Hitchcock em Blu-Ray

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Há cerca de um pouco mais de uns 9 anos atrás, a Warner Brothers, detentora dos direitos dos antigos filmes da M-G-M, convocou os estúdios Lowry Digital para dar um retoque digital no negativo de “North by Northwest” (no Brasil, “Intriga Internacional”), que havia perdido substancialmente tons derivado da camada amarela. O filme foi fotografado no processo VistaVision, com negativo Technicolor único, em três camadas (CMY- Cyan, Magenta, Yellow). A compensação desta perda foi feita digitalmente, exclusivamente para a versão em vídeo. O resultado foi visto no DVD lançado no ano 2000, e de fato a imagem do disco é singular, com pouco ruído ou outros tipos de artefato. Um triunfo e tanto!

O tempo passou, e com ele uma série de avanços na área de recuperação de fotogramas esbarrou nas limitações do DVD, que usa imagem standard (720 x 480 pixels) e com limitações na palheta de cores bastante evidente.

Neste interregno, também, apareceram novos estúdios, para realizar o trabalho no qual a Lowry Digital havia sido pioneira nos Estados Unidos: o da varredura, lavagem e retificação dos negativos, com resultados capazes de produzir cópias de alta resolução.

Entre as novas iniciativas, destacam-se o processo chamado de “Ultra-Resolution”, desenvolvido pela própria Warner, e posteriormente a implantação de um estúdio para fazer a recuperação completa desses negativos. Este estúdio, o laboratório Motion Picture Imaging, vem fazendo um trabalho inovador, na restauração completa de filmes clássicos, incluindo a varredura dos negativos a 6K e agora 8K de resolução.

Por outro lado, embora o resultado deste trabalho possa até ser apreciado num DVD, o meio ideal para que se possa realizá-lo plenamente, é sem dúvida, a edição em Blu-Ray, lançada no início do mês de novembro próximo passado, no formato “digibook”:

image0017.png

Este lançamento é, sem dúvida, um novo marco na história do home video. Desde que o Blu-Ray existe no mercado como mídia de alta definição, ele nunca havia sido colocado à prova com um material mais demandante. Felizmente, uma das virtudes desta mídia é a alta capacidade de memória armazenada e o altíssimo bitrate transmitido na saída, fatores estes que se encaixam como uma luva, no caso de uma edição deste calibre.

Alfred Hitchcock é uma referência no cinema!

Não é por acaso que filmes clássicos como Intriga Internacional se tornam alvo do esforço de um estúdio. O filme reúne dois aspectos básicos contidos na história do cinema, que merecem ser reverenciados: a fotografia VistaVision e o diretor Alfred Hitchcock!

E enquanto o processo fotográfico em si já foi até comentado neste espaço, pouco foi falado sobre o diretor, e sobre a sua inserção como cineasta inovador do filme de suspense.

Hitch, como era chamado pelos amigos e fãs, assentou todas as bases de linguagem, que lhe permitiram desenvolver estórias e tramas, que levaram o público das salas ao desconforto e à ansiedade, na observação dos eventos mostrados nos roteiros, sem, no entanto, haver exibição de qualquer coisa grosseira, como derramamento de sangue em profusão, desmembramento e outros tipos de cenografia, que tomaram conta no filme de terror mais recente, e quem em nada guardam semelhança com o filme de suspense.

Hitchcock, entre seus vários méritos, entendeu e demonstrou na sua filmografia, que o cinema é uma arte visual sugestiva! E em função disso, nada é mostrado explicitamente, até que o diretor assim o decida. A força visual é muito maior naquilo que o espectador não vê na tela, do que o contrário. Hitch, como todos os grandes cineastas, é um manipulador de primeira. Ele constrói o suspense de forma paulatina e crescente. E para fazer isso, ele se vale de uma composição de câmera e métodos de enquadramento e edição, que se tornaram a marca registrada do mestre, e que tem sido copiados ad nauseum por diretores diversos, até hoje.

Nada do que se vê em um filme feito por ele deixa der ter um objetivo, ou seja, não há cenas redundantes nem diálogos desnecessários. Os vários aspectos da construção dos personagens obedecem a uma rígida disciplina. Até mesmo o vestuário, os maneirismos, tudo conta. E a textura complexa e o olhar introspectivo do diretor são tão amplos, que as revisitas ou o estudo dos seus filmes são plenamente justificados.

Intriga Internacional é um drama de um homem só

Tema de vários de seus filmes, o homem isolado e que passa por uma situação que não havia previsto, vulnerável à pressão ambiental e ao drama que ter sido apanhado numa cilada que aparenta não ter saída, é o ponto de partida da trama do filme.


Ajudado pelo brilhante roteiro de Ernest Lehman, o filme é construído de uma forma multifacetada: ele é ao mesmo tempo comédia, espionagem, suspense e thriller policial. O filme encontra no eclético Cary Grant, o ator ideal para encarnar todos esses aspectos, no desenvolvimento da trama.

Hithcock achava que o alívio da comédia ajuda a platéia a recobrar os sentidos. Todos os seus filmes tem como característica comum a interrupção da narrativa, para mostrar uma anedota que pouco ou nada tem a ver com o filme, como por exemplo, a sua presença inusitada, no meio de alguma cena, geralmente no início:

A edição em Blu-Ray

Há certamente muito mais para se ver do que falar, sobre a edição deste filme, em Blu-Ray. A transposição do fotograma é pura, sem qualquer invasão de processos de redução de ruído, que pudessem jogar abaixo todo o esforço de restauração realizado.

Além disso, o estúdio contou com a vantagem de ter trabalho com os negativos, sem ter a necessidade de recorrer à solução de possíveis artefatos de descoramento, como havia acontecido na edição de DVD anterior. E se, mesmo nesta, o resultado é além do esperado, no Blu-Ray a cor e o contraste são rigorosamente mais ajustados, e possivelmente bem mais próximos da apresentação original nos cinemas.

Se 8 mil linhas de resolução teriam sido necessárias para chegar a este intento, é uma pergunta que eu não saberia responder. Existem opiniões contraditórias a este respeito, emitidas por especialistas da área, nas quais alguns defendem que 4K é mais do que suficiente, para a maioria das aplicações em restauração.

A comparação para o leigo, ainda assim, é difícil, porque a única referência, até então, é a edição de 2000, em DVD, e nesta a restauração a partir dos elementos originais não teve precedência. Alguns observadores afirmam ter visto o trabalho em andamento, e que a edição em Blu-Ray nada fica a dever ao que foi visto no laboratório da MPI.

No meu ponto de vista, a imagem do filme é excelente, mas não chega a ser excepcional. Por outro lado, concordo com aqueles que afirmam que é pouco provável que seja visto algo melhor, em termos de home video.

Considerando-se que o trabalho está aí, disponível numa edição com embalagem e documentação na forma de texto no livro digibook e principalmente na forma de documentários, contidos no disco, me atrevo a dizer que ela é boa demais para passar desapercebida, ou de não se alvo da cobiça natural do cinéfilo, do entusiasta ou do estudante de cinema.

Intriga Internacional foi feito com uma relação de aspecto de 1.66:1, típico do VistaVision. Mas, a Metro lançou o filme nos cinemas em 1:75:1. No relançamento do filme, na década de 1960, a cópia foi modificada para 1.85:1, padrão de exibição daquela época.

Nas edições em vídeo, o filme foi apresentado em 1.66:1 em laserdisc, e posteriormente retornou a 1.75:1, para DVD e agora para o Blu-Ray.

Na parte de áudio, o original mono perdeu precedência para a mixagem 5.1, excelente por sinal, e codificada para Dolby Digital, nas edições de DVD e Blu-Ray. Nesta última, é a versão em Dolby TrueHD, de alta resolução, que ocupa a trilha 1 do filme. Esta mudança é inédita em discos da Warner, quando geralmente a trilha default nunca é lossless. Aliás, uma prática que o estúdio devia abandonar de vez é começar o filme sem passar por qualquer menu de configuração. Isto atrapalha usuários que querem se servir de trilhas lossless e legenda de alguma língua, obrigando-os a parar o filme e começar tudo de novo!

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

9 respostas

  1. Celso,

    O que acontece é que a maioria das salas atuais não tem o clima nem o espaço das salas antigas, irrespectivo do filme em si.

    Quando eu era menino, um dos meus tios adorava Tom & Jerry, e então ele me levava, todo o primeiro domingo do mês, ao Metro, para ver o festival de desenhos. Na minha frente, um mar de crianças na platéia. Durante o cinejornal, todo mundo ficava inquieto. Mal aparecia aquele boletim da censura com o nome do primeiro desenho, começava uma agitação, que culminava em gritaria quando aparecia aquele slide do Tom, ao lado do Jerry. Isso, com aquela fantástica fanfarra, composta por Scott Bradley, o cinema ia abaixo. Ao final de cada short, palmas!

    Nos cinemas e filmes atuais, os efeitos sonoros são às vezes ensurdecedores. Eu, particularmente, não acredito que as falhas de linguagem estejam nos efeitos especiais ou na cinematografia digital. Os diretores abusam do primeiro plano, sem respeitar a relação widescreen a 2.35:1. Resultado, o filme não tem ambiência! Compare isso com os casos extremos do CinemaScope de antigamente, e você vai entender a diferença!

  2. Paulo,
    Grato pela dica para aquisição de ‘Vertigo’.
    Sinto pelo seu problema visual para ver o 3-D.
    Você comenta que não gosta de ficar tempo sem ir ao cinema. eu, idem; só que infelismente já não é a mesma coisa frequentar uma sala como íamos nos verdes anos. Dia destes fui ver ‘2012’ e meu amigo,
    que “clichezão”. Foi difícil suportar as duas horas e meia de projeção! Alardeavam a categoria dos efeitos especiais. Com tanta tecnologia, não saiu do lugar comum. Lembro-me por exemplo de ‘Krakatoa, o Inferno de Java’, em 70mm. no Cine Comodoro. Quanta saudade da fitas que eram feitas na raça, sem nenhuma computação gráfica que “enriquecem” as produções de hoje.
    Abraço.

  3. Oi, Celso,

    A edição nova de Vertigo é R1, e pode ser encontrada em vários sites. Eu comprei o meu na Amazon: http://www.amazon.com/Vertigo-Universal-Legacy-James-Stewart/dp/B001CC7PPS/ref=sr_1_2?ie=UTF8&s=dvd&qid=1262866866&sr=8-2

    Sobre 3D, eu nunca consegui ver direito, porque eu tenho uma das vistas com problemas desde que eu nasci. Eu ia ver Avatar, mas tive que adiar por duas vezes, por motivos diversos.

    Eu não gosto de ficar muito tempo sem ir ao cinema, mas diante das circunstâncias não tive outro jeito. Talvez eu consiga uma brecha esses dias, mas o nosso não incluir 3D, infelizmente.

    Outra coisa: duas salas de Imax chegaram a ser montadas no Rio, uma fechou e outra nem abriu. Até hoje, não cheguei perto de uma, por conta disso.

  4. Ólá Paulo,
    Tudo bem? Espero que sim.
    Você me fala que adquiriu uma edição nova, dupla do “Vertigo”. Eu pesquisei em vários sites e não encontrei. Poderia informar-me onde comprou?
    Outra coisa, estou me preparando para ir à S.Paulo ver ‘Avatar’ em Imax 3-D. Por enquanto, as filas para essa única sala por estas bandas, são quilométricas. Quando a poeira assentar, que tal você também fazer isso e posteriormente trazer aqui na coluna suas judiciosas considerações?
    Um grande abraço.

  5. Oi, Celso,

    A referência do texto é a da edição americana (R1), Warner. Eu não conheço essa edição que você cita, portanto não posso comparar as duas. A edição R1 foi uma das primeiras tentativas do estúdio em fazer a chamada restauração digital para vídeo, conforme explicado no texto.

    Sobre Um Corpo Que Cai, eu acabei de comprar a edição em DVD nova, dupla, com imagem anamórfica (a edição original em DVD que eu tinha era letterbox e muito ruim), ao invés de ficar esperando a edição em Blu-Ray.

    Os estúdios estão atualmente debaixo de grande pressão para lançar novos títulos de filmes clássicos, em Blu-Ray, mas em alguns casos houve uma decisão anunciada de trocar a pressa pela perfeição, e eu sinceramente concordo. Estima-se que 2010 traga grandes novidades para o cinéfilo, mas vamos aguardar para ver.

    Aproveito para agradecer a sua leitora e desejar um bom ano novo a você e a todos os seus.

    Abraço do
    Paulo Roberto Elias.

  6. Paulo,
    Quando você se refere a cópia em DVD da Intriga, feita em 2000, será a mesma que a revista Veja ou a Folha de S.Paulo ofereceu ao publico leitor? Eu vi essa edição e gostei da qualidade. E agora em Blu-Ray? Deve estar excelente. Só falta agora um Blu-Ray de ‘Vertigo – Um Corpo Que Cai’, para mim,a obra prima do Hitch. Aliás, a obra prima do cinema, na minha humilde opinião.
    E quando será que vamos ter em alta definição os filmes de David Lean, como por exemplo, ‘Lawrence da Arábia’ e ‘A Ponte do Rio Kwai’? Saem tantas coisas descartáveis e essas jóias estão esquecidas!
    Um grande 2010 para você e familiares.

  7. Olá, Rogério,

    Infelizmente, as salas de cinema estão numa situação meio esquisita, porque o retorno de público não é totalmente satisfatório, mas se fecharem, o cinema de distribuição morre, e com ele o público que ainda teima em ir ao cinema, de vez em quando. Então, os estúdios apostam nos chamados blockbusters e nos diretores de renome, para aumentar a bilheteria.

    O seu comentário está corretíssimo. O ideal seria que nós tivéssemos salas de cinemas com exibição de filmes que a gente não vê mais por aí. Isso é sistematicamente feito nos Estados Unidos e Europa, inclusive com projeções em 70 mm, mas por aqui, pelo que eu saiba, os exibidores consideram isso um projeto inviável. Uma outra alternativa seria o investimento, neste segmento, de uma entidade qualquer (empresas, por exemplo), mas que não estivessem preocupadas com o lucro na bilheteria. Aqui no Rio, existe uma coisa parecida, com o patrocínio da BR Distribuidora, que resgatou o cine Odeon, antes ameaçado de extinção. E as pessoas vão, basta oferecer algo de boa qualidade.

    Não tendo maiores alternativas, o jeito é torcer para que filmes clássicos encontrem o seu caminho nas versões restauradas.

    De resto, quero agradecer e retribuir seus votos de Feliz Natal, e aproveito para estendê-los a todos que estejam lendo esta coluna.

    Vamos ver se 2010 nos traz menos violência urbana, e mais oportunidades de progresso para todos aqueles que se esforçam, e não encontram neste país o ambiente que os estimule e apóie da maneira como deveria.

    Abraço do
    Paulo Roberto Elias.

  8. Olá Paulo

    Parabêns por mais esta matéria, afinal em tempos de Avatar quem daria importância aos clássicos do cinema ? E digo mais, hoje em dia são poucos que vão ao cinema e se dão conta que estão lá para apreciar uma obra cinematográfica. Encaram o cinema como uma mera opção de lazer. Mas a culpa na verdade não é dos espectadores e sim dos diretores e roteiristas que priorizam os filmes que terão apelo comercial, afinal de contas com os valores astronômicos envolvidos nas super produções de hoje em dia, o cinema só sobreviverá dos títulos de grande bilheteria, e quanto mais público mais retorno as empresas cinematográficas receberão. Dinte disso só posso reverenciar essa iniciativa isolada de se remasterizar grandes obras do cinema do passado. Só espero que essas iniciativas se espalhem por outros estúdios, pois com o advento do Blu-ray, qualquer obra que tenha um processo detalhado e cuidadoso de remasterização, obterá do público cinéfilo o retorno em vendas dos verdadeiros apreciadores da 7ª arte, que esperam outros titulos vencedores de vários oscars da academia, que por certo estão mofando nos arquivos das distribuidoras cinematográficas.
    Bem… encerrando esse comentário, aproveito para desejar a você Paulo e todos os seus boas festas, e que 2010 nos contemple com mais novidadedes tecnológicas que virão por aí
    Um abraço

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *