O trabalho remoto que não te deixa respirar

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O trabalho remoto que não te deixa respirar. Foto: pixabay / royharryman / uso de reprodução livre.

A única “transformação digital” que interessa é transformar sua saúde mental em carne moída e seu trabalho em nissin-miojo.

Observe como a maioria das empresas, instituições públicas e até mesmo ONGs têm se comportado atualmente em relação ao trabalho remoto, horários de produção e demandas profissionais. Parece que a gente esqueceu tudo de positivo gerado pelo trabalho remoto/híbrido e passamos a nos concentrar apenas no negativo. Deixamos o bom de fora e multiplicamos o ruim.

Não precisa ir muito longe. Qualquer centro da cidade ou aglomerado corporativo, como é o caso dos parques tecnológicos ou torres empresariais, mostram diariamente que seguimos na pré-história da Psicologia Organizacional, a ignorar tudo que já foi estudado, metrificado e comprovado sobre o comportamento das pessoas no local de trabalho, motivações, satisfação, produtividade e, principalmente, saúde mental.

É uma realidade até mesmo nas empresas que se autodenominam parte da indústria criativa, um eufemismo bacanudo para manter o mesmo conservadorismo laboral, mas agora chamando funcionário de colaborador. E talvez colocar um pufe fofinho ou sofá coloridinho para você descansar, desde que seja (evidentemente) no seu horário de almoço. Chamam isso de mindfulness. Mãe de quem?

As pessoas continuam chegando no mesmo horário (cedo demais), tendo a mesma hora de almoço (rápida demais) e voltando para casa do mesmo jeito (lento demais). Ainda sem opção de mudar esse ciclo infernal e, geralmente, sem flexibilidade para sequer oferecer uma alternativa.

Tanto faz se você é CLT, PJ, RPA, temporário ou comissionado, quebra-galho ou pau-mandado, freelancer ou influencer. O tal do ecossistema continua a exigir a massificação, fazendo a única “transformação digital” que interessa: transformando sua saúde mental em carne moída e seu trabalho em nissin-miojo.

Até para fazer consultorias especializadas, cujo vínculo com a empresa é zero e a ideia é justamente ter uma estratégia de fora e uma visão global, a gente voltou a ficar refém da velha ladainha do “largamos às 18h” ou “tem reunião toda manhã às 8h”.

Seguimos acorrentados nesse efeito manada que há décadas já não faz sentido, mas que na pandemia da Covid-19 parecia ter, enfim, exaurido a validade. Fomos vacinados contra o coronavírus, mas a vacina contra o retrocesso laboral só teve a primeira dose, depois esquecemos a segunda e perdeu o efeito.

Também tenho visto (e presenciado) muitas empresas multiplicando o pior que existe no trabalho remoto: a maioria dos profissionais está sem hora de almoço, um horário que ainda dava tempo de olhar para o além por dez minutos e ficar pensando na morte da bezerra.

Agora a gente não consegue almoçar, lanchar ou jantar em paz, tornou-se impossível se distanciar da fiscalização de um gestor/coordenador que demanda todos os “colaboradores” disponíveis 100% do tempo no chat ou, incrivelmente, na webcam. Já estão em casa mesmo, né?

Seja no poder público ou na esfera privada, tem muita gente enlouquecendo e sem conseguir entregar quase nada, porque da sua casa você ainda precisa acordar às 7h para bater ponto e no presencial precisa acordar às 5h para ficar duas horas no trânsito. Na hora do almoço, tem que engolir uma marmita na própria empresa, porque não vai dar tempo de ir no restaurante: a fila está gigante porque o bairro inteiro tem a mesma hora de almoço e precisa voltar correndo igualzinho.

A maior crueldade desse resultado é que, se você se identificou com esse relato, já deve ter percebido que não pode reclamar. Porque aqui de fora, de onde observo e escrevo enquanto almoço às 15h e trabalho até às 21h, a impressão é que quase todos estão sem emprego. Seja ele remoto ou presencial. [Webinsider]

foto em destaque: pixabay / royharryman / uso de reprodução livre.


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Paulo Rebêlo é jornalista, escritor e consultor em política, tecnologia e estratégias corporativas. Diretor da Paradox Zero e da Editora Paradoxum.

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