William Friedkin, cineasta até o fim

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William Friedkin, diretor dos filmes Operação França e O Exorcista, faleceu sem ver o lançamento do seu último filme.

O cineasta William Friedkin faleceu e nem chegou a ver o lançamento do seu último filme. Friedkin dirigiu os filmes Operação França e O Exorcista, durante a sua melhor época na década de 1970.

 

Cerca de uns 3 meses atrás faleceu o cineasta William Friedkin, que deixou para trás o lançamento, em outubro de 2023, do seu último filme “The Caine Mutiny Court Martial”. Eu nunca reparei que este filme tivesse sido lançado nos cinemas locais, eu acho que não foi. No streaming, deveria aparecer no serviço do Paramount+, mas, procurando por lá, eu também não achei nada.

Friedkin ganhou enorme reputação entre fãs e críticos, com indicação e premiação do Oscar como melhor diretor, no filme The French Connection (no Brasil, Operação França), de 1971, lançado aqui no início de 1972, se não me engano. Mas, o seu maior impacto como cineasta aconteceu quando a seguir ele se uniu ao roteirista e escritor William Peter Blatty, que havia escrito O Exorcista.

O impacto de O Exorcista não aconteceu somente porque se tratava de um assunto religioso delicado, mas pelos aspectos multifacetados das ordens religiosas católicas, tanto assim que Blatty teve apoio de padres que ele conhecia, para evitar publicar alguma coisa errada.

William Friedkin se encaixa muito bem no perfil do cinema norte-americano: filho de imigrantes judeus, que foram perseguidos na Europa oriental, que acabaram se dedicando ao cinema.

A sua carreira como cineasta teve o seu melhor momento na década de 1970. Embora tenha feito alguns bons filmes posteriormente, nenhum deles, que eu me lembre, alcançou o mesmo nível de Operação França ou de O Exorcista, perante o grande público.

No set do Exorcista Friedkin fez de tudo, inclusive dando um tiro para o alto, para assustar os atores. Sua amiga e protagonista Ellen Burstyn o classificou de “maníaco”, em um documentário sobre o filme. Em uma das cenas do fim, Friedkin, insatisfeito com a performance do padre/ator William O’Malley, ficou irritado e sapecou-lhe um tapa no rosto, e com o padre ainda sentindo dor e com a mão tremendo, filmou a cena toda.

Irritação por irritação, o seu diretor de fotografia Owen Roizman (falecido este ano) ficou chateado quando Friedkin resolveu modificar a primeira edição de Operação França em Blu-Ray, dessaturando toda a palheta de cores da fotografia. Colecionadores também reclamaram da decisão do cineasta e, no final, o estúdio lançou uma segunda edição, bem menos dessaturada e mais próxima da versão lançada nos cinemas.

As origens judaicas do cinema americano

Historiadores já contaram diversas vezes o choque e os conflitos de interesse entre os donos dos Nickleodeons e pequenos estúdios independentes e Thomas Edison, que tentou impedir a realização e comércio de filmes fora do seu controle.

Famílias de judeus perseguidos na Europa emigraram para a América do Norte, tendo ido parar em Nova York, local onde o cinema americano começou. A maioria deles que viu no cinema uma forma segura de ganhar dinheiro eventualmente se mudou para a Califórnia, escapando das garras de Edison.

Eu sempre achei intrigante a correlação entre imigrantes judeus que fugiram da Europa e a fundação de Hollywood. No início da minha carreira, conversando com o meu chefe sobre a psicanálise, ele me afirma que o povo judeu tinha uma forte inclinação para a imaginação, referindo-se à Sigmund Freud e as suas (depois contestadas) teorias da evolução sexual humana.

Esta suposta inclinação para imaginar e depois criar alguma coisa poderia explicar o interesse daqueles imigrantes judeus para o cinema, exceto que, ao que consta, todos os donos de estúdio judeus nunca foram cineastas. Por outro lado, eles ganharam a fama de construir os depois chamados “palácios de cinema” e grandes estúdios onde iriam fazer seus filmes. Porém, tudo isso implicou no controle absoluto dos métodos de produção e distribuição, muitas vezes de forma intimidadora e mafiosa.

As perseguições dos judeus na Europa foram substituídas na América pela discriminação racial. Por causa disso, donos de estúdio, produtores e atores mudaram seus nomes, para evitar serem reconhecidos como judeus. Além disso, os grandes magnatas do cinema, e um caso notório foi o de Louis B. Mayer, poderoso chefão da M-G-M, se esforçaram para criar filmes que refletissem valores da vida de família e os ideais de crescimento norte-americano. Esta estratégia atraiu, por décadas, a ida de público às salas de cinema. Aliás, a M-G-M, sob a orientação de Mayer, foi o único estúdio que conseguiu driblar a grande depressão de 1929.

Depois do desaparecimento dos principais magnatas e do poder que exerciam sobre os métodos de controle da produção, não é de se admirar que cineastas judeus e seus colegas passaram a ter liberdade de criação fora do escopo racial, como foi o caso de Woody Allen e do próprio William Friedkin.

Durante décadas, as principais obras de teatro com peças musicais estiverem nas mãos de artistas judeus, com temas que nada tinham relação com a religião ou preceitos da raça judaica. E essas peças foram assimiladas e transcritas em Hollywood, sob o domínio e controle dos donos de estúdio. Com o passar do tempo, apesar de terem sido produzidos grandes filmes, este esquema parou de funcionar, e as mega produções de musicais caiu de interesse no gosto do público. Os últimos musicais produzidos nada tinham a haver com a subsequente liberdade de produção antes inexistente e com a formação das escolas de formação de cineastas. Foram desse ambiente que surgiram diretores e roteiristas com uma mentalidade mais voltada para o cinema sem compromisso, algo que os europeus já haviam conquistado décadas antes dessas mudanças.

Cineastas judeus não se furtaram a encenar temas fora do âmbito da sua cultura étnica. Um exemplo notório foi o do filme E. T., de Steven Spielberg, rodado sob um roteiro notoriamente cristão: E. T. desce dos céus, morre para salvar o menino Elliot, mas ressuscita e sobe de volta aos céus.

No que me consta, fãs de cinema nunca se incomodaram com as raízes religiosas de diretores de cinema ou com os inúmeros escândalos de Hollywood, mas sim com a qualidade dos filmes realizados. Somente agora, com a divulgação incessante de documentários e vídeos em disco, ou nos canais da Internet, é que se tornou possível ter uma ideia concreta do que foi Hollywood como a maior potência mundial de cinema. Mas, nem por isso, fãs dos filmes clássicos irão repudiar as suas raízes de produção, porque assim o fazendo, estariam justificando o preconceito e a discriminação que fizeram centenas de judeus esconderem seus nomes. [Webinsider]

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Operação França relançado com as cores corrigidas

As lições de O Exorcista

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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