Filme Miles Ahead mostra a vida conturbada de Miles Davis

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Antes de fazer o filme, Cheadle entrou em contato com a família de Miles Davis e, segundo ele mesmo depois relatou, pediu licença para focar o assunto no período em que o músico se ausentou por cerca de seis anos, vivendo recluso

Dom Cheadle dirige e co-escreve o roteiro de Miles Ahead, sobre o período de seis anos de reclusão do icônico trompetista. O filme é parte interpretativo, mas se esforça em mostrar a alma e o sentimento do músico, que o fizeram chegar a este estado de espírito.

 

O ator, feito diretor, Don Cheadle, lançou em 2016 o filme Miles Ahead, baseado em parte da vida do lendário trompetista de Jazz Miles Davis. O filme teve um título no Brasil de “A vida de Miles Davis”, que está errado, porque este não é um filme biográfico.

Cheadle teria sido informado que o próprio Miles havia dito que ele seria o ator ideal para representa-lo no cinema, mas mesmo que assim não o fosse, ele no filme personifica Miles Davis com suficiente dignidade.

Antes de fazer o filme, Cheadle entrou em contato com a família de Miles, e, segundo ele mesmo depois relatou, pediu licença para focar o assunto no período em que o músico se ausentou por cerca de seis anos, vivendo recluso. Teria sido um período de grande depressão, com o consumo de cocaína e álcool, um tipo de mistura muito perigosa e muitas vezes fatal.

Antes da reclusão, Miles tinha passado por uma fase muito estranha musicalmente, e eu, infelizmente, tive a chance de ver isso quando ele deu um concerto no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, nos anos de 1970. Naquela noite, ninguém lá dentro o reconheceu, tocando aquele trompete elétrico. Uma coisa horrível.

A virtuosidade de Miles Davis já havia sido representada no icônico disco Kind of Blue, e se ele não tivesse feito mais nada, já teria o suficiente para credenciá-lo como um importante músico no que tange à evolução do Jazz.

Segundo várias fontes, Miles Davis era uma pessoa com intenso desejo de seguir adiante, e quem poderia culpa-lo disso? E Don Cheadle faz questão de enfatizar este aspecto da sua personalidade. Nós fãs, entretanto, tivemos que esquecer o Jazz, quando ele decidiu mergulhar no funk ou no hip-hop.

O filme

Miles Ahead foi rodado na sua maior parte em 16 mm, mas a imagem no Blu-Ray é muito boa. Don Cheadle estudou música desde criança, tendo tocado instrumentos de sopro. Quem diria?… Então, antes de fazer Miles Ahead, ele aprendeu a tocar trompete, e o faz durante boa parte das tomadas das cenas. Em outras, ele é dublado.

Algo parecido, mas não idêntico, foi feito na produção de Bird, filme de Clint Eastwood de 1988. Na ocasião, os solos de Charlie Parker foram removidos digitalmente das gravações que ele havia feito, e usado para a dublagem do personagem.

A composição do filme de Cheadle é feita com fotograma em Panavision, 2.35:1. Cenas de ação, incluídas por opção do diretor, são sóbrias e não prejudicam o lado paranoide de Miles, ao tentar recuperar uma fita gravada roubada da casa dele.

O roteiro aproveita o ensejo para criticar a ganância de produtores de disco na sede da gravadora CBS, que lucrou horrores com os elepês e não deu a Miles o retorno quando ele mais precisou. Focaliza também em um produtor sem nenhum escrúpulo de nome Harper, personificado por Michael Stuhlbarg.

O pianista de Jazz Joshua Jessens, que também é ator, faz o papel do pianista Bill Evans, mas a sua aparição citada é discreta e numa cena curta, quando Miles diz a ele: “Bill, play a bossa”, e o pianista lidera o conjunto com uma música qualquer de bossa nova.

Outro destaque é a presença de Gil Evans nas cenas de gravação, interpretado por Jeffrey Grover. Gil era um pianista/arranjador/compositor de vanguarda, e que marcou época na sua discografia com Miles Davis, inclusive no disco Miles Ahead, que deu título ao filme.

Resumo da ópera

Hollywood sempre tratou mal músicos e compositores de destaque. Na história do trompetista Red Nichols, dentro, por exemplo, do filme The Five Pennies (no Brasil, A Lágrima Que Faltou), o ator Danny Kaye interpreta o artista misturando comédia com dramalhão o tempo todo. No exame da biografia de Red Nichols se percebe que aquilo não tinha nada de biográfico, apenas alguns relances do encontro de Nichols com Louis Armstrong, que interpreta a si próprio, este último que dá alguma vida ao filme.

Em Miles Ahead também se nota que o filme contém alguma fantasia, mas nunca deixa de interpretar a razão da reclusão de Miles Davis. E Don Cheadle se mantém fiel ao trompetista, sabendo, provavelmente, que poderia ser um alvo fácil da crítica dos fãs, se algo desse errado. Por causa disso, ele declarou que teve uma particular preocupação com a forma de Miles Davis tocar.

O Miles Davis de Cheadle guarda mensagens de fixação na mulher, capa de um dos discos, que ele conheceu e se casou depois. E mostra como uma união, que poderia ter sido a continuidade de um sonho, se desintegrar por ciúmes, traições, etc. O filme mostra um Miles Davis sofrido com a dissolução dessa união, talvez um dos motivos da sua reclusão.

Não se pode descartar a possibilidade de que Miles Davis se escondeu, para tentar achar uma razão de viver, ou então, de tentar achar uma forma de arte que ele ainda não conhecia. Infelizmente, como forma de escapismo, ele encontrou refúgio nas drogas, que em nada o ajudaram a superar seus problemas,

A arte em geral, mas, no caso, a música, nasce espontaneamente na cabeça dos compositores ou músicos. Não se deve perguntar a ninguém qual é esta fonte inspiradora, e isso a mídia, inclusive a brasileira, sempre fez, sem se tocar que as perguntas jamais poderiam ter sido feitas. Até porque a inspiração simplesmente acontece. Tom Jobim foi um que cansou de se esquivar de perguntas sobre ele e sobre a sua música.

E é aquela estória: quem ouve sente ou não sente. Se sente, ninguém precisa lhe explicar por que. Então, tudo faz crer que Don Cheadle não quiz explicar porque Miles Davis se mandou em retiro, mas sim tentar mostrar a alma de um músico inquieto, às vezes paranoide, e inconformado com a sua queda de inspiração e interesse de viver.

Fica na visão de quem assiste o filme chegar às suas próprias conclusões a este respeito, porque nada é afirmado, apenas sugerido. [Webinsider]

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Kind of Blue, de Miles Davis: um dos maiores discos de Jazz de todos os tempos

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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