A banalização da pesquisa de mercado

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Tenho acompanhado de perto como certas empresas de pesquisa de mercado trabalham, algumas, inclusive, de grande porte. E é fácil perceber como a atividade tem sido banalizada no Brasil.

A necessidade de corte de custos se fez presente no segmento, sobretudo para manter os patamares a que os contratantes no exterior estavam acostumados (dispostos) a pagar em tempos de dólar forte.

Porém, especialmente no que toca aos famosos incentivos por participação, vejo que o mercado esta trabalhando em patamares desrespeitosos e irreais.

Tome, por exemplo, os estudos encomendados pela indústria farmacêutica, famosa investidora de parte de seu faturamento em pesquisas clínicas e de mercado.

De olho no mercado brasileiro, 8° maior do mundo em 2008, ela com freqüência deseja coletar informações junto a médicos, principalmente nas especialidades onde existem medicamentos e tratamentos de alto custo como os oncologistas.

Vale considerar que estes profissionais (médicos) gozam das maiores médias salariais do mercado de trabalho brasileiro, segundo o Retorno da Educação no Mercado de Trabalho, da Fundação Getúlio Vargas. Eles cobram entre R$ 150 a R$ 800 por uma consulta de, em média, 20 minutos.

Logo, é absurdo ver entrevistadores oferecendo apenas R$ 30 a R$ 50 por 30 minutos de entrevista telefônica ou pessoal. Pois, como se sabe, estas preciosas informações irão alimentar o desenvolvimento de novos remédios pelos bilionários laboratórios.

Para efeito de comparação, alguns profissionais que cobram em torno de R$ 50 por consulta incluem: técnicos em informática, personal trainers, garotas de programa, tarólogos, massagistas e cabeleireiros.

Sem medir o mérito de um ou outro, pela complexidade e responsabilidade, o tempo de um profissional que leva em média 10 anos para chegar ao mercado de trabalho deve ser mais valorizado.

Em países desenvolvidos, diga-se de passagem, o propagandista de laboratórios paga por uma consulta para mostrar seus produtos, não o faz de forma forçada entre uma consulta e outra como acontece aqui no Brasil.

Especialmente no que tange a área médica, corremos o risco que esta pesca predatória simplesmente leve a atividade de pesquisa à extinção, ao menos até resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) ou CRMs (Conselhos Regionais de Medicina) de implementar limites ou mesmo proibições éticas a atividade.

Vide a proibição à atuação de empresas de telemarketing no Estado de São Paulo. Cabe as empresas brasileiras, às estrangeiras e também associações setoriais (ABEP, ASBMP, ESOMAR etc.) uma reflexão profunda e imediata sobre o assunto.

Ladeira abaixo

Valores muito abaixo do mercado, e a invariável sequência de perguntas enfadonhas, irão criar uma resistência muito grande destes profissionais em participar de qualquer tipo de pesquisa.

Será como o antibiótico que, usado inadequadamente, torna a doença ainda mais forte.

Uma empresa mexicana dia desses me ligou às 2h30 da manhã no celular, buscando desesperadamente um parceiro no Brasil para fazer parte de projeto. Quando conferi de perto, notei que estavam cotando em patamares irresponsáveis.

No dia seguinte, recusei gentilmente o convite e informei ironicamente ao colega que o fuso horário brasileiro é próximo ao mexicano e não similar aos dos outros parceiros do Bric (Índia e China), coisa de oito horas à frente.

Outro exemplo. Visando analisar o mercado, me cadastrei há alguns anos junto a diversas empresas de pesquisa para participar de projetos.

E deu certo, recentemente fui solicitado como entrevistador secreto para decorar um longo script, pegar meu carro e ir ao centro da cidade (Brasília) em horário comercial, inquirir os funcionários de uma loja de pneus sobre uma dezena de itens, avaliar diversas variáveis, preencher vários formulários, digitalizar as notas fiscais, tudo para ganhar um balanceamento grátis (R$ 30).

Há muita qualificação envolvida nesta atividade. Não é para qualquer um. Então penso comigo: ?vou perder uma tarde inteira fazendo consultoria para uma empresa multinacional por R$ 7,50 a hora?

Pedi para ser removido da lista.

Parte significativa dos trabalhos são encomendados por clientes no exterior. O fortalecimento do real frente ao dólar certamente encareceu os projetos no Brasil, que por seus elevados custos trabalhistas e tributários tendem a ser em média 30% mais caros que no México.

Fazer pesquisa no Brasil sempre será mais caro do que em outros países latino-americanos, isto deve ficar bem claro. Em janeiro de 2009 a paridade era de US$ 1 / R$ 2,35. Agora em dezembro chegou a US$ 1 / R$1,70. Cerca de 28% negativo.

O real valorizado foi um problema amplamente discutido na mídia, pela dificuldade enfrentada pelos exportadores brasileiros dos mais diversos produtos e também serviços.

A competição e busca insaciável por ganhos de eficiência está levando à banalização da atividade e exploração de determinados grupos profissionais. [Webinsider]
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Marcelo Sicoli (contact@enterbrazil.com) é professor de marketing internacional e gerente-executivo da Enterbrazil Consultoria.

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2 respostas

  1. Otimo texto. Acessei seu blog e vi outros interessantes artigos sobre o mundo corporativo.
    Cordialmente,
    Angela Colodete
    Brasilia-DF

  2. Excelente artigo. Mostra com muita atualidade, bom-humor e inteligencia a situação triste e desalentadora com que grandes corporações que atuam no Brasil tem depreciado a atividade de Pesquisa de Mercado. Topico deveria ser discutido em foruns e congressos do segmento.

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