NewsGames, um novo modelo de jornalismo independente

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Com Geraldo A. Seabra*

Rio de Janeiro, 25 de novembro de 2010. Era uma manhã de primavera. Passavam das 7 horas quando a Polícia Militar inicioua maior ofensiva da história do Brasil contra narcotraficantes cariocas. Encabeçada pela Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), a operação militar inédita contou com fuzileiros da Marinha e soldados da Polícia Militar. Pela primeira vez, o Corpo de Fuzileiros Navais foi acionado para travar uma batalha ao lado de soldados do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) e de agentes da Polícia Civil. Diante do cerco policial gigantesco, os marginais promovem uma fuga em massa da Vila Cruzeiro em direção ao Complexo do Alemão. A megaoperação, que resultou na tomada do território da Vila Cruzeiro, serviu de notícia-base para alimentar a trama do newsgame “Fuga da Vila Cruzeiro”, uma região da cidade que até então estava em poder dos narcotraficantes do Comando Vermelho.

De jogabilidade e narrativa simples, o newsgame revela um elevado poder informativo que extrapola a interface do jogo, não pelo design ou pela mecânica em si, mas pelo fato de chamar a atenção para a “farsa” da operação militar, com cerca de 500 militares e uma soma exponencial de recursos públicos. Para quem assistia tudo ao vivo pela TV ficou sem entender por que tantos bandidos não foram impedidos de fugir, uma vez que a decisão de recorrer à Marinha havia sido uma ação inédita no país, em se tratando de combate ao tráfico e aos criminosos em favelas.

Hoje se sabe que a maioria deles usou o Morro do Alemão como rota de fuga para outros estados. Muitos deles se refugiaram na Bahia, elevando assim os índices de violência por lá. Na época, cidadãos de bem usaram as redes sociais para condenar a “apatia” dos militares, que assistiam a fuga de centenas de bandidos e traficantes armados, com mochilas, motos e carros.

Por uma teoria dos NewsGames

Para quem ainda é leigo no assunto e quer saber mais, os NewsGames – games baseados em notícias ou acontecimentos em tempo real – são bastante diferentes dos jogos comuns. Ainda hoje, a maioria dos games, mesmo voltados para as novas mídias, usa velhas narrativas como forma de atrair novos jogadores. Para a indústria dos games vale a mesma máxima do futebol: “não se mexe em time que está ganhando”. Contudo, games com narrativas baseadas em notícia estão avançando cada vez mais em função do perfil mais exigente dos novos consumidores de informação.

Em 2011, o Brasil assistiu um boom de crescimento desse formato em vários webjornais, como os sites da Globo, Estadão, RBS e Revista Super. Mas essa história de game informativo não é nova. A ideia já existia em jornais e revistas, com as palavras cruzadas, charges e cartoons informativos. Desde 2002, a notícia vem sendo usada como elemento narrativo em tramas de games. Mas, o princípio ativo dos NewsGames começou com os infográficos. O pioneirismo coube ao site do jornal espanhol El Mundo. Em seguida surgiram os mashups nos Estados Unidos, que nada mais são que aplicativos que trabalham a informação de forma dinâmica e interativa, com o objetivo de facilitar a compreensão de uma massa densa de dados.

Aliás, o jornal espanhol El Pais foi o responsável pela publicação de um dos primeiros NewsGames – o Play Madrid, criado pelo designer de jogos, Gonzalo Frasca. O jogo com jeito e cara de charge política aborda os ataques terroristas em Madri, na Espanha, em 2004. O interessante é: dias após a tragédia o game já estava disponível no site. Porém, como muitos NewsGames atuais, a sua narrativa não difere tanto assim das velhas palavras cruzadas. A maior parte dos NewsGames – inclusive nos Estados Unidos onde o formato é mais difundido – funciona apenas como uma forma alternativa de publicação e consumo de notícia.

Na proposta desenvolvida por Geraldo Seabra, a plataforma dos NewsGames trabalharia os três pilares da notícia: produção, publicação e consumo.

Como novo modelo de jornalismo online

Para estruturar os NewsGames como plataforma de um novo modelo de jornalismo na internet, buscou-se inspiração na narrativa dos role playing games, também conhecidos como RPG (em português, jogo de interpretação de personagens). Por quê? Simplesmente porque são jogos com alto nível informativo. Não bastasse isso, alguns jogos de RPGs permitem que os jogadores possam escrever a própria trama enquanto a história se desenrola.

Para completar a estrutura do novo modelo de jornalismo faltava ainda uma interface compatível com a nova narrativa. O tabuleiro das redes sociais se encaixava como uma luva, por causa da possibilidade de produzir conteúdo através de comunidades que interagem em torno de temas comuns. Talvez isso explique a presença no Facebook da Zynga – maior empresa de jogos do mundo. Mas ainda falta às redes sociais a dinâmica visual das interfaces de games comerciais. Como proposta, apostamos: a interface cambiável do Google Maps pode funcionar.

No caso dos conflitos da Vila Cruzeiro, a plataforma do Google Maps seria altamente informativa, não apenas como tabuleiro de localização dos fatos acontecidos e que se sucedem até hoje, mas como suporte informativo itinerante com o qual a própria população local (ou de qualquer parte do mundo) pode contribuir fornecendo informação, para o controle do nível de violência naquela área da cidade. Entra em ação a porção gamification dos NewsGames, ou seja, a tendência de transformar tarefas cotidianas em jogos.

Claro, isso só funcionaria em cidades que já foram mapeadas pelo Google. Alguém pode dizer que a ludicidade do Google Maps não é tão atrativa assim para quem já está acostumado com a narrativa cinematográfica de games do nível do Grand Theft Auto. Mas, a vantagem de se usar uma plataforma aberta como Google Maps gira em torno da possibilidade de modificar API’s para melhorar a usabilidade do tabuleiro de jogo. Já passou da hora do Google pensar em criar uma ferramenta que torna cambiável todas as imagens mapeadas, de maneira que o jogador possa jogar com o tabuleiro no modo de jogo, com possibilidade de inserir e alterar imagens e dados.

NewsGames como jornalismo independente

Para uns dos pioneiros na produção de games como notícia, Ian Bogost: “os NewsGames são complementares ao jornalismo tradicional e só vão se tornar importantes se os jornalistas os utilizarem”. Diferente do que pensa de Bogost, achamos que os NewsGames carregam em seu DNA a rebeldia própria dos jovens fã de videogames. Não por acaso, eles têm se difundido muito nessa faixa etária da sociedade. Portanto querer aliar o novo formato de jornalismo ao velho modelo de produção empresarial de notícias seria o mesmo que matar uma narrativa pautada desde o seu início pela crítica econômica e mobilização política e social.

O que há de comum entre a “Revolução dos BlackBerry” em Londres e a chamada “Primavera Árabe”, cujos acontecimentos levaram a queda de ditadores sanguinários em países do Oriente Médio?

O peso da disseminação de informação através das redes sociais. Para se jogar um newsgame com todas as potencialidades que permeiam o novo formato é necessário a provisão de informação dos dois lados: dos apocalípticos e dos integrados. Ou seja, das empresas que vivem da venda de informação e das redes sociais, que trabalham a informação como forma de troca de experiências entre seus usuários. É justamente a mistura de fontes de informação que alimenta a narrativa anárquica dos NewsGames. A sua trama se desenvolve ao sabor de temas, necessidades e desejos de cada comunidade de jogadores. Não fica circunscrita àquela velha modalidade de jogo “perde-ganha”. Em linhas gerais, concorre para a solução de problemas apontados em temas que se tornam fontes de notícia.

Alguns NewsGames interessantes

Após oito anos dos primeiros experimentos de games baseados em notícia, alguns NewsGames se destacam pelo nível de complexidade informativa.  Um deles é o game Spent que trabalha um tema bem atual: o desemprego. Baseado em dados reais, a jogo exige que o jogador entenda aspectos relevantes da economia para poder equilibrar o orçamento doméstico. No desenvolvimento do jogo é preciso tomar decisões e eleger prioridades para não gastar dinheiro com coisas supérfluas.

Outro interessante é Budget Hero, com o qual o jogador tem a possibilidade de participar da co-administração do orçamento dos EUA. Em tempos de crise econômica é uma ótima ferramenta para jogadores de países como a Grécia, cujos governantes não conseguem tirar a economia do vermelho.

Numa linha mais política, o newsgame francês Primaires à Gauche do site Monde, exige que o jogador procure entender as eleições primárias que definirão quem será o candidato da esquerda francesa, em 2012. Já o Killer Flu, da UK Clinical virology, busca desarmar as pessoas do pânico gerado pela mídia em relação a epidemia da gripe suína.

No Brasil, um newsgame que chama atenção pela ludicidade áudio-interativa é o Escola de Samba da Grande Rio, desenvolvido pelo site da Abril. Embora produzido no formato infografado, o game dá ao usuário o poder de comandar a bateria, permitindo customizar as seções rítmicas e ter a sensação de um ritmista da escola de samba.

O newsgame SuperCrise, do site Estadão, destaca-se por trabalhar um tema atual que afeta a maioria dos países. A Superinteressante lançou o seu primeiro game para Facebook, Quiz City. Trata-se de um jogo na mesma linha de CityVille e Farmville. O ponto o interessante desse tipo de jogo, que apesar da jogabilidade simples, o jogador é desafiado a administrar uma cidade de forma sustentável.

Anunciado como o primeiro newsgame da Rede Globo, o Missão Bioma estimula a defesa ambiental, envolvendo conteúdo jornalístico da emissora, testes de conhecimento e game online de tabuleiro inspirado no clássico “Plants vs Zombies”.

A saga para se produzir um e-book

Há cerca de cinco anos começou a nossa jornada rumo à descoberta dos segredos dos games como informação, educação e notícia. Foi um longo caminho de trabalho árduo de pesquisa e de muita dedicação que resultou na publicação do nosso primeiro e-book. Como estamos radicados na Itália decidimos publicar a primeira versão em inglês: Of the Odyssey 100 to Newsgames – a genealogy of the games as information. O lançamento aconteceu há um pouco mais de um mês, mas o processo de publicação de um e-book independente requer um pouco de paciência. Com perseverança conseguimos ultrapassar todos os obstáculos sobre os quais narra o jornalista Vladimir Campos.

Esta semana disponibilizamos a versão em Português: Do e-book Do Odyssey 100 aos NewsGames – uma genealogia dos games como informação. O e-book é uma é uma compilação da dissertação de mestrado desenvolvida pelo jornalista e professor Geraldo Seabra. O trabalho também contou com a colaboração da jornalista Luciene Santos, que realizou a tarefa de pesquisa e edição de todo o material.

Em função da extensão, o trabalho foi dividido em duas partes a título de publicação editorial. Na primeira parte, o conteúdo traça uma linha do tempo na história dos consoles, suportes e títulos de videogames na perspectiva dos games como informação. Para fazer o trabalho de análise partimos do primeiro console de games de que se tem notícia – o Odyssey 100. Embora de jogabilidade simples, os jogos rodados nessa plataforma rudimentar emulam informação básica, o que nos faz afirmar: todos os games são informativos. De um simples jogo de cartas ao NewsGames.

Aliás, os games baseados em notícias assumem um potencial informativo maior em relação aos demais jogos analisados. A razão é bem simples: o que alimenta o seu motor narrativo é a informação pura. Na segunda parte, a ser publicada posteriormente, o trabalho apresenta os “Newsgames baseados em aplicações gamification – games em formato de notícias aplicados em ambientes não-games”. A partir da demarcação de um novo modelo de jornalismo on-line, propõe-se uma esquematização da Teoria dos NewsGames sob a perspectiva da produção, publicação e consumo de notícias. A versão do e-book em italiano será lançada em breve.

Uma ótima leitura a todos.

Nossos links:

Blog dos Newsgames: http://blogdoNewsGames.blogspot.com/

E-book em português: http://www.amazon.com/dp/B007GMSZMA/

E-book em inglês: http://www.amazon.com/dp/B0074IS90E/

* Geraldo Seabra, jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. Na área acadêmica lecionou no UniBh, Unipac Lafaiete e Funorte. No mercado trabalhou em diversos órgãos de imprensa: Rádio Itatiaia, Rede Minas de Televisão, Rádio Alvorada, Agência de Publicidade CMK3, Revista AMIRT, Diário de Belo Horizonte e Jornal Sabará em Minas. Nascido em Belo Horizonte, está radicado atualmente em Treviso (Itália), onde atua como editor e produtor do Blog dos NewsGames.

[Webinsider]

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Luciene Santos, jornalista e especialista em games como informação e notícia. É co-autora do e-book “Do Odyssey 100 aos NewsGames – uma Genealogia dos Games como Informação”. Nascida em BH, está radicada atualmente em Treviso (Itália), onde atua como apresentadora da WebTV do Blog dos NewsGames.

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