A história do mouse e os avanços da computação gráfica

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Doug Engelbart inventou e desenvolveu o mouse, mas foi ignorado na época. Defendeu também a ideia de ligar computadores em rede e só o tempo mostrou que tinha razão. Suas ideias sempre tiveram o objetivo de aumentar a capacidade de aperfeiçoamento das pessoas.

 

Existem pessoas que são visionárias nos seus campos de trabalho, mas todas as ideias e avanços conseguidos por elas são fartamente ignorados. Quando Doug Engelbart inventou o mouse, um dos seus vários projetos, a sua descoberta passou batida na comunidade científica, e entre os primeiros proponentes da microinformática, ainda muito incipiente nesta época.

Doug Engelbart formou-se em engenharia elétrica na Universidade da California, em Berkeley, com especialização em ciência da computação. Pós graduou-se como Mestre em Ciência em 1953, e PhD em 1955. Chegou a lecionar em Berkeley como Professor Assistente por um ano e depois saiu de lá, com o objetivo de conseguir recursos para desenvolver seus projetos. A saída de Berkeley também foi motivada pelo menosprezo que colegas seus deram às suas ideias, chegando a insinuar que ele era maluco ou delirante.

A comunidade acadêmica ficou anos refratária ao uso de um computador como ferramenta de trabalho. Eu mesmo vi esta atitude dentro da UFRJ, de pessoas que não entendiam o potencial do computador como ferramenta, a única máquina capaz de realizar múltiplas tarefas, portanto o que aconteceu com Doug Engelbart não me causou surpresa, pelo contrário, só veio confirmar algo que eu já tinha vivido.

Doug Engelbart juntou-se mais tarde, em 1957, ao Stanford Research Institute (SRI), onde criou um laboratório de pesquisa e desenvolvimento, formando um grupo de colaboradores.

Este laboratório, que levou o nome de Augmentation Research Center, começou seus trabalhos em 1960. O objetivo principal deste laboratório foi o de achar métodos para aumentar a capacidade de raciocínio das pessoas, e criar ferramentas que possibilitassem criar outras ferramentas melhores, que criassem mais ferramentas, etc., sempre com o objetivo de tornar tarefas complexas mais simples e ao acesso de todo mundo.

A criação do mouse se baseia neste conceito de criação de ferramentas proposto por Doug Engelbart. Em 1967, ele requereu a patente, concedida em 1970, para o seu projeto no qual ele, com a ajuda de seu colega Bill English, criou o mouse.

Em entrevistas mais recentes, Engelbart afirma que nunca soube de fato como o nome “mouse” (ou seja, “camundongo”) apareceu, mas acabou deixando o nome como parte do aparelho. O cursor da tela foi chamado de “bug”, porque parecia um inseto, mas o apelido nunca foi usado.

 

Neste vídeo de demonstração se tem uma pálida ideia do que Doug Englebart foi capaz de idealizar e fazer com o seu grupo. Na realidade, ele foi convencido por seus colegas e colaboradores a falar sobre o mouse em público, e o fez apreensivo da sua aceitação.

Bill English foi um dos mais próximos colaboradores de Engelbart. Juntos, eles usaram o protótipo para várias tentativas de mudanças e aperfeiçoamentos, como a inclusão de mais de um botão na parte de cima do mouse, ou a inversão do protótipo para a movimentação manual das coordenadas, uma espécie de trackball.

Aqui o curioso é que Engelbart declarou em entrevista, anos depois, que, se dependesse dele, seriam colocados muitos botões no mouse, e isso hoje é a realidade que se encontra nos modelos mais modernos, com cinco ou mais botões programáveis.

No vídeo a seguir, gravado para o Computer History Museum, se pode ouvir o que Bill English e Engelbart tinham a dizer sobre o mouse e outros projetos. Nota-se a visível timidez do inventor, em dados momentos suas mãos tremem, segurando uma réplica do protótipo.

 

A ideia básica por trás do mouse foi a de aumentar a interatividade entre o usuário e o computador, e notem que isso aconteceu muitos anos antes da criação do computador pessoal. A ideia se aplicava ao desenvolvimento de uma interface gráfica com o usuário final, uma forma de poder alcançar comandos com o uso de um cursor posicionado nas coordenadas dos eixos de X e Y da tela.

E é isso que, basicamente, o mouse faz: deslocar um cursor no espaço da tela do computador, de modo a ele ser posicionado para executar comandos sem nenhuma linha digitada. No protótipo do mouse duas rodas deslocam o cursor para essas coordenadas.

Em designs posteriores, foram acrescentados mais 2 botões (3 no total), para aplicar comandos em hipertextos, igualmente desenvolvido por Engelbart. O hipertexto é sinônimo de conexões (links) com informações de vários tipos. E, diga-se de passagem, ele foi peça fundamental durante o desenvolvimento da World Wide Web, onde, através dele, foi possível “saltar” de um acesso a outro, dentro do mesmo programa de navegação.

O novo mouse, ainda com rodas, se transformou em produto, desenvolvido pela SRI, em 1968:

As primeiras consequências de um produto inovador

A vida de qualquer um tem caminhos imprevisíveis, e difíceis de prever. Bill English, co-desenvolvedor do protótipo e do mouse de 3 botões, juntou-se à equipe de pesquisadores do Palo Alto Research Center (PARC) da Xerox, em 1971 e levou o mouse com ele:

Neste novo modelo, as rodas já tinham sido substituídas por uma bola de rolamento, tornando o mouse bem mais compacto e ágil.

O grupo de pesquisadores do Xerox Parc vislumbrou uma maneira de tornar um computador fácil de usar até mesmo por uma criança. Como a criança explora informações e ganha experiência através da observação e do tato, o mouse se tornou o instrumento ideal para aumentar o contato do usuário com o computador.

Mas, a falta de visão da Xerox e o alto custo do computador Alto, resultante deste trabalho, acabaram impedindo a sua comercialização. Isso só viria a mudar quando Steve Jobs foi chamado para ver o Alto e usou todas aquelas ideias de interface gráfica para criar o MacIntosh, vendido a partir de 1984, com enorme estardalhaço publicitário.

Aliás, como o mouse não era dele, Jobs não conseguiu impedir que a Microsoft e a IBM, fora outras empresas da época, de usar o mouse para as interfaces gráficas criadas por eles.

Quando Steve Jobs lançou o MacIntosh, Doug Engelbart disse a ele que naquele computador ele havia esquecido de incluir o item mais importante: a ligação da máquina em rede (“networking”).

Segundo testemunhas, aparentemente Jobs não entendeu nada. E, neste aspecto, nem Bill Gates, que só foi mandar programar o Internet Explorer anos depois do Windows ser lançado, e assim mesmo depois de copiar o Netscape da Mozilla para competir com ele.

Aí se nota a diferença entre Doug Engelbart, Steve Jobs e Bill Gates. O primeiro, desenvolveu projetos para o bem da ciência e para aumentar a capacidade de produtividade das pessoas, enquanto que os outros dois desenvolveram produtos para vende-los e ficarem ricos!

O tempo provou que Engelbart estava certo, anos antes do estabelecimento das redes de computadores, que cederam depois lugar para a Internet.

Uma etimologia distorcida

O usuário brasileiro que se aventurou e se educou no início da microinformática, circa 1980 em diante, usou palavras e jargões sem nenhum tipo de tradução. A grossa maioria das palavras e termos usados em informática vem da língua inglesa. O que o usuário daqui fez foi criar neologismos, neste caso do mouse, errado, inclusive.

Eu me lembro de palavras como “deletar”, no lugar de “delete”, ao invés de apagar, ou “job”, para expressar trabalhos de impressão. Atualmente, se fala em “print” como sinônimo de captura de qualquer coisa. No passado, termos como “printar” também foram usados, no lugar de “imprimir”.

Palavras como “escape” (sair fora) e “mouse” (camundongo), nunca tiveram tradução. Os nossos confrades portugueses chamam o mouse de “rato”, ainda mais errado, porque camundongo e rato são roedores completamente diferentes.

No início da microinformática falava-se em “dar um boot no computador”, quando então boot era sinônimo de ligar ou religar a máquina. O termo boot vinha de bootstrap, que é o nome do processo de partida ou inicialização do sistema.

Mas, existem dois tipos de partida: 1 – a partida a frio (“cold boot”), quando o computador é ligado pela primeira vez; e 2 – a partida a quente (“warm boot”), quando o computador precisa ser reinicializado (dizia-se “ressetado”). Todos esses jargões do computês foram usados anos a fio, desde o início, e alguns são usados até hoje, e por isso não é incomum se ouvir alguém dizer para “dar um ressete” na máquina.

Mudanças e aperfeiçoamentos

O “rato”, ao longo de sua trajetória, sofreu modificações de tudo quanto é tipo. A primeira delas foi a substituição das 2 rodas do mouse original por uma bola de borracha. Credita-se à Telefunken ter introduzido a trilhagem por bola no modelo RKS 100-86, lançado em 1968. O mouse levado por Bill English para o Alto em 1971 também usava uma bola de rolagem, como já mostrado acima.

Embora fosse uma substituição original e bastante produtiva, o uso da bola de rolamento trouxe problemas, o pior deles foi o de arrastar poeira para dentro do gabinete do mouse. Isso obrigou os fabricantes a desenhar o mouse montando a bola com um suporte que poderia ser aberto, para que a bola fosse retirada e limpa.

Este inconveniente só foi mudar com a eliminação completa da bola, que acabou ficando restrita aos mouses do tipo “trackball”, onde o usuário ele próprio movimenta a bola com os dedos.

A eliminação da bola de rolamento foi conseguida pela maneira como o mouse lê imagens em movimento, calculando a diferença entre uma imagem capturada em um dado momento e a imagem seguinte.

A leitura propriamente dita é resultado da emissão de luz na imagem e a captura da imagem por um sensor ótico. A computação da diferença das imagens faz o cursor se deslocar para o lado em que o mouse se movimentou. O processamento termina em uma fração de segundo, caso contrário o deslocamento do cursor aparecerá na tela depois do mouse deslocado.

Atualmente, este tipo de design tem alcançado progressos extraordinários, não só no tipo e no uso das fontes de luz, como nos sensores. Cada sensor mapeia a imagem, segundo uma dada resolução, que é determinada em dpi (“dots per inch” ou pontos por polegada). Em alguns tipos de mouse esta resolução pode ser ajustada, de acordo com o tipo de aplicação pretendida.

Sensores de modelos atuais são sofisticados o suficiente, para conseguir medir a diferença de imagens em qualquer superfície. O tapete de mouse, inicialmente concebido para evitar o acúmulo de poeira nas bolas de rolamento, e depois para tornar suave a movimentação do mouse, pode, desta forma, ser completamente dispensável.

Fontes de luz previamente usadas chegaram a exigir tapete de uma determinada cor, assim que foi factível usar tapetes de cor “chapada”, sem qualquer imagem específica. Com os sensores atuais, isso não é mais necessário!

Um outra área que tem sido muito aperfeiçoada é a do circuito de captura e transmissão dos sinais de deslocamento. Com a miniaturização de componentes, o mouse pode ser desenhado de formas nunca antes previstas.

Além disso, a transmissão do sinal sem fio, seja por Wi-Fi ou por Bluetooth, simplificou radicalmente a instalação e uso do mouse, que pode então transmitir em um ou ambos os protocolos simultaneamente. Desta maneira, o mesmo mouse pode ser usado em vários tipos de dispositivo, de acordo com os respectivos receptores de sinal.

Os receptores, por seu turno, podem aceitar mais de um transmissor, em qualquer um desses protocolos. Assim, o usuário instala teclados ou mouses, com a inserção na porta USB ou similar, de um único receptor.

A Logitech, por exemplo, usa um receptor Unifying para Wi-Fi e Bolt para Bluetooth, e ambos podem ser instalados no mesmo computador ou em computadores diferentes, simultaneamente. Um programa gerenciador permite que mouse ou teclado possam ser emparelhados no protocolo desejado, e depois customizados em todas as suas funções:

O mouse MX Anywhere 3, mostrado no exemplo acima, é um mouse capaz de trabalhar com até 3 computadores, tanto com adaptadores Wi-Fi quanto adaptadores Bluetooth. Algoritmos do tipo Flow (Logitech) deixam o usuário posicionar o cursor do mouse em mais de um computador, integrando assim informações, que podem ser transferidas ou copiadas de uma máquina para a outra, ou então, permitir rodar aplicativos diferentes em cada um dos computadores conectados ao mesmo mouse.

O legado dos visionários

Como se vê, a invenção de Doug Engelbart dá frutos até hoje. Seria impensável usar um computador ou dispositivo semelhante sem usar o mouse. Em tese, a informática foi a ciência que permitiu que criadores dessem asas às suas imaginações. Programadores se tornaram capazes de desenvolver aplicativos e aplicações de tudo o que a imaginação lhes permite.

Visionários são aqueles que enxergam possibilidades além dos seus tempos. Eles sonham com algum projeto que julgam serem factíveis, em um futuro próximo ou remoto. Mas, nem sempre são reconhecidos como tal.

Até usuários avançados podem hoje não se dar conta de que a arquitetura dos seus computadores foi resultante daquela preconizada por John Von Neumann, em épocas remotas.

Alan Turing, por exemplo, vislumbrou uma máquina de computação universal, e assentou as bases da inteligência artificial. Chamou de “Jogo da Imitação” a capacidade teórica de um computador conseguir pensar ou reagir como um ser humano, e propôs o teste que iria poder demonstrar este tipo de capacidade.

O teste consiste na interação entre uma pessoa e um computador. Se a programação deste último convencer a pessoa estar lidando com outro ser humano o teste terá tido sucesso.

Hoje, a inteligência artificial é usada em praticamente todos os equipamentos classificados como “Smart”, outra palavra usada sem tradução, sinônimo, no original, de pessoa inteligente.

Falando, de passagem, sobre “inteligência”, eu sou um que preferiria usar o termo “lógica”, que é uma atividade cerebral, que todo mundo exerce em uma maior ou menor escala, e somente se aprende ao longo da vida. Porém, existem mitos a este respeito, que fazem parte do preconceito social.

Humanos, sejam homens ou mulheres, amadurecem em tempos completamente diferentes. E não é possível, na maioria dos casos, prever o tempo gasto na assimilação de qualquer disciplina. Einstein, um dos maiores gênios da humanidade, até uma certa idade não conseguia se educar corretamente, e chegou, segundo alguns historiadores, a ser classificado como “incapaz”, durante a sua adolescência.

O fator tempo será sempre o determinante da concretização do amadurecimento e da capacidade de realização de qualquer pessoa. Na sala de aula, o bom professor é aquele que admite que o tempo necessário para se aprender qualquer coisa varia de um aluno para o outro, e nunca se deve classificar um aluno como incapaz de aprender.

Uma sociedade só amadurece com conhecimento e acúmulo de culturas específicas. Se alguém é dotado de bom senso, terá sempre a cabeça aberta para o novo e a expectativa de que novas ideias podem um dia espelhar uma modificação importante do comportamento da sociedade.

Mas, o bom senso e a conquista do conhecimento são fundamentais para se atingir este objetivo. Muita gente hoje tem um computador nas mãos, na forma de um telefone celular, mas nem sequer se propõe a entender o que é isso. Outrolado_

. . .

Steve Jobs, o controvertido empreendedor

 

A informática do passado da qual não tenho a menor saudade

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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