Sobre jogos, pôquer e a volta do Fenômeno

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Com Luciene Santos.

… A chuteira veste o pé descalço, o tapete da realeza é verde, olhando para bola eu vejo o sol. Está rolando agora, é uma partida de futebol…

Apesar da ginga brasileira nos versos da banda mineira Skank, não se trata realmente de mais um jogo de futebol. Mas é verdade que o Fenômeno voltou ao suntuoso tapete verde? Sim! Ronaldo deixou o futebol, mas continua a reinar na realeza verde, ao lado de Buffon, Boris Becker e Rafael Nadal. Agora, Ronaldo Luís Nazário de Lima é mais um contratado da PokerStars – o maior site de jogos de pôquer do mundo.

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Lançada em setembro de 2001, a empresa já com cerca de 60 milhões de inscritos. Com sede na Ilha de Man, a PokerStars é licenciada pela Isle of Man Gambling Supervision Commission (IMGSC). Na Itália, o site foi autorizado a operar pela Amministrazione Autonoma dei Monopoli di Stato (AAMS). O pôquer é um jogo de cartas jogado por dois ou mais jogadores, mas no site da PokerStars jogam em media 40 mil pessoas simultaneamente, distribuídas em cerca de 1.300 torneios.

Impacto negativo dos jogos de azar

Mas o que jogos de pôquer têm a ver com futebol? Tudo! Pelo menos para o marketing olimpiano. Inspirado no conceito de olimpianismo proposto por Edgar Morin, o uso de celebridades em spots publicitários funcionaria apenas como isca para a venda de produtos, serviços e entretenimento. Se você não era um dos milhares de espectadores que assistia ao vivo Brasil e Inglaterra no Maracanã, perdeu a estreia mundial do novo anúncio de TV da PokerStars, estrelado por ninguém menos que o Fenômeno.

Quem viu pode ter estranhado. Contudo, quando logo que pendurou as chuteiras, Ronaldo passou a se dedicar tão somente aos empreendimentos empresariais. Sempre ligado ao mundo da bola, criou a 9INE. A empresa é dedicada à representação de desportistas de várias modalidades. Um deles, André Akkari, membro da Team PokerStars Pro e tido como o melhor jogador brasileiro de pôquer da atualidade.

Ainda faz parte da equipe a campeã olímpica de hóquei em campo, a luso-holandesa Fátima Moreira de Melo. É verdade que na cultura de massa há uma forte tendência ao olimpianismo. Ou seja, a promoção de indivíduos a heróis, vedetes, um misto de humano e sobre-humano. Mas qual será o impacto no imaginário do país da corrupção assistir pela TV e internet celebridades do quilate do Fenômeno apostando alto em jogos de azar?

Na contramão dos jogos informativos

Sem entrar nas mazelas sociais, econômicas e psicológicas causadas por jogos de azar, o uso de celebridades em comerciais desse gênero de jogo inverte totalmente a lógica em favor dos jogos como mera informação. Afinal, a demonização histórica da palavra jogo advém justamente de jogos de azar. São jogos onde a possibilidade de ganhar ou perder não depende da habilidade do jogador. Mas, exclusivamente, da sorte ou do azar de quem joga. Há duas categorias distintas: azar com habilidade e puro azar.

Jogos de azar com habilidade. Há um processo aleatório (jogos de carta – incluindo o jogo de pôquer -, jogos de mesas de roleta, o lançamento de uma moeda ou o lançamento de um ou mais dados etc.). Nessa categoria de jogo, os jogadores têm possibilidade de escolha, a partir de várias técnicas e regras de como melhor conduzi-lo. O jogo de pôquer é jogado com um baralho de 52 cartas. A distribuição delas é o único elemento aleatório do jogo. A forma de aposta, as apostas, os blefes são escolha do jogador.

Jogos de puro azar. São jogos nos quais os jogadores não têm qualquer possibilidade de escolha. Muitos deles são jogos para crianças, uma vez que basta conhecer as regras e cada jogador tem uma chance igual de vencer. A Batalha é um jogo de cartas que é jogado com um baralho de 32 cartas ou 52 cartas. Cada jogador joga a primeira carta e a compara com a do oponente. Há uma regra fixa para cada combinação de cartas. Portanto, os jogadores não têm nenhum poder de escolha.

Olimpianos em jogos de azar

O receio é de que a iniciativa de usar olimpianos em comerciais de jogos de azar possa demonizar ainda mais o termo jogo e reduzir a crença de que plataformas de jogos podem funcionar também como base de informação real. Pois, a essência do jogo de azar é a tomada de decisão sob condições de risco econômico do jogador. Ao contrário, as narrativas de jogos baseados em informação têm como premissa básica elevar a capacidade crítica do jogador para atuar social e politicamente na cidade onde vive.

Ainda servem como instrumento de combate às ações publicas nocivas ao bem estar de cidadãos comuns. Não preciso enumerar o lado B dos jogos sem nenhum fim social. Enquanto jogos de azar estão reduzidos ao velho modelo perde-ganha, em jogos informativos a vitória é justamente a elevação do juízo crítico do jogador. Isso só parece piegas numa sociedade pautada pela Lei de Gerson. Contudo, já existe uma proposta de lei circulando em Brasília que visa proibir o uso, pelo marketing, de celebridades do futebol em comerciais de cervejas.

Agora só está faltando o ministro da Saúde vir a público apresentar os números dos males causados à saúde pela bebida mais consumida pelos brasileiros. Isso sem contar milhares de pessoas que morrem todos os anos em acidentes de trânsito por dirigirem alcoolizadas, inclusive inúmeras celebridades. Quando colocamos na mesa o uso do marketing de olimpianos para promover a velha narrativa de jogos de azar, colocamos em perspectiva o retrato cultural de uma sociedade com princípios decadentes.

Jogos de probabilidade e combinação

A maioria dos jogos de azar é baseada em apostas cujos prêmios estão determinados pela probabilidade estatística de acerto e a combinação escolhida. Quanto menor é a probabilidade de se obter a combinação correta, maior é o prêmio. Por outro lado, numerosos jogos (como jogos de pôquer) combinam o simples azar com a destreza dos jogadores. A habilidade do jogador é útil ao estimar as possibilidades decorrentes de uma ou mais ações, sempre em relação ao azar.

Nesses jogos, o jogador deve ser capaz de reduzir a probabilidade de resultados desfavoráveis ​e aumentar a probabilidade de resultados favoráveis através de suas ações. Ganhar ou perder neste tipo de jogo depende muito da habilidade dos jogadores, mas o componente imprevisível do azar (aparentemente invisível) pode afastar a possibilidade de vitória, mesmo do jogador mais experiente e qualificado. Mesmo porque, numa mesa de pôquer só um sairá vencedor.

EV – consciente do valor esperado

O dinheiro ganho ou perdido em um jogo de azar é determinado pelo EV – Expected Value – Valor Esperado de uma aposta. Cada aposta pode gerar um EV negativo (perda de dinheiro) ou positivo (ganho de dinheiro). Um exemplo simples de EV: imagine uma aposta que tem-se 25% de chance de ganhar e aposta-se 10 créditos para ganhar 50 créditos. O que aconteceria, matematicamente falando? Perder-se-ia 10 créditos 3 vezes (75%) e ganharia 50 numa quarta vez.

Desses 50 créditos, tiram-se os 30 perdidos nas primeiras apostas para obtermos um lucro de 20 créditos. Esses 20 créditos podem ser divididos pelas 4 apostas significando que a cada aposta o apostador teve um EV de +5 (20/4). Ou seja, mesmo perdendo as apostas iniciais, esse apostador estava na verdade ganhando dinheiro ao fazer a decisão correta, afinal, a longo prazo ele sai vencedor do jogo. Se ele jogasse esse jogo milhares ou centenas de milhares de vezes, ele ficaria rico.

Segredo do lucro dos cassinos

O consciente EV é o que caracteriza o lucro dos cassinos. Todos os jogos de azar de um cassino têm uma pequena vantagem para a banca, algo entre 0.5% e 3.5% (depende do jogo). Essa percentual de vantagem para banca gera um EV positivo para ela muito pequeno, mas que, em longo prazo, gera lucro. Depois de 10.000, 50.000, 100.000 apostas, mesmo que a banca tenha perdida algumas, ela vai ter o lucro, pois está criando uma aposta de EV positivo para si e EV negativo para os jogadores.

A partir de uma análise simples coloca-se um ponto final na falsa controvérsia sobre o pôquer ser ou não um jogo de azar. Toda jogada que o jogador faz gera um EV. Se é positivo ou negativo dependerá pura e exclusivamente da sua habilidade. Contudo, ele pode fazer a decisão correta e perder, já que as cartas que recebe são aleatórias. Porém, após jogar muitas vezes, fazendo decisões corretas (ou seja, decisões que gerem EV positivo), o jogador poderá sair vencedor. Não existem garantias numa mesa de pôquer.

A grande jogada do Fenômeno

O que pode estar por trás da iniciativa do Ronaldo empreendedor? Será uma mera expansão dos negócios, aumentar dividendos em tempo de crise, ou uma jogada de mestre para pavimentar o terreno para atrair a desconexa opinião pública em favor do lobby de grupos empresariais que desejam a volta dos cassinos ao Brasil? Seja qual for a grande jogada, o Brasil não está preparado socialmente para se tornar uma Las Vegas. Diariamente, o País da Bola é sacudido por um turbilhão de notícias que reportam o avanço da corrupção em todos os níveis da sociedade.

Ora, não demora muito a bancada da bola (ou evangélica) assumir todas as rédeas de um país desgovernado. Não é difícil antever o imaginário da jogatina pela TV e internet: copos de uísque sobre a mesa, fumaça de cigarro, barba cerrada e apenas um vencedor. Na altura do campeonato, a coisa que o brasileiro menos precisa é de um falso imaginário criado por jogadores de pôquer, mesmo que a imagem daquele uniforme preto e limpo, usado pelos players famosos, esconda as verdadeiras intenções por trás de qualquer jogo de azar.

Sites com problemas com o FBI

Em 15 de abril de 2011, o FBI fechou os principais sites de pôquer online que atuavam nos Estados Unidos, incluindo o principal endereço da PokerStars por fraude bancária, lavagem de dinheiro e jogo ilegal. Na época, as acusações feitas pelo Departamento de Justiça norte-americano afirmam que tais sites deviam cerca de US$ 3 bilhões ao governo. Porém, a PokerStars foi a primeira sala online a conseguir regularizar a sua situação junto ao governo americano e recuperar seu domínio (pokerstars.com).

Em salas físicas, a atividade de jogo a dinheiro é legal em alguns países. Nos Estados Unidos, o jogo de azar é permitido por lei federal, e os estados são livres para regulamentar ou proibir a prática. O jogo a dinheiro é legal em Nevada desde 1931, formando a espinha dorsal da economia do estado. A cidade de Las Vegas é talvez o lugar mais conhecido no mundo onde se joga a dinheiro.

No Brasil, Eurico Gaspar Dutra estabeleceu a proibição dos jogos de azar através do Decreto-Lei número 9215 de 1946. Apenas as loterias constituem uma exceção às normas de direito penal, só sendo admitida com o sentido de redistribuir os seus lucros com finalidade social em termos nacionais. No território brasileiro, a grande maioria dos jogos de azar são jogos de apostas, o que muitas vezes faz com que ambas as expressões sejam vistas como sinônimas.

No imaginário do cidadão comum, tal confusão ocorre sem que ele sinta a menor diferença. Agora, se você tem bala na agulha e sempre sonhou em fazer dupla com o Fenômeno, chegou o momento tão esperado. Mas não se esqueça da advertência em italiano logo no início e final do comercial: “Il gioco è vietato ai minori e può causare dipendenza patologica”. A escolha é sua… Os benefícios e riscos também! [Webinsider]

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Geraldo Seabra, (@newsgames) jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. É editor e produtor do Blog dos NewsGames.

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