Quando as telas de cinema ficaram curvas

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O cinema combateu a presença dos televisores nos lares americanos com novos formatos de tela e som estereofônico. Soluções que fizeram muita gente retornar aos cinemas e guardar lembranças importantes até hoje.

 

Durante décadas a indústria cinematográfica norte americana gerou fortunas para, principalmente, os grandes estúdios, mas não mais que de repente a receita das bilheterias começou a cair de forma irreversível, inviabilizando novos gastos com as produções seguintes.

A gastança com filmes levou esses grandes estúdios próximos da bancarrota várias vezes. Logo cedo, os magnatas de cinema mais experimentados sabiam que alguma coisa tinha que ser feita. E como uma das principais ameaças às receitas de bilheteria começou com a maior presença da televisão nos lares americanos, a solução mais imediata seria oferecer tudo o que o cinema podia oferecer e a televisão não.

Havia experimentações de formatos de projeção e som estereofônico desde a década de 1930, mas cuja implementação nas salas de projeção demandava custos elevados para o exibidor.

Foi este um dos motivos pelos quais o formato Fox Grandeur de bitola 70 mm (1930) não deu certo. O mesmo se aplica ao filme Fantasia, de Wat Disney, com o som estereofônico Fantasound, em 1940. Para ambos os formatos, os cinemas teriam que fazer modificações em suas instalações, as quais implicavam em custo elevado.

Mas, a pressão em cima dos exibidores aumentou muito ao final da década de 1940, com a entrada da televisão. Frequentadores noturnos, em particular, começaram a se evadir das salas de cinema, preferindo ficar em casa vendo programas de televisão. Assim, em 1952, um projeto arriscado e de custo elevado, mas sofisticado por natureza, foi lançado com o nome de Cinerama.

Remendando problemas ao logo do tempo

A M-G-M experimentou com o widescreen plano, bitola de 35 mm e projeção em 1.85:1 e som estereofônico. Porém, o Cinerama tinha uma outra proposta, que era a de aumentar o campo de visão periférica, através de uma imagem disposta em tela curva, de enormes proporções. Naquele momento, todos os testes prévios levaram seus produtores a aplicar resultados nesta direção, conseguidos através da filmagem de 3 películas de 35 mm, que seriam projetados simultaneamente. O som, por seu turno, seria reproduzido em filme magnético de 35 mm, em síncrono com a imagem.

A instalação do Cinerama implicava na construção de 3 cabines, com a projeção das cópias chamadas de A, B e C. As cópias foram apelidadas de Able (cabine da direita), Baker (cabine do centro) e Charlie (cabine da esquerda). O cinema precisaria também instalar amplificadores e caixas acústicas, de acordo com o formato.

Quem exibiu Cinerama precisou adaptar o auditório e modificar as cabines, ou então construir um cinema novo, como foi, aliás, o caso do Comodoro, em São Paulo.

Além disso, o preço da produção de um filme em Cinerama era não só elevado, mas exigiria técnicos capazes de se virar com o sistema. Os poucos diretores que se aventuraram nesta direção não gostaram da câmera pesada e difícil de locomover. Cada tomada precisava ser dimensionada, em função da largura e altura da tela do formato, e isso deixou muita gente sem saber como resolver isso, já que a linguagem tradicional do cinema, até então, não demandava este tipo de enquadramento.

Uma outra coisa que sempre me chamou a atenção com relação aos filmes em Cinerama foi a decisão bizarra de realizar filmes de demonstração, sem enredo, com cenas enfadonhas, que terminaram por tornar repetitivas essas produções. Alguns poucos filmes foram feitos com roteiros baseados em uma estória, e mesmo assim, com a precariedade de movimentação das câmeras. Em outras palavras, o Cinerama era um investimento elevado, e tinha tudo para dar errado.

Michael Todd foi um que enxergou tudo isso, e contratou a American Optical para desenvolver um processo de filmagem que desse fim ao formato de 3 películas. O Todd-AO resgatou o negativo de 65 mm, antes abandonado pela Fox, e produziu cópias retificadas, para a projeção em tela ultra curva, como o Cinerama tradicional. O som estereofônico foi incorporado na película, na forma de bandas magnéticas. Além disso, Todd comissionou a Philips para desenvolver um projetor capaz de usar as bitolas de 35 e 70 mm, e assim nasceu o Philips DP-70.

A instalação do Philips DP-70 deu ao exibidor a segurança de que poderia continuar projetando películas convencionais, quando necessário, ou seja, uma vez instalados os DP-70, nada mais acarretaria outros gastos.

Notem que o Todd-AO não foi o único formato de tela com a curvatura do Cinerama que foi produzido. Além dele, apareceu o formato Dimensão 150, exibido em poucos cinemas. Filmes rodados em Dimensão 150 poderiam ser exibidos em 70 mm sem tela curva

A entrada e a economia do CinemaScope

O CinemaScope, rodado e projetado com lentes anamórficas, foi o formato que ofereceu aos exibidores o menor custo de adaptação das salas de cinema, que só precisaram instalar lentes e telas novas, além do leitor de som estereofônico, montado na parte de cima dos projetores. Posteriormente, cópias com banda ótica dispensariam o uso do leitor magnético.

Quando a Fox partiu para conseguir a licença do uso das lentes anamórficas inventadas pelo Professor Henri Chrétien, a ideia era de permitir a projeção dos filmes em tela larga em qualquer cinema equipado com uma tela para CinemaScope. Essa tela não precisava ser ultra curva como os anteriores, mas larga o suficiente para permitir o aumento da visão periférica. A relação de aspecto original foi de 2.55:1, mudada logo depois.

Eu alcancei essas primeiras telas ainda adolescente. Vários filmes em disco do início do CinemaScope tem a relação 2.55:1 dessas telas. A largura inicial era um tanto exagerada, mas posteriormente, a relação de aspecto “scope” mudou para 2.35:1, e assim os exibidores precisaram reformatar as suas telas. O principal motivo desta mudança de relação de aspecto foi a introdução da película “magoptical”, que continha as bandas magnéticas para o som estereofônico e a banda ótica, para o som mono convencional, no mesmo filme.

A Fox teve que mudar a relação de aspecto porque muitos exibidores usavam lentes apropriadas, mas os cinemas não eram dotados de sistemas de som para 4 canais. A reprodução da banda ótica em mono propiciou o aumento dos cinemas adaptados para o CinemaScope. Além disso, a Fox espertamente licenciou o formato anamórfico para outros estúdios, e foi assim que a projeção em CinemaScope se alastrou.

Antes das cópias de distribuição com banda magnética e ótica na película, somente os cinemas com som estereofônico poderiam exibir as películas em CinemaScope, e isso feria a sua principal virtude, que era a de simplificar a reinstalação dos sistemas de projeção pela simples mudança da tela e da adoção da lente anamórfica. Ao distribuir cópias magoptical todos os cinemas sem exceção poderiam projetar filmes em CinemaScope, que foi o que aconteceu. Notem que as telas scope estão aí até hoje!

O Manto Sagrado

O Manto Sagrado foi filmado em dois formatos: CinemaScope (2.55:1) e plano no formato da academia (1:37:1) para os cinemas sem as lentes e telas apropriadas.

Da mesma forma, quando o Todd-AO começou, além da filmagem em 70 mm, os filmes foram também rodados em CinemaScope, pela Fox.

A Fox atraiu multidões aos cinemas com a exibição do filme O Mando Sagrado (The Robe), que não foi o primeiro filme feito em CinemaScope como anunciado, mas sim o primeiro filme lançado no novo formato.

A decisão do estúdio em alterar a ordem de lançamento foi muito astuta, porque este era um filme para todas as idades e de grande apelo popular!

A produção foi cercada de problemas técnicos, mas que depois passaram transparentes a quem assistiu o filme nos cinemas. As lentes trazidas da França precisavam de duplo foco, tinham várias distorções geométricas (o ator ficava mais gordo no centro da tela), os cantos não ficavam retos, etc.

Como sempre, o som estereofônico foi a novidade de maior impacto. Em filmes subsequentes, Alfred Newman iria aumentar a fanfarra de abertura da Fox, para complementá-la com o nome do formato. Esta fanfarra desapareceu, mas foi resgatada quando George Lucas apresentou Guerra nas Estrelas, em 1977.

A produção de O Manto Sagrado foi cuidadosa. Seu primeiro roteirista foi Albert Maltz, que fez parte da lista negra, chamada depois de Os 10 de Hollywood.

Nos créditos do filme lançado, o seu nome foi omitido, ficando somente o de Philip Dunne, que veio depois. Quando Maltz foi prejudicado pela lista negra, o roteirista Philip Dunne foi chamado pela Fox, para terminar o roteiro e acompanhar as filmagens. Mas, o nome de Maltz foi recolocado nos créditos em 1997, e está incluso na cópia em Blu-Ray do filme

O lançamento e a sua memória

O Manto Sagrado foi o filme que inaugurou o novo formato no Cinema Palácio, um dos palácios pioneiros da região do centro do Rio de Janeiro conhecida como Cinelândia. O antigo Palácio, hoje restaurado para teatro, era espetacular, com plateia, mezanino e balcão, sistema de projeção Simplex com 3 máquinas. A minha mãe, super cinéfila, foi com uma amiga em uma sessão da tarde, e passou anos comentando que tomou um susto na abertura do filme, quando a tela se abriu.

Eu tenho certeza que tinha sido o resultado do novo som estereofônico que se espalhava no auditório do Palácio, de um jeito que ninguém ainda tinha ouvido. E essa é uma daquelas experiências de vida de qualquer cinéfilo que nunca mais é esquecida.

Se hoje nós estamos desprovidos de palácios e cortinas na tela, nós podemos inferir que as sessões de cinema perderam completamente o seu antigo charme. Alguns cinemas do exterior estão colocando as cortinas de volta, em uma provável tentativa de fazer voltar o grande público de outrora, ou então, trazer de volta o antigo prazer de ir ao cinema.

As telas curvas widescreen seduziram plateias. As salas de cinema foram prejudicadas pela televisão, pelo videocassete e pelos filmes em disco. Esses hoje são desbancados pelos serviços de streaming, e parece que esta destruição de formatos nunca vai ter fim!

O Cinerama de 3 películas ficou na memória de muita gente. Em anos recentes, David Strohmaier fez o que pode para salvaguardar o formato, e vários discos Blu-Ray se beneficiaram dos seus esforços de restauração. O resgate dos filmes foi, e ainda é, penoso e de alto custo, mas o empenho dos restauradores compensou o objetivo de permitir assistir de novo o que foi feito naquela época.

Claro que retroceder no tempo parece ser impossível, pelos mesmos motivos que fizeram o Cinerama de 3 películas desaparecer prematuramente. Sob o ponto de vista histórico, entretanto, esse esforço é altamente meritório. Outrolado_

. . .

A projeção em Super Cinerama

O som no cinema e as suas derivações em home theater

 

Cinemas de rua com 70 mm

Formato Super Panavision vai bem, obrigado

 

Cinema Ultra Panavision: o espectador dentro do filme

 

2001: Uma Odisseia No Espaço, em versão Blu-Ray 4K, Dolby Vision HDR

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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  1. O primeiro filme que eu assisti no cinema foi Manto Sagrado, no cine Comodoro em São Paulo/Capital em 1971. Foi o primeiro sucesso no Brasil em Cinamascope. Meu pai levou a nossa família, e adorava filme épicos como Os Dez Mandamentos (1956), Ben-Hur (1957), O Manto Sagrado (1953), O Egípcio (1954).

  2. O primeiro filme que eu assisti no cinema foi Manto Sagrado, no cine Comodoro em São Paulo/Capital em 1971. Foi o primeiro sucesso no Brasil em Cinamascope. Meu pai levou a nossa família, e adorava filme épicos como Os Dez Mandamentos (1956), Ben-Hur (1957), O Manto Sagrado (1953), O Egípcio (1954).

  3. Bom dia, Paulo. Que texto legal. Uma curiosidade: dia destes um amigo baixou uma cópia do filme “Deu a louca no mundo”. Assisti no cinema creio em 1964, a produção é de 1963. Nos créditos pode-se ler “filmed in Ultrapanavision”. Naquela época já era comum produções nesse formato? Por aqui passou no normal cinemaScope. A fita é bastante hilária, não é mesmo? Falando em créditos , houve uma mudança que não gostei quando as informações ficam para o final da projeção. Muita gente se levanta, vai embora, sem saber até quem foram os atores!

    1. Oi, Celso, bom dia,

      Deu A Loca No Mundo foi filmado em Ultra Panavision para ser exibido em Cinerama 70 mm, e assim como outros filmes da época foi feita uma cópia em CinemaScope. Por aqui o lançamento ficou neste formato também, mas depois ele foi relançado em Super Cinerama no Roxy.

      Essa coisa de créditos foi complicada. Houve exigências, com as quais os cineastas concordaram, de colocar todos os funcionários do estúdio nos créditos, e como fazer isso no início dos filmes era inviável, esses créditos ficaram para o fim. Muita gente saía e vejo que ainda sai dos cinemas antes dos créditos acabarem.

      Para mim, colocar gente do estúdio nos créditos iria ser até justo, mas houve um exagero que perdura atá hoje, porque são mostrados os nomes de pessoas que nada têm a haver com o filme. Isso mais parece demagogia curricular do que outra coisa.

  4. Bom dia, Paulo. Que texto legal. Uma curiosidade: dia destes um amigo baixou uma cópia do filme “Deu a louca no mundo”. Assisti no cinema creio em 1964, a produção é de 1963. Nos créditos pode-se ler “filmed in Ultrapanavision”. Naquela época já era comum produções nesse formato? Por aqui passou no normal cinemaScope. A fita é bastante hilária, não é mesmo? Falando em créditos , houve uma mudança que não gostei quando as informações ficam para o final da projeção. Muita gente se levanta, vai embora, sem saber até quem foram os atores!

    1. Oi, Celso, bom dia,

      Deu A Loca No Mundo foi filmado em Ultra Panavision para ser exibido em Cinerama 70 mm, e assim como outros filmes da época foi feita uma cópia em CinemaScope. Por aqui o lançamento ficou neste formato também, mas depois ele foi relançado em Super Cinerama no Roxy.

      Essa coisa de créditos foi complicada. Houve exigências, com as quais os cineastas concordaram, de colocar todos os funcionários do estúdio nos créditos, e como fazer isso no início dos filmes era inviável, esses créditos ficaram para o fim. Muita gente saía e vejo que ainda sai dos cinemas antes dos créditos acabarem.

      Para mim, colocar gente do estúdio nos créditos iria ser até justo, mas houve um exagero que perdura atá hoje, porque são mostrados os nomes de pessoas que nada têm a haver com o filme. Isso mais parece demagogia curricular do que outra coisa.

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