Thomas Stockham e a revolução do áudio digital

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A gravação digital de hoje em dia emprega métodos de modulação de pulsos que não foram originalmente desenvolvidos para o áudio, e sim para a transmissão de dados por outros meios. Ainda em 1937, o cientista inglês Alec Reeves inventou o método digital chamado de Pulse Code Modulation (ou PCM, para os íntimos). Ele consiste na amostragem de valores analógicos contínuos e na subsequente representação dos mesmos por um valor discreto. Para acompanhar a oscilação de uma onda senoidal, cada um de seus pontos é medido em intervalos regulares, a chamada taxa de amostragem (“sampling rate”) e cada valor quantificado ao seu valor binário mais próximo. O método foi usado em telegrafia e comunicações em geral, bem antes de ser tentado na gravação de áudio moderna.

Trabalhos nos Estados Unidos, Inglaterra e outros países impulsionaram o uso do PCM para a gravação de áudio. Estudos da BBC, por exemplo, foram usados na elaboração do primeiro gravador digital pela Denon (Nippon Columbia) no Japão, em 1967. E assim os primeiros Lps com gravação digital Denon foram lançados em 1972. O gravador Denon inicial tinha algumas limitações pertinentes à época: o sistema usava 12 bits de resolução, com amostragem de 30 kHz.

Mas os avanços na área continuaram. Em 1970, James Russel patenteou um método de gravação digital em disco ótico, que mais tarde iria dar base ao desenvolvimento do Compact Disc.

Entretanto, no que tange ao processo de gravação de áudio propriamente dito, o principal passo na direção do futuro foi dado pelo Professor Thomas Stockham, que desenvolveu o primeiro sistema de gravação com 16 bits de resolução, chamado de Soundstream. Com o nome de Soundstream Incorporated, Stockham fundou a primeira empresa de gravação digital. A sua principal parceria foi feita com a gravadora Telarc, cujo engenheiro chefe, Jack Renner, e seu associado Robert Woods, usaram um modelo já mais aperfeiçoado, com 50 kHz de amostragem, e que foi usado em captura direta para 2 canais estéreo, direta de um console analógico customizado.

Estas gravações, feitas em Lps fabricados com processo Direct Metal Mastering (DMM) pela Teldec na Alemanha, foram subsequentemente transferidos para CD (com redução de amostragem) e depois integralmente para SACD:

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Thomas Stockham formou-se em engenharia elétrica, e posteriormente obteve o grau de doutor em ciências (D. Sc.) no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (M. I. T.). O sistema Soundstream foi montado debaixo de forte influência e apelo da ciência de computação que ele havia estudado, e talvez tenha sido este o seu grande mérito no caminho para o desenvolvimento da gravação de áudio digital de alta qualidade.

O sistema Soundstream foi montado tendo como base um instrumentador Honeywell modelo 5600E, ao qual foi acoplado um gravador de fita de 1” Ampex, modelo 466. Todos os circuitos digitais e analógicos foram desenhados e aperfeiçoados quando Stockham começou a disponibilizar os seus serviços de gravação. Abaixo, uma foto do gravador Sounstream de 4 canais, retirada de um dos catálogos da companhia:

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O sistema oferece, além dos quatro canais de áudio, capacidade de edição por um minicomputador em plataforma de 16 bits, marca Digital Equipment, modelo 11/60. Foi, na prática, a primeira estação de trabalho montada para a gravação do áudio digital.

A resposta plana de frequência do sistema varia de 0 a 25 kHz, por conta da amostragem a 50 kHz. Alguns analistas atribuem ao fato de que os circuitos analógicos de entrada de sinal elaborados por Stockham terem preterido o uso de transformadores (assim descendo a resposta até corrente contínua- DC ou 0 Hz), o mérito do sistema em conseguir capturar com ampla fidelidade e ausência de distorção sons de muito baixa frequência, como aquele do “bass drum” (tambor grave ou bumbo), encontrado nas gravações de música sinfônica da gravadora Telarc.

A natureza digital do sistema alterou completamente as limitações dos métodos de gravação analógicos: as flutuações de velocidade “wow” e “flutter” são inexistentes; a distorção harmônica a 0 dbVU é de cerca de 0.004%, e tanto a faixa dinâmica quanto a relação sinal/ruído ultrapassam os 90 dB.

Demonstrado inicialmente na reunião anual da Audio Engineering Society em 1976, e depois comercialmente lançado em 1977, o sistema Sounstream encontrou resistência por parte das gravadoras, que na época já dispunham de decks analógicos multicanal bastante sofisticados. Mas, o tempo e o aperfeiçoamento do equipamento acabaram por vence-las, e assim o Soundstream foi usado em um número apreciável de gravadoras, particularmente naquelas dedicadas à captura de música sinfônica.

A companhia resistiu bem até 1980, mas acabou sendo vendida para a empresa Digital Recording Corporation, fechando as suas portas em definitivo por volta de 1985. A DRC ainda tentou comercializar um cartão de áudio com informação fotográfica, mas este acabou cedendo espaço ao CD, lançado a partir do final de 1982.

A Soundstream ainda enfrentou a concorrência de outros fabricantes de mesas e gravadoras digitais, mais aperfeiçoados, fato este que levou o processo inteiramente aos estúdios.

Ao sistema Soundstream restou o reconhecimento de ter sido o primeiro formato e a primeira empresa comercial de gravação de áudio digital nos Estados Unidos. Todas as matrizes estão preservadas, algumas reaproveitadas para CD ou SACD. O legado ficou também na forma de Lps, para quem gosta deste tipo de mídia.

A apreciação integral do original é perfeitamente possível na audição das cópias em SACD. E o que se pode notar é a clareza e a resolução do sinal, em uma época em que a gravação digital ainda era desconhecida, até mesmo das pessoas deste métier.

O Soundstream foi, em última análise, um dos primeiros formatos de gravação digital PCM importante no que concerne ao aperfeiçoamento da reprodução de áudio dentro de casa, e da percepção que todos nós tivemos, da capacidade técnica deste tipo de sistema. [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Tresse, obrigado. Alguém vai ter que fazer alguma coisa a este respeito, se ainda não fizeram. Não sou educador da área, mas se fosse o faria por conta própria, pois afinal as bases de qualquer assunto facilitam ao estudante entender o que ele está aprendendo.

  2. Parabéns Paulo por não deixar o Áudio morrer. Se dependesse do Pessoal do vídeo, … . Vi essa transição que é útil para múltiplas gerações.

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