A “inafundável” Molly Brown

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Na década de 1960 as produções musicais da MGM já tinham praticamente desaparecido. O último grande sucesso do antigo estúdio havia sido Gigi, dirigido por Vincente Minelli e produzido pelo incansável Arthur Freed.

O filme ganhou nada menos do que nove estatuetas Oscar e parecia ter fechado a fase musical da MGM com chave de ouro. E de fato o foi, momentaneamente pelo menos. Com o declínio do estúdio, as várias unidades de produção foram aos poucos desmontadas.

Mas, na década de 1960 ainda houve fôlego para produzir “Essa Loura Vale Um Milhão” (Bells Are Ringing, 1960) e em 1964 “The Unsinkable Molly Brown”, dirigida pelo veterano Charles Walters.

No Brasil, o filme teve o título “A Inconquistável Molly”, não sei por quê. Os tradutores preferiram se esquivar do uso do termo “Unsinkable”, que pode ser traduzido como “insubmergível” ou então “insubmersível”. Na produção de James Cameron “Titanic”, rodado em 1997, a personagem foi traduzida como “inafundável”, e ficou por isso mesmo.

Eu não vi as produções MGM de 1960 e 1964 no cinema, por qualquer motivo. Mas, consegui agora a cópia em Blu-Ray de “The Unsinkable Molly Brown”, na linha de lançamentos da Warner Archive Collection, já comentada por aqui.

Naquela altura de 1960 as antigas lentes CinemaScope já haviam sido substituídas por lentes Panavision, e sem as distorções vistas nos fotogramas obtidos com a lente anterior. Na verdade, tanto a MGM quanto os outros estúdios já tinham em vista a produção de filmes com o uso de fotogramas 65 mm, e várias das produções em 35 mm daquela época foram por isso mesmo ampliadas para 70 mm, e apresentadas em alguns cinemas neste formato.

Isso foi exatamente o que aconteceu com Molly Brown, que foi fotografado em Panavision 35 mm e depois ampliado para 70 mm. O interessante é que Cameron rodou Titanic em Super 35 e também ampliou para 70 mm, com som DTS.

Molly Brown, de Charles Walters, teve um relançamento em maio deste ano, com a Warner preservando a música de abertura e a de saída, o que é inestimável para os fãs de cinema. O filme dura cerca de duas horas e quinze, mas não tem intervalo.

Molly Brown ainda nos mostra a então veterana atriz da MGM Debbie Reynolds, em uma performance de tirar o fôlego, ao lado de Harve Presnell, que estreara no cinema com este filme, e que teve a chance de exibir a sua voz de barítono, com grande eloquência.

A gravação do áudio segue a tradição dos antigos musicais, tal a grandiosidade obtida na captura das vozes e instrumentos. A edição em Blu-Ray adota a trilha DTS HD MA, de 5.1 canais, e está estupenda.

O disco da Warner vem de uma recuperação do negativo, e isso se pode notar na qualidade da imagem. Acha-se aqui ou ali pequenas deteriorações dos fotogramas, mas no geral o balanço de cores e do contraste prova porque o Panavision derrubou o CinemaScope em termos de imagem. Não vi, mas posso imaginar a excelência desta apresentação em 70 mm.

O filme de Charles Walters é uma comédia musical, e começa propositalmente apostando na lenda da personagem Margareth Brown. Molly é um bebê, dentro de uma tina, e rolando na corredeira, mas que no final nada para a margem:

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Mais tarde, Molly (Debbie Reynolds, ao centro da imagem) durante o naufrágio do Titanic:

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No filme de Cameron, Molly Brown é apresentada na sua entrada ao navio, partindo do porto de Cherbourg, na França:

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E também (bem) mais tarde, no resgate dos passageiros:

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Ambos os filmes partem do princípio de que Margareth Brown era uma pessoa da roça americana, rude e iletrada, mas que casou-se com um homem que ganhou fortuna na mineração, impulsionando-a para classes sociais mais altas, nas quais ela não foi aceita.

Na vida real Margareth Brown parte para a Europa para ganhar cultura, mas as suas raízes e os seus modos e maneirismos continuam a discrimina-la pelos esnobes do bairro.

Em Titanic, o choque entre as classes domina a maior parte do filme, mas não se concentra em Molly Brown, e sim entre na paixão inesperada dos adolescentes Jack Dawson e Rose Bukater. Em anos recentes, o personagem Rose, encarnado pela atriz Kate Winslet, vem apanhando feio dos fãs, uns dizendo que ela foi egoísta ao não dar lugar ao namorado naquela prancha de madeira, no momento do afundamento, e outros condenando a traição feita ao noivo.

Em ambos os filmes, Margareth Brown é chamada de Molly, mas historiadores afirmam que os amigos a chamavam de Maggie, que é o diminutivo de Margareth. O fato de Molly ter vindo da pobreza para ficar super rica a tornou um tipo “Nouveau Riche”, e isso teria sido suficiente para que, perto das camadas sociais mais ricas, tanto na rua onde morava, como a bordo do Titanic, ela fosse evitada e desprestigiada.

Olhando as duas produções com cuidado, é possível notar a verossimilhança de Margareth Brown realizada com competência pela atriz Kathy Bates, ajudada talvez pelo fato de que Titanic foi roteirizado como drama, e o outro filme uma comédia musical. Não obstante, Bates até se parece na compleição física com Brown, o que lhe dá uma grande vantagem fílmica.

O filme de Charles Walters, por outro lado, começa a mostrar o abandono aos antigos métodos de produção de musicais. Nos anos seguintes, filmes do gênero foram construídos como enredos com música em alguns segmentos, mas não como “filmes musicais” propriamente ditos.

Apenas em 1969, Bob Fosse filmou Sweet Charity, que retorna a estes padrões, não por mera coincidência, mas porque Fosse foi dançarino e coreógrafo na antiga MGM. Aliás, Sweet Charity foi também ampliado para 70 mm e apresentado no formato Cinerama 70, no antigo cinema Roxy do Rio de Janeiro, onde eu o vi pela primeira vez.

Para os colecionadores, a nova edição de Molly Brown traz de volta o antigo vigor e o capricho na execução do roteiro que seus realizadores costumavam ter. Para mim pessoalmente, foi mas uma chance de ouvir uma trilha sonora muito bem gravada, e neste caso do disco da Warner, com uma remixagem exemplar para 5.1 canais. Em alguns momentos, o som chega a dar a volta na sala, e isto tem um efeito muito agradável na percepção do filme.

Luta de classes sempre foi e provavelmente continuará sendo um tema recorrente no cinema, nem tanto do lado americano, mas mesmo assim mostrando aspectos importantes de um tema tão delicado, que marca a intolerância e a injustiça social. [Webinsider]

. . . . .

Leia também:

http://br74.teste.website/~webins22/2016/04/21/redescobrindo-bergman/

http://br74.teste.website/~webins22/2016/07/27/warner-faz-recall-de-victorvictoria-em-blu-ray/

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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Uma resposta

  1. Caros leitores,

    A vida é de fato cheia de surpresas:

    Hoje, dia 29/12/2016, aparece nos jornais a notícia do falecimento da atriz Debbie Reynolds, exatamente um dia após a morte da filha Carrie Fisher. Debbie morre com 84 anos, vítima de AVC e a filha com 60, se não me engano, por infarto.

    Enquanto Carrie tinha ganhado notoriedade com o episódio 4 de Guerra Nas Estrelas, Debbie foi um dos maiores ícones dos musicais da Metro, e irradiava simpatia com os fãs. Seu casamento com Eddie Fisher foi cercado de tumulto, dizem que por causa do relacionamento extra-marital do cantor com a complicada Elizabeth Taylor, um escândalo na época que foi divulgado o assunto.

    Mas, nada impediu que os dois se casassem repetidas vezes. Do extinto casal vieram dois filhos, que se dedicaram a carreiras no cinema.

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