A mensagem política de “O Rei dos Reis”

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Neste último fim de semana de Páscoa eu fiquei sozinho em casa e aí me deu vontade de rever o filme “O Rei dos Reis” (tradução do original “King of Kings”), feito pela M-G-M no início da década de 1960.

Nas semanas santas da minha época de menino a maioria dos cinemas fechava as portas e alguns outros exibiam alguma versão da vida de Cristo. E não eram incomuns as exibições de filmes silenciosos, acompanhados de trilha musical. E os cinemas enchiam de pessoas, à cata de inspiração para o feriado religioso.

Filmes sobre a vida de Cristo existem desde o início da invenção do cinema. Ao longo das décadas, foi possível observar uma imensa variedade de abordagens do assunto, algumas boas, outras nem tanto, mas que cativaram de alguma forma uma plateia nem sempre religiosa.

O próprio King of Kings já havia sido feito em 1927, por Cecil B. deMille. Mas, o produtor Samuel Bronston, cuja companhia de produção era independente da M-G-M, decidiu fazer King of Kings com esmerada produção. Para tal, convocou o diretor Nicholas Ray, que foi um daqueles cineastas que se esmeraram em composição fotográfica no processo de tela larga, como o CinemaScope, e com grande competência. E, para completar, iria convocar novamente o compositor Miklós Rózsa, cuja obra precedente, no filme Ben-Hur, tinha sido um grande sucesso. Entretanto, Rózsa iria se superar em grandeza a majestade, na composição e orquestração de King of Kings.

Rei dos Reis inicialmente não se propõe a ser mais um filme sobre o mesmo tema. O design de produção conta com uma cinematografia em Super Technirama 70, um processo fotográfico derivado do Technirama convencional em 35 mm, mas com a captura feita com lente anamórfica. O resultado é então ampliado para 70 mm, com 6 canais de som estereofônico.

No caso específico de Rei dos Reis, somente as primeiras cópias exibidas estão neste formato. Todas as outras seguiram o padrão CinemaScope de 35 mm, com 4 canais estéreo ou mono. Quando meus pais me levaram no Metro Passeio para assisti-lo, a cópia era esta última, e eu não me recordo se a de 70 mm chegou nesta época ao Brasil. Acho isto pouco provável, porque o parque de exibidores para a bitola de 70 mm só começou a existir no meio da década de 1960.

A versão 70 mm Technirama, na relação de aspecto 2.20:1, pode ser vista nas edições de DVD e em Blu-Ray, esta última com absoluta fidelidade de imagem e som.

 O lado político de um filme religioso

Parece, em princípio, impossível ou complicado usar um tema religioso para fins políticos. Mas, em se tratando do que está escrito no Novo Testamento, esta tarefa está longe de ser difícil. E o maior exemplo disso foi o filme de Pier Paolo Pasolini “O Evangelho Segundo São Mateus”, apresentado nos cinemas de arte na década de 1960.

A propósito deste filme, eu o escolhi para apresentação no cineclube da faculdade em 1971. Nesta ocasião, todos os filmes com características políticas tinham a sua exibição negada pelas direções das unidades. A repressão não conseguia identificar o lado político do filme de Pasolini, mas este mostra um Cristo subversivo, como de fato o foi, e foi exatamente por conta deste lado perigoso do Messias que a alta cúpula judaica o quis ver eliminado. Na época, nós exibimos o filme de Pasolini e ninguém notou nada.

Em Rei dos Reis o lado político é bem mais sutil, mas igualmente presente. Em algumas cenas a ilação é um tanto ou quanto óbvia: logo no início do filme Herodes, rei imposto aos judeus, aquele mesmo que mandou matar todos os recém-nascidos, passa mal e pede ajuda ao filho Herodes Antipas, para momentos depois vê-lo empurrando-o do trono para baixo. Este mesmo Antipas cenas depois compensa a ambição pervertida de Salomé e ordena a execução de João Batista, este último incomodando todos os políticos e governantes locais, sem exceção.

Se alguém tem dúvida de que o diretor Nicholas Ray aproveita a chance de contrastar um Cristo pacífico e pacifista, em oposição aos déspotas detentores do poder local, basta assistir o seu filme com atenção. Ray mostra Barrabás como um revolucionário que pega em armas contra o regime romano. Mas Cristo nada prega contra os romanos e sim contra a hipocrisia dos que o cercam. Um usa violência e o outro palavras catequéticas. A história mostra que não só neste caso como em muitos outros, o poder das palavras supera o poder bélico, contra a derrubada do poder vigente.

 A beleza estética

Sem dúvida, Nicholas Ray foi um mestre na composição de planos em tela larga. Seus planos gerais mostram a magnificência e o poder da câmera na criação da imagem. As cenas do sermão da montanha exibem este tipo de beleza, alternando planos próximos, médios e gerais, em perfeita harmonia.

Jeffrey Hunter faz o Cristo “cool”, um homem sereno, de olhar doce, porém firme e decidido quando a ocasião se apresenta, sem temer a ninguém:

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Se, segundo os evangelhos, Cristo se fez homem para viver tudo o que um ser humano experimenta, incluindo dúvidas ou incertezas, então Jeffrey Hunter faz o papel com notável competência.

Em um papel igualmente delicado, a atriz irlandesa Siobham McKenna interpreta Maria, mãe de Deus, com compaixão e compreensão sobre as agruras humanas. Ela recebe Maria Madalena, conhecida como uma prostituta local, sem preconceito e com o espírito aberto. Se tal cena de fato existiu, deve ter sido esta a versão correta, pois Maria, mais do que a mãe do Cristo, é o símbolo da interventora de toda a humanidade na frente de Deus pai e seu filho.

Contar com atores competentes já é meio caminho andado, para qualquer bom diretor de cinema. Harry Guardino, em particular, empresta a Barrabás uma interpretação bastante forte, convencendo a plateia de que se trata de um patriota, e que acredita na expulsão dos romanos por meio da força.

Muito da passagem de Jesus pela terra é pouco explicado ou inexistente. Este talvez seja o principal motivo pelo qual a narrativa de algumas cenas deste e de outros filmes contém inúmeras sequências que só existem na cabeça dos roteiristas e do diretor. No final, o que importa é saber se a mensagem que fica corresponde a alguma coisa de pertinente ou útil, para se compreender o verdadeiro papel de Cristo na salvação da humanidade. E a resposta quem dá é a plateia que assiste este tipo de filme.

 O legado da cultura Cristã

O cinema cumpriu durante anos o seu papel como encenador de estórias bem contadas, e os filmes épicos se destacam neste quesito. Rei do Reis deixou também o seu legado, não só pelo esmero da produção como também por evitar a mesmice nos filmes sobre o Cristo.

Alguns outros aspectos da produção também deixaram as suas marcas. Curiosamente, os dois atores Jeffrey Hunter e Brigid Bazlen tiveram morte prematura, aos 42 e 44 anos de idade, respectivamente. Nenhum dos dois ficaria para contar a história deste filme. Ele, que morreu de acidente dentro do set de filmagem, e ela, que foi vítima de câncer por ser fumante inveterada. Bazlen, segundo sua filha, era pessoa tímida e falava pouco de sua carreira. No entanto, as cenas deste filme a mostram com indelével sensualidade e nos faz acreditar no lado sádico da sua personagem.

A vida de Cristo sofreu momentos na tela e interpretações diversas. Na década de 1970, raízes da contra cultura nos ofereceram a ópera rock Jesus Christ Superstar em disco e teatro e depois o filme. Ou o musical Godspell, título que é na realidade o trocadilho de “spell” (“feitiço” ou “magia”) de Deus, para “Gospel”, do inglês “Novo Testamento”.

Neste ano mesmo a vida de Cristo é reapresentada nos cinemas, por outro cineasta e atores. Parece, portanto, ser uma fonte que nunca se esgota, e certamente virão outras obras, tentando exibir alguma coisa obscura que o público ainda não percebeu. Afinal, mesmo com detalhes omitidos nas sagradas escrituras, a vida de Jesus tem aspectos que podem ser vistos pelos mais diversos ângulos, e independente de quem os interpreta ser uma pessoa religiosa ou não. [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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