Direitos de autor e direitos do usuário

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Um amigo que trabalha para uma empresa fundada no comércio de conteúdo informacional – e que, consequentemente, depende da existência de leis de direitos autorais para ganhar dinheiro – tem me provocado de forma amigável para debater a legitimidade ou não do download de material proprietário.

O argumento dele ecoa o de muitos outros que representam os mesmos interesses: a não remuneração lesa e desestimula aqueles que dedicam tempo e criatividade para produzir esse conteúdo, seja ele um programa, um filme ou uma música.

A consequência disso seria, segundo essa visão, prejudicial para a sociedade na medida em que quem hoje produz tenderá a deixar de fazê-lo.

Clay Shirky é um dos comentaristas do assunto que colocou esse problema em perspectiva referindo-se a uma situação parecida vivida na Europa durante os séculos 15 e 16. O advento da tecnologia de publicação com tipos móveis inventada por Guttenberg tornou obsoleto o trabalho – até então absolutamente necessário – dos chamados monges copistas.

Argumentos parecidos foram usados para defender a permanência do sistema anterior, mas o novo modelo prevaleceu.

A internet, como muitos estão cansados de saber, trouxe, a baixo custo, a possibilidade de acesso a um canal para a comunicação grupal de alcance massivo. Isso representou uma mudança inesperada na forma como se joga o jogo da comunicação em função da entrada de novas regras, entre elas, a de que um produto digital pode ser copiado e distribuído infinitamente a preço (quase) insignificante, de forma rápida e sem perda de qualidade.

Geralmente fala-se mais concretamente dos prejuízos da indústria pela disputa sobre o modelo de distribuição de conteúdo. Como meu amigo lembra sempre, como é possível estimular o esforço se não há remuneração? Vou registrar, então, um caso – infelizmente pessoal – de consumidor lesado em função dessa disputa.

O exemplo clássico é o do dono do iPod que não pode compartilhar pelas vias oficiais as músicas que tem dentro do equipamento. É uma decisão do fabricante – a Apple – para, levando em conta antecipadamente a possibilidade de uso ilícito por alguns consumidores, impedir o compartilhamento do conteúdo.

Essa situação, apesar de ser relativamente comum, dá margem para defesa: o dono do iPod tem os CDs ou, se comprou, pode baixar o conteúdo do site sem pagar. Mas como fazer quando esse mesma mesma armadilha prejudica o trabalho criativo de quem usa o equipamento?

Por exemplo: ontem à noite fui fazer a atualização do sistema operacional do meu iPad. (Esclareço que sou um “cidadão exemplar” no que concerne à maneira como utilizo esse equipamento. Respeito sem reclamar as travas na arquitetura do produto, pago todos os aplicativos que considero úteis e confiava que receberia o mesmo tratamento da Apple.)

A atualização não deu certo, o equipamento travou e a única solução indicada pelo fabricante era reinstalar o sistema operacional – o que implicava em apagar tudo o que tinha dentro. Aceitei a solução confiando que poderia restaurar a configuração anterior usando essa funcionalidade do próprio ITunes. Mas nada disso funcionou.

O que eu faço? Processo a Apple por um conteúdo que não existe mais? Qual é a perspectiva que eu tenho de vencer uma disputa judicial contra uma empresa desse tamanho sendo que mesmo os meus recursos de tempo são limitados. E como provar o valor do que estava ali dentro e como quantificar esse valor?

Já adianto a resposta: o que eu perdi não tem valor porque não pode ser ressarcido. Foram embora os PDFs anotados de duas disciplinas e dois grupos de estudo do meu curso de mestrado. Os PDFs eu tenho guardados, mas os sublinhados, os comentários no canto das centenas de páginas lidas nos últimos dois meses, isso desapareceu para sempre.

Mais do que o valor abstrato que esse conteúdo parece ter, essas marcações teriam a função prática e objetiva de facilitar o meu acesso a determinados trechos de informação e a reflexões para a produção, por exemplo, das avaliações das disciplinas que estou cursando e também da dissertação que vou escrever. Que preço tem isso?

Não vou dizer que vou vender o iPad. Acho que ele continua sendo um produto útil. E, sim, vou tomar mais cuidado da próxima vez, mas também da próxima vez vou levar em consideração, na hora de escolher um tablet, se o equipamento trava ou facilita o backup de conteúdo.

Porque o iPad, pela forma como está configurado, força ou comanda o usuário – particularmente o com menos conhecimento técnico – a depender do ITunes para fazer backup. Uma tarefa relativamente fácil, que seria copiar para um lugar seguro os meus preciosos PDFs comentados, se torna complexa e dá margem a esse tipo de efeito colateral.

Se a empresa não é capaz de garantir o bom funcionamento do produto nas condições que ela estabelece e se a empresa enxerga seus interesses como sendo contrários aos de seus consumidores, não deve exigir o “bom funcionamento” do consumidor em relação à tomada de atitude para defender os interesses deles. [Webinsider]

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Juliano Spyer (www.julianospyer.com.br) é mestre pelo programa de antropologia digital da University College London e atua como consultor, pesquisador e palestrante. É autor de Conectado (Zahar, 2007), primeiro livro brasileiro sobre mídia social.

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Uma resposta

  1. Juliano, gostei muito do seu artigo e penso muito nisso também.

    As empresas se preocupam tanto com restrições e bloqueios que esquecem de testar as funcionalidades e possíveis problemas dos produtos.

    Trabalho com essa parte de qualidade voltada no ensino a distância e muitas vezes o prazo nos impede de fazer o melhor.

    Sobre seu problema, abra uma reclamação no http://www.reclameaqui.com.br já usei várias vezes e tem um enorme poder pra resolver esse tipo de coisa, a Apple precisa resolver seu problema, mesmo sem ter o arquivo de volta.

    abraço
    Rafa

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