da praia vermelha, dos idos do início de 1970, mas da Faculdade de Farmácia, que ficava no antigo pentágono. É claro que a bioquímica e outras matérias eu estudei dentro do então Instituto de Ciências Biomédicas, que ficava dentro da Faculdade de Medicina. O que nós provavelmente temos em comum é termos sido aluno do Prof. Paulo da Silva Lacaz, que foi o maior bioquímico que este país já teve, na minha opinião. Eu não só estudei com ele, como passei cerca de oito anos como seu assistente de pesquisa, estudando bioquímica humana e patológica. Os meus últimos anos na UFRJ, eu os passei como professor no departamento de Patologia, no HUCFF, ensinando fisiopatologia.

    Um grande abraço e prazer em tê-lo como leitor da coluna.

    Paulo Roberto Elias.

  3. Boa Tarde ELIAS.
    Gostei muito de ter encontrado seu trabalho no UOL sobre musicais.Sou grande apreciador de musicais,e tenho alguns e a B´WAY BROADWAY.
    Penso que ,talvez,Tenha sido meu professor ou contemporaneo na FAULDADE DE MEDICINA DA UB(Praia Vermelha)
    Parabens pelo seu trabalho.
    Atenciosamente,
    Luiz Delfino.

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