Um dos projetos que eu trabalho, o Leia Livro, é um ambiente colaborativo para estimular o hábito da leitura. Os participantes publicam resenhas de livros, textos autorais e anunciam eventos relacionados ao tema.
Junto com o site, criamos uma lista de discussão que durante vários meses funcionou como o “estômago criativo” da comunidade, um espaço onde lançávamos temas para serem “digeridos” pela experiência coletiva.
Depois de ficar um tempo abandonada, estamos tentando revivê-la e isso me levou a pensar sobre essa experiência. Aproveito a oportunidade para compartilhar algumas idéias com os webinsiders.
A ferramenta de publicação do site Leia Livro não favorece a discussão porque os textos precisam de aprovação prévia para aparecerem no site. E apesar de existir um campo para a troca de comentários, os artigos destacados só passam 24 horas na capa. Quanto menos visibilidade ele recebe, menos debate ele proporciona. Nesse contexto, a lista se tornou o espaço vibrante do site, onde mais do que divulgar a informação, a comunidade se interessava por trocar idéias.
As listas têm essa característica, principalmente quando a participação é aberta. Diferente dos espaços de publicação ?oficiais? como sites, o conteúdo da lista costuma ser percebido como mensagem pessoal. Ele chega por e-mail, de modo que os participantes não precisam se dar ao trabalho de procurar a informação, e quando o assunto interessa, eles respondem de maneira informal, sem ligar muito para o tamanho da mensagem ou para a perfeição do texto.
Enquanto nos veículos tradicionais de notícias existe uma separação entre quem escreve e quem lê, nas listas o texto está sempre vivo e as pessoas, em contato umas com as outras.
A lista do Leia Livro funcionava junto com o site. Propúnhamos temas, geralmente relacionados a assuntos do dia, ou estimulávamos debates trazidos pelos participantes. E era comum que as participações trouxessem perspectivas diferenciadas e despreconceituosas sobre esses assuntos. As trocas sobre a qualidade da literatura do Paulo Coelho ou sobre literatura espírita são exemplos da vivência rica e pouco óbvia que esses debates proporcionavam.
Depois que o assunto rendia a discussão na lista, recolhíamos os principais fragmentos das melhores participações e montávamos um texto para publicar no site. Dessa maneira a lista gerava conteúdo original e esse conteúdo servia para promover a lista pelo site, chamando outras pessoas que se identificassem com a proposta.
Veja dois textos gerados a partir de discussões na lista:
Mas tivemos que lançar uma versão nova do site, em seguida uma parte da equipe saiu e a lista ficou abandonada. Sem a presença ativa dos donos da lista, a participação diminuiu e o espaço se tornou convidativo para pessoas interessadas em divulgar sua produção poética ? elas mandam seus textos e respondem umas para as outras com elogios rápidos. Essa mudança de propósito afastou os usuários que gostavam do debate, o que em consequência empobreceu a experiência de quem participa do Leia Livro. Agora queremos reverter a situação e mais uma vez me peguei lembrando de como o Rene de Paula conduz o seu Radinho de Pilha.
A pessoa ou equipe que quiser criar uma lista de discussão deve estar preparada para proceder da seguinte maneira:
1) Boas-vindas aos novos participantes . É função do moderador receber as pessoas interessadas no assunto da lista, integrando-as à comunidade. Se o usuário manda uma mensagem se apresentando e ninguém se manifesta, é possível que ele desista de participar.
2) Estímulo ao debate. Complexidade gera complexidade. Em um ecossistema, quando mais formas de vida coexistirem, mais o ambiente será convidativo a outras formas formarem nichos. O moderador deve estar atento para estimular a discussão fazendo um esforço para encontrar, mesmo em mensagens menos interessantes, temas que façam a comunidade participar. Não se trata de fazer elogios gratuitos ? a comunidade é hábil para detectar falsidades. É importante o participante sentir que sua mensagem trouxe uma contribuição relevante e que aquela participação gere novas mensagens. Outra maneira de estimular o debate é mandando conteúdo para a lista como artigos, notícias e informações úteis.
3) Manutenção do foco temático. Se a comunidade cresce rápido, levará algum tempo até que os novos participantes conheçam as regras de conduta. Se os usuários começam a discutir assuntos desvinculados dos propósitos da lista, o grupo de assíduos começa achar que o ruído está encobrindo a comunicação, e começa a se afastar, primeiro dando menos atenção às mensagens, colocando-as em segundo planto, até o momento em que decidem se desligar.
4) Cuidado com os relacionamentos. É comum as discussões mais acaloradas descambarem para a troca de ofensas. O moderador deve estar atento para esse tipo de movimento e estar preparado para tomar as atitudes necessárias para acalmar o ambiente. Isso inclui mandar uma mensagem conciliatória, chamar a comunidade para discutir o problema que gerou a tensão, conversar em privado com os provocadores e eventualmente expulsas quem insistir em criar problemas.
No caso do Leia Livro, a lista completa o site oferecendo um espaço dinâmico para tratar de assuntos de interesse comum. O conteúdo que destacávamos no site servia para alimentar a lista e usávamos o material editado resultante dos debates para produzir artigos novos. Esses textos, publicados no site, serviam para promover a lista.
É o moderador quem dá o ritmo da lista. Se acontecem brigas, se chegam muitas mensagens com conteúdo desinteressante ou se a lista fica muito tempo sem participação, os usuários tendem a se envolver com outras comunidades. Mas se o moderador participa com interesse e entusiasmo, com o tempo os usuários mais ativos começam a demonstrar uma espécie de ?senso cívico? interno. Eles assumem parte das responsabilidades pela manutenção da comunidade. Dão as boas-vindas aos novos, estimulam a discussão respondendo a mensagens a princípio menos interessantes, retransmitem conteúdo e mesmo ajudam a resolver conflitos. É quando a comunidade se parece com um ser vivo. [Webinsider]
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Juliano Spyer
Juliano Spyer (www.julianospyer.com.br) é mestre pelo programa de antropologia digital da University College London e atua como consultor, pesquisador e palestrante. É autor de Conectado (Zahar, 2007), primeiro livro brasileiro sobre mídia social.