Jerry Lewis: quem vê cara não vê coração

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A imagem de Jerry Lewis depois de sua morte ficou arranhada por denúncias de comportamento abusivo em relação às atrizes

A imagem de Jerry Lewis, ator e diretor de cinema, teve sua imagem maculada após a morte por denúncias de vários tipos. Fica chato e difícil para quem sempre foi seu fã tomar conhecimento de tudo isso.

 

Dias atrás eu tomo conhecimento do futuro lançamento da icônica comédia The Nutty Professor (“O Professor Aloprado”), dirigida por Jerry Lewis e lançada em 1963, agora em versão Blu-Ray 4K, em completa restauração. Até hoje, aliás, este é o único filme dele que eu tenho em Blu-Ray, e ainda não sei se vou atualizar.

Desde menino, eu e todas as crianças da rua corriam para os cinemas para ver o último filme de Jerry Lewis. Depois que eu estudei cinema, mais adulto, eu percebi o que os franceses já tinham notado sobre o comediante: os roteiros mostram o modo de vida americano com absoluto cinismo, em todos os sentidos. Em 2016, mais ou menos, eu escrevi um texto sobre isso para o Webinsider, e não retiro hoje uma palavra do que disse!

Porém, Jerry Lewis ou Joseph Levitch, de santo não tinha nada, mas Hollywood, como sempre, abafava qualquer escândalo, ainda mais de um astro como Lewis, tratado como realeza nos estúdios da Paramount.

Teria sido compreensível haver ressentimentos de um ator/diretor com tamanha poder, mas o fato é que, nesta época, os ressentidos temiam ser despedidos se levantassem uma suspeita qualquer de má conduta com quem trabalhavam, principalmente de um profissional desta estatura. E foi assim, aparentemente, com Jerry Lewis, quer dizer, quem via ou percebia ou sofria, permanecia calado.

O problema é que, depois da sua morte em 2017, os podres começaram a aparecer. E não foram poucos, começando pelos seus filhos do primeiro casamento, que foram excluídos propositalmente do seu testamento.

Décadas atrás, eu me correspondi por e-mail com Chris Lewis, um dos atingidos, e eu notei uma certa reticência em suas palavras, a respeito de um dos meus filmes preferidos (Rock-a-bye-baby, de Frank Tashlin), que ainda não tinha (e nunca teve) o tratamento em vídeo que merecia.

O assédio sexual escondido nos vestiários

No ano passado, a revista Vanity Fair publicou um texto sobre as investidas sexuais de Jerry Lewis em cima de suas atrizes. Foi feito um vídeo com o testemunho de duas dessas atrizes, e que depois foi postado no YouTube:

 

 

É no mínimo bizarro o nível dos comentários postados no YouTube, denunciando claramente o espírito machista e calhorda de alguns daqueles que sugeriram que as atrizes atingidas tivessem dado “abertura” (sem trocadilho) para que as investidas acontecessem.

E é no mínimo irônico que o agressor se trata de um diretor de cinema que fez de tudo para mostrar o lado torpe do povo americano, e agora passa a ser defendido por essas mesmas pessoas a quem ele parodiou!

Pior ainda, ter feito filmes “de família” ou “sobre valores familiares” e se comportar de maneira radicalmente oposta na vida real!

A atriz Karen Sharpe fez com ele a comédia The Disordely Ordely (Bagunceiro Arrumadinho). Trata-se de uma atriz muito bonita e atraente, que pouco havia feito comédias deste tipo antes. Como a atriz recusou o assédio, chegando a ameaçar pedir demissão, ela sofreu outras coações, como, segundo ela, proibir todo mundo no set de se dirigir a ela, caso contrário seriam despedidos!

Outra patifaria similar foi feita com a comediante Hope Holiday, que rodou com ele a comédia The Ladies Man (O Terror das Mulheres). Holiday levou direto uma cantada, e o ator logo depois tirou o pau para fora e se masturbou na frente dela, que ficou sem saber o que fazer. Pode isso? No seu depoimento, a atriz diz ter guardado o trauma daquela situação até hoje.

A má fama que o precede

No passado distante, eu li na Internet pessoas postando comentários fazendo críticas a Jerry Lewis, sobre a sua conduta em público. Como na Internet todo mundo fala e escreve o que quer, eu sempre li esses comentários com um pé para trás. Chegou-se a sugerir que o ator, uma vez perdendo a fama que tinha, teria começado a apelar para ganhar de volta a sua notoriedade com um comportamento social exdrúxulo. Outros deixaram no ar a possibilidade de que ele também poderia já ser vítima de algum tipo de doença mental, ou então, que era mau caráter e ninguém sabia.

Deixando esta baixaria de lado, porque não é possível confirmar nada, pode-se atestar como inegável o lado estranho do ator, ao negar aos filhos do primeiro casamento parte da fortuna que deixou. E a exclusão deles do seu testamento revela que ele se ressentia de alguma coisa que nunca foi a público. Mas, depois de morto, ficou exposto que seis filhos do seu primeiro casamento haviam sido excluídos intencionalmente.

Lewis também teve um caso extra marital, do qual nasceu Suzan, filha que ele soube que era dele, nunca a reconheceu como tal. O site Inside Edition fez uma matéria sobre Suzan e descobriu que ela, por circunstâncias diversas, ficou na miséria e vive sem teto em Philadelphia:

Testes de DNA provaram que Suzan era de fato sua filha ilegítima, no caso que ele teve com a modelo Lynn Dixon, que durou 3 anos. A então esposa de Lewis sabia do caso, segundo contaram seus filhos.

Gary Lewis, que se apresentou com ele em uma cena Rock-a-bye Baby, de 1958, queixou-se da ausência do pai e do seu comprometimento cego no trabalho, tendo deixado a família de lado inúmeras vezes.

Dean Martin deu a Jerry Lewis uma imensa fama no palco, e depois nos cinemas. No entanto, Dean se ressentia da maneira como Lewis queria controlar tudo, e este teria se sentido “traído” por este ressentimento. A situação chegou a um ponto insuportável, a ponto dos dois não se falarem mais, e se separaram. A esta altura, Jerry Lewis já estava preparando a sua carreira solo como cineasta.

A destruição de um mito

Eu acho super chato a gente ter uma imagem de uma pessoa, pouco importa se fantasiosa ou ilusória, e depois vê-la destruída quando os podres dessa pessoa comprovam que ela estava longe de ser como nós a imaginávamos.

Neste caso específico, eu prefiro ignorar tudo isso, ao reassistir uma das comédias feitas por Jerry Lewis, principalmente as do diretor Frank Tashlin, ao invés de lembrar que ele na prática era um homem com falhas graves de caráter. Afinal, a vida pessoal de qualquer um não nos diz respeito!

Além disso, eu acho importante separar o homem da sua obra criativa, uma coisa não tem necessariamente correlação com a outra. Como criador, Jerry Lewis não foi perfeito. Fez bons filmes, como ator e depois como diretor, mas também fez filmes não tão bons. Isso é comum entre comediantes/diretores do mesmo quilate. Mel Brooks, por exemplo, fez ótimos filmes também e deixou muito a desejar em vários outros.

Em síntese, eu prefiro assistir os bons filmes feitos, sem levar em conta o lado podre dos seus realizadores. Por outro lado, existe o aspecto psicossocial de tudo isso, que não pode ser ignorado. Lógico que todo mundo tem defeitos ou falhas, e passa por fases complicadas desde a adolescência. Entretanto, saber reconhecer os próprios defeitos e erros faz parte do amadurecimento sadio de qualquer um! Para isso, a chamada educação de base, seja em casa seja nos colégios, é de fundamental importância!

As ciências biomédicas provam que fases diversas da vida de alguém mudam o comportamento social, e forçam o indivíduo a se adaptar a cada nova condição de vida. Muitos dos traumas oriundos da infância, no entanto, ficam gravados nos corações e mentes dos adultos, muitas vezes difíceis de serem sublimados.

O enorme perigo, creio eu, para os educadores, é ignorar essas mudanças. Adultos que não passam por elas tem uma tendência a se tornar torpes e desonestos, dependendo das condições e do ambiente posteriores na fase adulta.

Outro aspecto psicossocial relevante diz respeito à estrutura de poder, cujo sentimento seduz os mais ambiciosos. Vejam que a ambição per se não é necessariamente um sentimento ruim. O que ela não pode é ser exercida em detrimento dos direitos dos outros!

Pessoas com poder e sem controle passam a se achar impunes de qualquer erro. Assim, uma série de delitos são cometidos, em claro prejuízo à sociedade onde essas pessoas vivem.

Nos relatos sobre os assédios sexuais de Jerry Lewis se nota tal efeito, implantados nas suas vítimas, que não reagiram como deviam, ou, no caso, não puderam ou se sentiram intimidadas, o que é compreensível.

A intimidação pode ser uma arma poderosa. Ela justifica o poder das ditaduras, regimes políticos de exceção, dos patrões que são insensíveis aos que são seus empregados, e ao mesmo tempo impregnam as cabeças das pessoas que se acham superioras às outras.

Lamentavelmente, nada disso seria de se esperar no meio artístico, visto que a arte é fruto de uma cabeça criativa, implicitamente de espiritualidade elevada. O que se vê na prática é que artistas também são vaidosos, egocêntricos e que, no final, acabam se contradizendo como espíritos criadores!  Outrolado_

. . .

 

https://webinsider.com.br/jerry-lewis-ator-e-cineasta/

 

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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7 respostas

  1. kevin Spacey, Jonny depp, Newmar, estvam vivos para se defender. Jerry Lewis é acusado após sua morte, por que não fizeram a acusaçõa quando ele estva vivo. Baita covardia, fazer esta publicação e este artigo sem ouv ir a outra parte.. è a éeopca de cancelar, sem chance de defesa, mas desta vez , vcs passaram de todos os limites..

    1. Interessante. “Nós” passamos de todos os limites? Nós quem? Fui eu quem escreveu o texto, que é, por conseguinte, de minha inteira responsabilidade, e eu assumo tudo que foi escrito a respeito dele, e não retiro uma palavra do que foi escrito ali. Eu fui fã de carteirinha desde menino, tenho vários filmes dele como ator e diretor, e gosto de todos eles, caso contrário teria doado a outra pessoa. Já reconheci, em outro texto, o seu gênio criador, portanto sou isento de qualquer tipo de tendenciosidade a este respeito.

      Mas, ser um grande artista, produtor ou o que for, não dá a ninguém a desculpa de se portar desta maneira. E só recentemente é que os artistas americanos que sofreram com este tipo de assédio tiveram coragem de vir a público e fazer as devidas denúncias.

      Você, que disparou a sua crítica contra “nós” se esqueceu de que quem fez as denúncias foi a mídia americana, e eu somente as relatei. Então, eu te sugiro o seguinte: por que você não dirige as suas críticas a quem de direito?

      1. Hoje eu vou responder a mim mesmo, e explico por quê:

        Assisti o filme “Ela Disse”, que passou neste fim de semana no Telecine. E sugiro a todos aqueles que fizeram críticas ao meu texto a fazerem o mesmo. O filme mostra com notável didática um processo sociopático chamado de intimidação. A intimidação é um processo histórico entre chefes de estúdio, produtores, agentes e pessoas com poder desde que Hollywood surgiu e foi proeminente no studio system.

        O filme nos mostra duas coisas a este respeito: que as pessoas afetadas no escândalo Miramax ficaram anos sem coragem para se queixar do “bullying” do Harvey Winstein, e que este, ao tentar intimidar o New York Times, se queixou de ter sido intimidado! Não é irônico? A turma do Times foi a fundo e Weinstein acabou preso.

        No documentário “When the lion roars”, A lendária atriz da MGM Esther Williams explica como Louis B. Mayer causava desconforto naqueles que se confrontavam com ele: Intimidação!

        Preciso continuar? Assistam ao Ela Disse e tirem as suas conclusões.

  2. As pessoas deveriam ir a público quando ele era vivo, depois que ele morreu fazer estas acusações sem.prova é complicado.Mais complicado é fazer uma crítica sobre acusações sem provas, no mínimo desrespeitoso. O papel aceita tudo!

    1. Sem dúvida é complicado, mas é preciso levar em consideração que na época dos assédios a figura do Jerry Lewis tinha plenos poderes dentro do estúdio da Paramount, e, portanto, se tornou uma figura intimidadora. Por isso, as pessoas que denunciam depois só se sentem seguras quando a sombra do medo termina! Infelizmente, neste métier existem denúncias de tudo quanto é tipo, e muitas delas difíceis de provar. Quem não quer se envolver em confusão e teme represálias, acaba ficando em silêncio.

  3. Eu amo Jerry Lewis podem falar oque quiser dele pra mim ele era perfeito quem fala dele por tinha inveja dele do sucesso dele ele era o máximo lindo maravilhoso atraente sex encantador e mais o Dean Martin o ajudou sim mas ele não precisa de ninguém pra ser e ter o talento que tinha porque ele nasceu com talento te amo meu amor

    1. Cara Elaine,

      Você obviamente tem todo o direito de protestar contra quem denunciou o Jerry Lewis, mas, se me permite a opinião, como mulher, você talvez devesse considerar o lado machista dele e, espero eu, não aceitar uma conduta deste tipo, com gente que trabalhou com ele.

      Eu sempre fui fã de carteirinha do Jerry Lewis, desde menino. Escrevi inclusive um texto sobre o seu valor como diretor e roteirista, caso você queira ler: https://webinsider.com.br/2016/03/11/jerry-lewis-ator-e-cineasta/

      Porém, acho este tipo de conduta de alguém que se aproveita dos outros, neste caso, usando o poder que ele tinha no estúdio, de demitir quem quisesse, difícil de engolir, pouco importa se ele era um gênio!

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