190 mil e subindo…

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A explosão de casos documentados e mortes provocadas pela Covid-19 tem ampla explicação no descaso da coisa pública, desde o ambiente acadêmico até os profissionais que militam todo dia em hospitais universitários ou públicos. A prática tem mostrado que discurso só não adianta e não resolve nada, é preciso agir imediatamente, caso contrário a situação irá piorar e não terá controle!

 

A gente olha as estatísticas de infecção do Covid-19 e se depara com números assustadores. Dia 27/12/2020, mal acabou o Natal, e o número total de mortes chega a 190.795 e deve subir ainda mais. Estamos lidando com 7.465.806 casos confirmados, sem contar com possíveis casos não relatados.

Duas coisas me impressionam mais ainda: uma delas, que grupos de pessoas parecem não acreditar na virulência do Covid-19, e outra, que a ausência, omissão, despreparo e corrupção das ditas autoridades nunca será verificada ou punida!

Logo no domingo passado eu vejo no noticiário a praia lotada, lotada, notem bem. Se o transporte público, sendo crítico, não tem solução quando ele se enche de passageiros, o acesso à praia não só é dispensável como necessário ser contido.

Chegamos então ao ponto de que as autoridades precisam recorrer ao autoritarismo, de forma a impedir que essas pessoas se aglomerem nas areias e sem máscara. Ora, a máscara é o tipo de proteção limitada, mas sem ela é impossível conter qualquer infecção cujo vetor de transmissão é aéreo.

Descaso e falta de saúde pública

Basta olhar a situação dos hospitais públicos que se percebe rapidamente que governo nenhum tem tido a preocupação mínima de mantê-los funcionando em condições de atender o público. Cabe ao poder público cuidar e manter o que é seu. Mas, na prática, o que se vê não é isso. Esta tarefa é sutilmente empurrada para terceiros, que a faz de forma duvidosa.

Grupos denominados genericamente de “organizações sociais” estão ali para supostamente otimizar a administração desses hospitais. A criação dessas organizações originou-se em lei de 15 de maio de 1998:

Lei nº 9.637, Art. 1º: O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.

Pesquisa científica, cadê ela? Desenvolvimento tecnológico? Aonde?

Se isso fosse verdade, nós teríamos os melhores hospitais do país, mas as notícias que correm céleres nos telejornais tornam evidentes os indícios de que as organizações sociais são um meio onde a corrupção generalizada toma lugar. Se estas evidências são verdadeiras ou não, somente uma auditoria séria poderá dizer se essas organizações cumprem o papel que a lei lhes determina.

Nos últimos meses todos nós assistimos o governo do Estado do Rio de Janeiro gastar fortunas em hospitais de campanha e respiradores obsoletos. Tudo isso é dinheiro do contribuinte, jogado fora ou indo parar no bolso de alguém.

É necessário saber por que e quem se beneficiou disso. Porque, com o número crescente de pacientes infectados faltam leitos a torto e a direito. E todos nós assistimos o desmonte desses hospitais e profissionais de saúde sem salário e/ou sem recursos para cumprirem as suas funções na linha de frente do enfrentamento da pandemia.

Fazer a lei é fácil. O problema é cumpri-la! Fala-se tanto na palavra “transparência”, mas a gente nota que os jornalistas investigativos cortam um dobrado para conseguir dados em suas pesquisas. Se para eles já é muito difícil, para nós é quase impossível.

A decadência do serviço público

Como é que pode, e por favor alguém me explique, como se chega a uma situação onde políticos mandatários são presos cotidianamente, acusados por desvio de dinheiro público?

As notícias a este respeito chegam a ser rotina. Só no Rio de Janeiro, 2 governadores e 1 prefeito ficaram nesta situação, e o último governador é vítima de tudo isso, junto com o afastamento e pedido de impeachment. Não é possível que seja mera coincidência!

Educação e saúde são um eterno binômio de promessas de campanha, e parece que o povo votante ainda acredita nisso. Uma vez no poder o administrador público demonstra que aquele discurso é só conversa.

Se um povo quer melhorar de vida, ele precisa desses dois recursos constantemente. A começar pelo salário do profissional, o qual, historicamente, sempre deixou a desejar. Junte a isso um Estado que tem uma dívida pública impagável e a consequência primária é a desvalorização do servidor público que trabalha nessas duas áreas.

Enquanto o servidor público é punido com a omissão do seu aumento a que faz jus, outros segmentos, entre eles o legislativo e o judiciário, se servem da lei para aumentar os seus proventos e privilégios indiscriminadamente.

A nossa classe, a de professores universitários, teve dois pagamentos de rubrica, transitados em julgado, retirados do contracheque, por ação da União. O que prova que a classe jurídica não cumpre a lei, que reza que quando um processo é transitado em julgado não cabe mais recurso.

A última rubrica, de 26,05%, foi retirada do contracheque e anunciada justamente no Dia do Mestre, acreditem se quiser. Isso foi de uma maldade imperdoável. A associação de docentes da UFRJ entrou na justiça, mas as chances disso ser revertido são mínimas, porque a justiça já se mostrou comprometida com o poder, atacando direitos adquiridos!

A decadência dos hospitais universitários

Eu vi, ninguém me contou, jovens médicos e professores médicos, irem ao exterior e, depois de estágios em medicina terciária, chegarem cheios de ideias e projetos, que nunca foram adiante.

O investimento de mandar um profissional de elite para o exterior deveria ter um retorno na continuidade de suas atividades, uma vez de volta no país. Mas, sem recursos, como isso seria possível?

Os hospitais universitários se apoiam, ou deveriam se apoiar, no conhecido binômio ensino-pesquisa. Um médico se forma em seis anos, mas se ele quiser ir adiante, terá que fazer residência em sua especialidade, o que não é fácil. Se for, por exemplo, em cirurgia cardíaca, mais de 10 anos são tomados da vida do residente.

É profundamente lamentável, portanto, que se forme um médico com alto grau de exigência acadêmica, para vê-lo depois atravessar todo o tipo de dificuldade no exercício da sua profissão.

E é o próprio serviço público, com suas barreiras mastodônticas e fortemente amparadas na burocracia, quem cria a ausência de condições para que o profissional de alto nível coloque na prática o que ele aprendeu com sacrifício.

Todos nós que militamos na área médica, e isso inclui farmacêuticos, nutricionistas, dentistas e enfermeiras, estimulamos a educação continuada. Ela é necessária, porque a ciência avança todo dia. Os professores recorrem a estudos de pós-graduação e precisam se manter sempre atualizados, de forma a garantir o bom nível da educação continuada.

Se as administrações públicas não entenderem este processo, eu lhes garanto que não é só o meio acadêmico que sofre, mas o país como um todo!

Querem prova? Quantos respiradores anacrônicos ou fora das especificações foram comprados para os hospitais de campanha, inclusive para aqueles que foram depois desativados?

A comunidade acadêmica não tem valor nesse país, pouco importa a pandemia ser grave ou não. Os políticos usam os profissionais acadêmicos como figura de retórica. Nenhum deles quer saber ou toma conhecimento dos entraves que a academia enfrenta, toda vez que alguém resolve desenvolver um projeto e não consegue fomento.

No último laboratório onde eu trabalhei, um dos meus colegas conseguia fazer a pesquisa ir rodando porque ele tinha um acordo com uma universidade americana, que mantinha o projeto como um todo financeiramente seguro. Não fosse isso, a pesquisa dele teria parado!

Neste país, a universidade pública ainda é o esteio do desenvolvimento de qualquer área de pesquisa e trabalho. Retirar recursos de um hospital universitário é um desserviço no desenvolvimento do seu principal papel: formar profissionais de alto nível na área médica.

Quando hoje se olha uma pandemia como a atual é que se pode observar com clareza os anos de omissão com a coisa pública. Não adianta que profissionais da área venham a público recomendar medidas de prevenção contra as infecções de terceiros, eles simplesmente não são ouvidos!

Neste momento, nós estamos atravessando um momento mais delicado do que se imagina. O número de casos e de mortes tende a subir, porque não se pode resolver problemas crônicos de desatenção com a saúde pública da noite para o dia. E se em algum momento nada for feito as consequências com esta e outras pandemias serão desastrosas.  Outrolado_

 

. . .

 

O funil de vendas aplicado ao mercado odontológico

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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0 resposta

  1. Enquanto isso o mandatário da nossa nação fez uma demonstração de absoluta provocação, arrogância e indiferença durante a vigência do decreto estadual de Lockdown nas praias do estado de São Paulo, e pulou de uma lancha da Marinha nadando ao encontro de centenas de banhistas, escoltado por dezenas de agentes, provocando um enorme tumulto e aglomeração numa praia do litoral norte. Tal atitude demonstra sua insensibilidade até mesmo com o recente caso de falecimento da avó da 1a Dama por Covid 19. Como diriam, esse país está vivendo uma crise institucional, sem governo, sem comando, e com um presidente agindo pior que seus antecessores. E esse “ser” ainda pretende se candidatar a reeleição. Por favor o último que sair apague a luz e feche a porta, pois a saúde pública saiu do controle, e só por um milagre ou se ficarmos enclausurados em nossas casas, conseguiremos sobreviver a essa pandemia.

    1. Pois é, Rogério, o atual presidente desdenhou a virulência do Corona desde o início da pandemia, dando assim um péssimo exemplo!

      É triste ver que o povo não colabora. Aconteceram festas clandestinas, onde multidões de irresponsáveis se aglomeravam sem máscara. Na minha redondeza pessoas soltaram fogos até de manhã, e o baile funk da favela mais próxima só parou próximo das 6 horas da manhã. Aconteceu um incidente nesta mesma favela, durante a madrugada: tiros foram disparados, uma criança que espiava o baile foi atingida e morreu. E nem assim o baile foi interrompido!

      No dia seguinte, dia primeiro, eu leio no site do Globo uma coluna onde o autor chama a nossa sociedade de “darwiniana”, em referência ao primitivismo de comportamento. Ora, eu mesmo, que não tenho a estatura do colunista, já mencionei que a promiscuidade nas favelas é um fator de risco grave em qualquer pandemia cujo agente etiológico se transmite pelo ar.

      As últimas notícias do sucesso da vacina de Oxford nos fazem ver pelo menos uma luz no fim do túnel.

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