Meu Nome é Gal, o filme que não está à altura de Gal Costa

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Meu nome é Gal, o filme, não faz justiça à grande cantora que foi Gal Costa.

Meu Nome É Gal seria supostamente um filme biográfico, mas na realidade é uma obra de baixíssimo nível artístico e cultural que não faz justiça à grande cantora que foi Gal Costa.

 

Eu assisti com interesse o filme “Meu Nome É Gal”, por ter vivido a época do movimento tropicalista e por querer saber alguma coisa a mais a respeito da vida da cantora. O filme foi rotulado como biográfico, mas eu não encontrei nada nele que justificasse isso.

Dirigido por duas cineastas, Dandara Ferreira e Lô Politi, com a primeira interpretando a cantora Maria Bethânia, o filme dura duas horas sem revelar nada de importante. Na realidade, o foco principal do roteiro focaliza no entourage que cercava Gal, particularmente o personagem vivido por Caetano Veloso.

Todo mundo que viveu aquela época viu no Tropicalismo um movimento do tipo hippie, de contracultura, que visava algum tipo de revolução ou rebeldia, primeiro contra a ditadura criada no meio militar, após a revolução de 1964, depois contestando valores sociais do establishment, com o lema expresso em música “sem lenço e sem documento”, que durou muito tempo na comunidade estudantil da época.

Esta mesma comunidade idolatrou artistas como Gilberto Gil, Bethânia, Caetano, Gal Costa e outros. Em 1968, a Philips lançou o disco que simbolizou o movimento, com o título “Tropicália, ou Panis Et Circensis”.

Mas, não muito tempo depois, o movimento se esvaiu e desapareceu, em parte por conta da repressão política aos artistas. Gil gravou uma mensagem em disco, só revelada quando o elepê era rodado ao contrário com a mão. Todo mundo do meu colégio sabia disso, e muito provavelmente a polícia política também. Gil e Caetano foram presos, e depois se exilaram em Londres.

O filme e a ausência de cinema

O cinema brasileiro foi historicamente mambembe, até certo ponto inexplicavelmente. Erros de tudo quanto é tipo, roteiros ruins, péssima qualidade de som, cinematografia, marcação pobre, etc. Notava-se que muitos atores não estavam preparados para fazer cinema, onde a postura e a maneira de falar são exclusivas na frente da câmera.

Mesmo assim, vários filmes transcenderam a mediocridade, chegando a serem admirados fora do país. Eu citaria, por exemplo, O Cangaceiro (Lima Barreto), O Pagador de Promessas (Anselmo Duarte), Toda Nudez Será Castigada (Arnaldo Jabor), O Padre e a Moça (Joaquim Pedro de Andrade), Terra em Transe (Glauber Rocha), e muitos outros.

Com a evolução da presença das escolas de cinema nas universidades, acabou teoricamente o momento para improvisos e falta de qualidade técnica. Ou seja, há anos que não tem mais desculpa para voltar ao cinema mambembe!

Infelizmente, Meu Nome é Gal, reúne tantos erros de roteiro e realização, que ninguém que conheça um pouco de cinema poderia aceitar. E para alguém não me dizer que eu estou sozinho, eu li no site G1 a crítica do jornalista Celio Silva sobre o filme, com a qual eu concordo ipsis litteris. E não podia ser diferente, porque os equívocos de narrativa são grosseiros.

Não sei por que, mas as cineastas parecem não se importar com um mínimo de acabamento estético do filme. Falhas de sincronismo labial crepitam em muitas cenas, a filmagem em 8 mm é transcrita de forma pobre, a presença e participação dos atores nas cenas transformam o filme em uma anarquia sem sentido.

O lado lésbico da cantora aparece só de passagem, quando em uma cena se insinua que ela estava dormindo com uma namorada. Mais nada a esse respeito é contemplado, o que é estranho, porque Gal supostamente viveu com a empresária dela por 30 anos.

Mas o pior, creio eu, foi o desvio do foco do que seria uma biografia, para discursar mais sobre Caetano Veloso e o movimento tropicalista. No final, o filme acaba de repente, sem dizer nada de útil no decorrer das duas horas. Aliás, o final propriamente dito não existe! E a gente fica sem saber por quê.

O triste fim de Gal Costa

Por acaso, eu estava dentro do estúdio da Polygram, quando Gal Costa chegou lá. Nos cumprimentamos, mas ficou por isso mesmo, até porque eu já estava de saída. Achei ela simpática, parecia tímida, mas não tive chance de saber mais nada, foi só impressão à primeira vista.

Relatos dão conta de que Gal Costa tomou conhecimento do projeto do filme, e teria dado preferência a Dandara Ferreira para realiza-lo. O problema é que Gal faleceu bem antes do filme acabar de ser rodado, e assim as cineastas dedicaram o projeto a ela.

Depois que Gal morreu, apareceram denúncias graves sobre a viúva, tornada empresária, que vivia com ela, publicadas na revista Piauí, vinda de gente que se sentiu intimidada e que teria sido testemunha do cala boca que a tal empresária exerceu em cima de todo mundo que ameaçasse o controle que ela tinha sobre Gal.

Se tudo aquilo foi verdade ou não acho que ninguém vai saber, mas só o fato de que Gal foi enterrada às pressas e sem explicação sobre a causa mortis, deixa no ar uma suspeita de conduta de quem foi acusada.

De qualquer forma, o fim de Gal Costa bem que poderia ser outro. Eu não acredito que ela estivesse correndo o risco de estar em decadência perante o seu público, aqui e principalmente lá fora, onde ela era respeitada musicalmente e como pessoa.

Foi um fim triste e imerecido. Eu entendo que a mulher com quem ela vivia tinha a obrigação de esclarecer este fim, que pegou todo mundo de surpresa. [Webinsider]

. . .

 

Sobre “Elis e Tom”, o filme e o disco

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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Uma resposta

  1. Não assisti este filme e nem sei se vou. Mas o que desejo dizer é o seguinte:

    o show mais impactante da minha vida foi Gal Fa-Tal A Todo Vapor, quando tinha meus 15, 16 anos. Foi em um teatro pequeno, o Tereza Rachel em Copacabana, e resultou em um disco gravado ao vivo, Gal a Todo Vapor, hoje considerado um dos 20 maiores discos da MPB pela revista Rolling Stone. Concordo totalmente.

    Gal Costa ainda era uma cantora iniciante, mas já consagrada no seu seu público. Não foi um show normal; foi diferente de todos os outros que ela veio a fazer. Começou com várias canções com ela sozinha ao violão, sentada em um banquinho baixo e minúsculo. Foram vários números calmos, com músicas muito boas da MPB, de vários autores. A direção foi de Wally Salomão, muito sábia e sensível.

    Sei que o disco foi gravado em duas noites e lembro de um detalhe – uma hora ela cai do banquinho, a plateia ri e ela diz Acontece… e prossegue. E incidente ficou gravado.

    As músicas foram escolhidas muito bem, com interpretação limpa e simples, com a voz maravilhosa que Deus deu a ela. Mas o melhor (pelo menos para mim) veio da metade em diante. Ao tocar e cantar Vapor Barato, que tem uma harmonia em loop o tempo todo (Am, G, F e E, a primeira música que aprendi a tocar a harmonia no violão), entram os três músicos – um power trio firme de baixo, bateria e guitarra. Gal levanta do banquinho e o pau come daí até o fim. Lenny Gordon era o guitarrista escalado, mas no dia em que fui ele estava doente e foi substituído pelo jovem Pepeu Gomes

    Não era apenas um trio clássico do formato rock, pois havia mais um – o espírito de Jim Hendrix veio junto.

    A voz de Gal chega a estourar o volume a certo momento, o que ficou registrado. Em um disco normal a faixa seria eliminada, mas dane-se, vale a licença poética.

    Mas isso faz muito tempo, como diz a letra de uma das músicas. Mais de 50 anos, foi em 1971. Nunca saí de um show tão gasto e entregue como este, em sentimento inesquecível e jamais superado.

    Aconselho a todos que ouçam este disco, inteiro, na sequência do álbum duplo, e não as faixas em ordem aleatória, como nos Spotifys de hoje.

    Foi um ponto fora da curva, como dizem, da carreira da Gal, que depois ficou bem mais normal, digamos assim. Mas ela permanece como minha cantora favorita entre todas no mundo e sou muito grato a ela por isso.

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