O retorno lento e seguro ao cinema de película

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Tarantino na filmagem de Os 8 Odiados

Oppenheimer nos cinemas do exterior sendo exibido tal como foi filmado. No Brasil não temos mais cinema de película.

 

Agora que Oppenheimer estreou mundialmente, com projeção em IMAX 70 mm, 70 mm Super Panavision, 35 mm, etc., a gente, que viveu quase tudo isso, se pergunta se a moda vai voltar ao nosso canto do planeta. Sinceramente, eu temo que não. E por que?

Houve, muitos anos atrás, uma mudança irreversível no parque exibidor, com a retirada dos projetores de película 35 mm e a substituição por projetores digitais. Nem mesmo na única sala IMAX que eu conheço (UCI, sala 4, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro) a projeção é analógica.

Eu ainda me lembro quando, por volta de 2010 mais ou menos, eu recebo uma ligação do saudoso Orion Jardim de Faria, me dizendo que a projeção em película ia acabar em todos os cinemas. A informação tinha vindo do seu filho Olegário Frossard de Faria, dono de uma empresa de representação, venda e instalação de equipamentos de cinema.

Algum tempo depois, eu cheguei a receber um convite desta empresa a respeito de um treinamento em projetores digitais, mas não tive como comparecer. Ainda demorou um certo tempo para que a mudança acontecesse, mas no final ela foi irreversível.

De lá para cá, algum tempo se passou, e todos os projetores de película foram retirados. Alguns serviram de “obra de arte” de algum artista, como estes, expostos no UCI da Barra da Tijuca:

Essas imagens são para lá de deprimentes. Trata-se de um descarte desrespeitoso, uma perda de maquinário antes importante nos circuitos exibidores.

Se alguns desses projetores tivessem permanecido instalados, seria perfeitamente possível exibir hoje Oppenheimer nos nossos cinemas.

A volta aos melhores tipos de filmagem por vários cineastas

Se alguém quiser saber por que cineastas atuais estão fazendo força para voltar a fazer cinema com película, a primeira resposta se refere a uma qualidade de imagem, que na câmera digital chega perto, mas não é a mesma coisa.

Notem que para transcrever um filme de 70 mm para vídeo de forma correta seria necessário o fotograma chegar próximo de 18 K de resolução, e isso, que eu saiba, por enquanto não é possível. Algumas poucas edições em Blu-Ray foram feitas com telecinagem a 8K, e depois reduzidas a 2K.

Quentin Tarantino encomendou câmeras e lentes Ultra Panavision, para fazer “Os 8 Odiados”, mas apenas alguns cinemas tinham capacidade de projetar o filme em 2.76:1, e ficou por isso mesmo. E quando perguntado o motivo de ele recorrer à película ele comenta que o filme era destinado para todos aqueles que gostam daquele formato.

A preservação em vídeo nem sempre é correta

Depois do Todd-AO, Ultra Panavision, Super Panavision, Super Technirama 70, etc., foram os principais formatos usados para a projeção em Cinerama 70 ou Super Cinerama, com cópias retificadas. Cópias sem retificação poderiam ser projetadas em telas 70 mm sem a curvatura acentuada do Cinerama 70, em uma relação de aspecto 2.20:1, com pequenos ajustes no fotograma.

Eu, como colecionador, sempre corri atrás de discos DVD e depois Blu-Ray, lançados com filmes desta época. As relações de aspecto no vídeo variam de acordo com a fonte utilizada na telecinagem.

Abaixo, eu dou dois exemplos de discos com fonte original (Khartoum, 2.75:1), e modificada (NasTrilhas Da Aventura, 2.35:1), ambos os filmes rodados no processo Ultra Panavision, com fotograma 2.75:1.

Veja na captura a seguir o trecho do trailer de Khartoum, onde o filme é anunciado no trailer como “Apresentado em Cinerama”, e nos créditos “Em Cinerama”:

No último Blu-Ray do filme Nas Trilhas Da Aventura, pode-se ver nos créditos o processo de filmagem, porém a imagem do disco está em 2.35:1, provavelmente retirada de alguma cópia em Panavision convencional:

Tem sido uma luta, para o colecionador, a busca pelo melhor material em vídeo dos filmes anteriormente apresentados em 70 mm ou em Cinerama 70. A modificação da relação de aspecto também existiu nos cinemas, caso contrário teria sido impossível projetar filmes no formato da academia ampliados em telas de 70 mm.

Mas, em se tratando de preservação, neste caso em discos para o colecionador, a preservação do fotograma original é de fundamental importância. O desgaste ou inexistência dos negativos de câmera tem sido um obstáculo neste tipo de preservação.

Os telecines digitais e os softwares mais modernos são capazes de transcrever negativos desgastados com incrível qualidade de restauração. O único inconveniente é forçar o colecionador a comprar o mesmo filme de novo.

Por incrível que pareça, em muitos casos o esforço financeiro compensa. Quando a destruição dos cinemas é devastadora e as salas que ainda estão aí não tendo mais projetores de películas, o filme em disco não deixa de ser uma alternativa viável para a apreciação dos grandes espetáculos. [Webinsider]

 

. . .

O modo de tela dos cineastas já chegou

Orion Jardim de Faria

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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4 respostas

  1. Bom dia, Paulo. Ótimo texto, como sempre. Como já citei aqui na sua página, trabalhei por anos na cabine de projeção de nossa cidade. Não acredito na volta da película por aqui. Sabe porque? Os frequentadores de cinema de hoje, principalmente os jovens, não estão nem aí se a projeção é em película ou digital. Um exemplo que salta aos olhos é que não encontramos mais salas que apresentem o filme no original com legendas. Os exibidores argumentam que os dublados atendem a demanda. Um amigo meu disse que não vai mais ao cinema porque as exibições são só para analfabetos. A expressão é forte mas, mostra a realidade que nós cinéfilos estamos vivendo. Triste!

    1. Oi, Celso, é verdade. Parece que somente quem viveu de fato os momentos dos cinemas que marcaram época é que poderiam sentir saudade da projeção com película. E, neste caso, acredite, eu sou um que não acredito em progresso!

  2. Pois ééé Paulo… Fico imaginando a sinuca de bico que as salas que desativaram seus projetores de película vão enfrentar. Agora com o lançamento de um tremendo filme como Oppenheimer, não terem o melhor equipamento disponível para exibição desse filme, que certamente se tornará um clássico.

    1. Chama-se burrice! O Milton Leal, do Planetário (que tem um projetor Kinoton 70 mm), comentou comigo anos atrás sobre a experiência dele na aposentadoria do 70 mm, argumentando que as cópias de película em 70 mm sempre foram muito caras para o exibidor alugar.

      Bem, mas isso, e eu até posso estar enganado, não se aplica ao 35 mm. E, naquela época, houve o dedo sinistro de Hollywood no assunto. Lógico que, no que tange à pirataria, não adiantou nada! E, francamente, isso nunca foi forma de combater a pirataria, porque nos privou de assistir cinema como ele deve ser assistido.

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