Godard: a morte premeditada de um semideus da Nouvelle Vague

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Jean-Luc Godard, já com idade avançada, resolveu por um fim à vida, com um suicídio programado. Assim desapareceu mais um dos cineastas que se tornaram sinônimos do movimento chamado de Nouvelle Vague.

 

Tomei conhecimento que na terça-feira dia 13 p.p., foi anunciada da morte de Jean-Luc Godard, mas não de forma natural, e sim por suicídio assistido, permitido legalmente na Suíça a estrangeiros.

Segundo a imprensa, morte idêntica terá o ator Alain Delon, com o apoio da família. A morte assistida de ícones ligados ao cinema não deixa de causar surpresa, no caso de Delon, pela incapacidade de aturar doenças crônicas da sua velhice.

Jean-Luc Godard foi presença constante no movimento de cineastas franceses, chamado de “Nouvelle Vague”, ou “Nova Onda”, se quiserem. O assunto foi amplamente comentado em um texto publicado no Webinsider, por volta de 2013.

Sem querer voltar ao passado já remoto, eu apenas diria aos atuais leitores que Godard foi um cineasta cercado de polêmicas, mas não foi o único desse tipo em sua época mais profícua. Teria sido dele a iniciativa de rasgar as cortinas de uma das telas de cinema, que projetava filmes durante o Festival de Cannes. Se foi ele ou não, este ato foi perpetrado para desconstruir a mística do cinema como arte fundada na ilusão, que ele sempre teve como premissa do seu trabalho.

Certa feita o diretor Stanley Donen fez críticas a Godard, quando este se referiu ao cinema como uma arte capaz de espelhar a verdade, alusão óbvia ao chamado “le cinéma vérité”, feito por cineastas franceses durante a década de 1960.

É bem possível que Donen não tenha capturado o espírito dos franceses nas suas tentativas de fazer o cinema espelhar a realidade, já que ele fez parte da chamada “fábrica de sonhos” Hollywoodiana, durante principalmente o período do studio system.

A influência da Nouvelle Vague

Alguns atribuem a Godard a invenção da Nouvelle Vague, mas na realidade ele foi apenas mais um dos vários cineastas que fizeram parte deste movimento.

O cinema francês teve significativa presença no Rio de Janeiro, graças às iniciativas da Franco-Brasileira, que construiu o Cinema Paissandu e depois o Tijuca Palace, este último com uma união estreita com a Cinemateca do MAM, durante a década de 1960. Toda quinta-feira, o pessoal do MAM programava um filme, que era exibido o dia todo.

O forte, entretanto, do Tijuca Palace e do Paissandu, era o de exibir filmes europeus classificados como “cinema de arte” pelos críticos da época. E foi ali que, no fim da minha adolescência, eu tive acesso a este tipo de cinema, na época ainda muito imaturo para entender a maior parte das mensagens subjacentes de cada cineasta de vanguarda.

Como adolescente, eu assisti com enorme interesse o filme À Bout de Souffle (no Brasil, “Acossado”), quando ele foi reprisado no Tijuca Palace. Neste filme marca presença a muito bela e controvertida atriz americana Jean Seberg, que depois acabou se envolvendo em movimentos antirracistas em seu país.

Godard fez o filme, que foi o seu primeiro, mas com a ajuda de François Truffaut, entre outros. Os dois eram amigos, mas a amizade azedou, pela insistência de Godard de realizar filmes com cunho político e antiamericanos.

Eu hoje, na minha velhice, não tenho vergonha de admitir ou confessar, que aqueles filmes do Godard eram muito chatos, e inexpugnáveis, diante de roteiros crípticos, somente endereçados àqueles que conseguiam extrair alguma coisa de útil. Um dos vários motivos da minha falta de paciência com Godard era a sua narrativa monótona, recheada de um falatório igualmente tedioso entre os personagens, e sem a esperança de ver continuidade nas cenas.

Mas, isso sou eu, na minha ignorância. Anos atrás eu assisti no YouTube uma professora dissecar e falar maravilhas de alguns desses filmes, e eu fiquei surpreso como ela achou tanta coisa naquelas cenas. Confesso também, que não me motivou para revisitar os filmes comentados. Como também não quis preservar na minha coleção de filmes em disco a maioria dos filmes franceses que eu gostei muito, nenhum deles do Godard.

A Nouvelle Vague teve o poder de influência até nos estúdios norte-americanos. Fica fácil ver esta influência no filme de John Frankenheimer “Seconds” (no Brasil, “O Segundo Rosto”). Este filme, aliás, teve uma sequência inteira cortada pela censura, mas depois recolocada de volta.

Nos Estados Unidos, sempre houve um cinema alternativo, como, por exemplo, os filmes “underground”, ou filmes comerciais, mas com roteiros muito pessoais, como aqueles feitos por Woody Allen. Mas, como sempre, a escolha por roteiros visa o mais imediato dos lucros, ou seja, se vende uma ideia ou um personagem, e se faz quantas reprises puderem arrecadar uma grana nos cinemas.

Tudo tem seu tempo

Eu aposto que se eu perguntar a um cinéfilo jovem se ele ouvir falar em Jean-Luc Godard, não me surpreenderia que ele ou ela me dissesse que conhecia Luc Besson, que lembra apenas de passagem o movimento francês da década de 1960.

Eu recomendaria a alguém inexperiente assistir o filme do Truffaut “La Nuit Américaine” (no Brasil, “A Noite Americana”), no qual o cineasta fala muito dos bastidores e dos sentimentos dos realizadores franceses. A propósito, “Noite Americana” é uma técnica usada em cinematografia para simular uma cena noturna em plena luz do dia. Ela é feita com um filtro específico para este tipo de tomada.

Creio que, salvo maior juízo, não seria possível repetir o que aconteceu nos cinemas na década de 1960, quando jovens estudantes iam em bloco aos cinemas de arte, à procura de algum filme fora do habitual. Nas cinematecas da época, Museu de Arte Moderna e Museu da Imagem do Som, por exemplo, havia uma idêntica procura. Sem falar nos cineclubes, quando se alugava um filme de uma distribuidora, dentro do mesmo espírito!

Eu entendo que obras culturalmente importantes do passado devam ser reprisadas e revisitadas regulamente, de alguma maneira. Os cineclubes parece que desapareceram, vários museus não têm mais a mesma iniciativa, por razões diversas.

Jean-Luc Godard, controverso ou não, foi um ícone do cinema de vanguarda. Quem nunca viu um de seus filmes, mas se interessa por cinema, deveria vê-lo, e aproveitar para conhecer o que pensavam os cineastas franceses do passado. Outrolado_

 

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Filmes em 16mm e o movimento cineclubista

 

Os Guarda-Chuvas do Amor

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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