O Pasquim, a bíblia dos estudantes no período da ditadura

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O escritor e cartunista Ziraldo foi um dos mais importantes criadores do semanário da imprensa alternativa O Pasquim, época de censura prévia nos jornais. Com ele desaparece mais uma figura icônica que fez parte desta época.

 

A imprensa alternativa foi um importante movimento dos jornalistas dissidentes, no combate à censura imposta durante a ditadura, sob forte risco de repressão. Uma das suas maiores e mais importantes publicações foi o jornal semanal O Pasquim, que começou as suas atividades em 1969, sucedendo a uma enorme quantidade de manifestações contra o regime militar, como a lendária passeata dos cem mil, que aconteceu no Rio de Janeiro.

Hoje, dia 07 de abril, eu acordo com a notícia do falecimento, aos 91 anos de idade, do escritor e cartunista Ziraldo, um dos mais importantes membros do Pasquim. Engraçado, é que a gente vai se esquecendo desses importantes personagens, e no final só se lembra deles quando morrem. A sua memória, por coincidência, ocorreu justamente depois do aniversário de 60 anos da ditadura, que ele e o Pasquim tanto combateram.

O Pasquim é, até hoje, um jornal icônico. Eu já comentei aqui neste espaço que os estudantes se comunicavam uns aos outros sobre a censura e proibição de venda aos jornais, e não era incomum a gente correr às bancas para comprar uma edição censurada, antes que ela fosse recolhida pela polícia.

Quem hoje ainda quiser ler alguma ou todas essas edições, pode recorrer à hemeroteca da biblioteca digital, parte da Biblioteca Nacional.

Em 1970, se não me engano, O Pasquim entrevista Leila Diniz e lança um compacto com a música Coqueiro Verde, da dupla Erasmo e Roberto Carlos, tocada pelo Trio Mocotó. No meio da música foram inseridos dois segmentos da entrevista dada ao Pasquim pela controvertida atriz. O disco foi compartilhado por um colecionador no YouTube, e eu cito:

Leila Diniz se opunha à ditadura, e era uma pessoa muito franca e direta nas suas entrevistas. Eis uma delas para o canal Brasil:

Durante muito tempo, o pessoal do Pasquim era detido pela polícia e obrigado a dar esclarecimentos à repressão, e eu ainda me lembro que eles diziam que o jornal não tinha saído para as bancas porque eles haviam ficado “resfriados”. Até nisso, eles sabiam ser sarcásticos.

O corpo editorial do jornal era de excelente nível, tanto nas matérias escritas quanto nos cartuns. Eu me interessava pela coluna do jornalista, crítico de cinema, Sérgio Augusto. Quando Steven Spielberg lançou o filme de televisão Encurralado (“Duel”), lançado aqui nos cinemas, Sergio Augusto escreve uma análise, mencionando que havia feito comentários diretamente a Spielberg, o qual segundo ele, aceitou suas críticas.

Depois da ditadura

Um dos aspectos mais interessantes do jornalismo contestatório é que ele sempre tem imenso valor no período onde a sua presença se justifica, no caso, a repressão e censura à imprensa e às artes em geral, pelos militares. Terminada a ditadura, a imprensa alternativa perdeu força, e o Pasquim não foi exceção. A última edição, segundo consta, aconteceu em novembro de 1991. Esta fase da vida de todos nós, então estudantes, já havia mudado radicalmente.

Talvez se fosse editado hoje, O Pasquim estaria se esbaldando nas pequenices e contradições daqueles que insistem em polarizar esquerda e direita. Ou então, na crítica à justiça que permite que condenados por corrupção tenham as suas penas anuladas, com a volta à vida pública, um contrassenso digno do antigo sarcasmo do Pasquim.

Afinal, a palavra Pasquim se refere à sátira, e, no caso, à crítica na forma de análise. O nome também denota uma publicação de baixo nível de qualidade, mas isso nunca aconteceu enquanto O Pasquim foi publicado.

Espaço para a crítica nunca deixou de existir. A democracia no Brasil nunca existiu plenamente. O país teve o seu primeiro golpe militar na proclamação da república, segundo os meus professores de História. A ditadura de Vargas, no chamado Estado Novo, foi terrível e tão ou mais violenta do que a de 1964. Então, somam-se três golpes, os quais nunca resolveram empecilhos nas áreas de educação e saúde. O país tem importantes universidades públicas, a primeira fundada em 1920, com o nome de Universidade do Brasil, atual UFRJ.

A ditadura destruiu o imponente prédio da Faculdade de Medicina da UFRJ, localizado na Praia Vermelha, um daqueles absurdos que nunca tiveram justificativa, a não ser o revanchismo político contra o movimento estudantil. Antes de demolição, eu estive lá com o nosso Chefe do Departamento, para recolher e trazer para a Ilha do Fundão peças e materiais diversos dos antigos laboratórios. O meu chefe, que tinha sido Professor Catedrático em concurso naquele prédio, saiu de lá triste e emocionado.

Uma das principais consequências das disputas políticas é a destruição da academia e da cultura, dois importantes fatores do avanço de qualquer país. Pensar hoje que foi somente nos períodos da ditadura que tal regressão aconteceu é pura ilusão. Até hoje eu vejo o enorme desprezo das sucessivas administrações às universidades e às suas pesquisas, e aos hospitais públicos, que carecem de tudo, apesar do corpo clínico de alta relevância.

Coloque-se tudo isso no abandono, e não vai haver país que resista. O progresso real de uma nação se dá pelo avanço na ciência, nas artes e na cultura. Se algum dia, o eleitor conseguir substituir políticos corruptos e/ou somente interessados no poder, por pessoas que sejam capazes de ajudar a tornar isso uma realidade, um passo importante nesta direção será conquistado. [Webinsider]

 

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60 anos de 64: quem viveu nunca vai esquecer

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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