Memórias musicais da adolescência, com Ella Fitzgerald

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Ella Fitzgerald se tornou parte importante da minha adolescência e do meu amadurecimento musical. A cantora teve um vínculo com o Brasil e com a Bossa Nova também, dedicando um disco inteiro a Tom Jobim.

 

Aconteceu comigo, e aconteceu depois com o meu filho mais novo: no desabrochar da adolescência, o gosto musical mudou radicalmente, e é bastante possível que a mesma coisa tenha acontecido com muita gente, porque a adolescência inicia um período onde mudanças hormonais e psicológicas ocorrem com qualquer um, menino ou menina.

No meu caso, eu aprendi a gostar de Jazz, por forte influência do meu compadre, e no do meu filho, ele aprendeu sobre Beethoven, quando estava no Cathays High School, em Cardiff, onde ele teve aulas de música. E logo a seguir, para sorte dele, teve enorme apoio de uma jovem professora substituta, que percebeu o interesse dele e o incentivou a conhecer mais da música que ele estava gostando.

Faz parte! Quando se conhece alguma coisa com que a gente se liga afetivamente, uma das primeiras coisas que acontece é procurar saber mais sobre o assunto de interesse.

Eu devia ter próximo de 16 anos, quando, indo em uma loja de discos, eu achei “Whisper Not”, disco da Verve, gravado em 1966 pela cantora Ella Fitzgerald, com arranjos e regência de Marty Paich, uma autêntica obra-prima jazzística. Na época, eu fiquei fascinado com a voz da cantora, e depois notei que a cada disco Ella usava extensões de sua corda vocal de forma diferente, porém com alta capacidade de improvisação.

Louis Armstrong “inventou”, acidentalmente ou não, o “scat singing”, uma forma de cantar improvisando sílabas desconexas, que permitem ao cantor emular instrumentos ou arranjos orquestrais. Ella foi uma dessas cantoras que se deixou influenciar por este estilo e brilhou ao cantar em scat singing como se tivesse um instrumento musical na voz. Com Count Basie, chegou a cantar os arranjos junto com a orquestra, usando esta técnica.

Aquele elepê do Whisper Not foi tocado seguidamente por longos anos. Foram momentos em que o eu menino aprendeu a ser introspectivo, e de entender como é fácil “ouvir” a alma de um músico. Posteriormente, já mais adulto, eu descobri que Whisper Not era “Ne Chuchot Pas”, música que fez parte de um filme da Nouvelle Vague, chamado Des Femmes Disparaissent, de 1959, cuja trilha foi composta pelo Jazz Messengers de Art Blabey, neste caso com a música escrita pelo lendário tenorista Benny Golson, com aquele som aveludado que caracterizava a sua maneira de tocar.

Mais à frente, eu ainda iria me cansar de tocar o disco Ella Swings Gently With Nelson (Riddle), complementado com a gravação “Ella Swings Brightly With Nelson”, todos os dois discos gravados na Verve.

Dizia-se que Norman Granz, fundador da Verve, era obcecado pela Ella Fitzgerald, chegando a preterir ou pouco produzir outras cantoras da gravadora.

A relação de Ella Fitzgerald com o Brasil

Eu nunca soube que Ella Fitzgerald havia vindo ao Brasil em 1960, mas em 1971, quando eu já estava na faculdade, Ella volta ao Rio de Janeiro, onde se apresentou no Theatro Municipal, com grande afluência de público. Ela veio com o seu trio, cujos participantes eu não me lembro mais quem eram, mas possivelmente estavam com ela o pianista Tommy Flanagan e o baterista Ed Thigpen.

Infelizmente, uma das coisas que me marcaram neste concerto foi o momento onde alguém da plateia gritou “People”, pedindo aquela música. E eu me lembro bem que Ella falou “People?”, mas cantou assim mesmo. Eu achei aquilo inacreditável, porque mostra o pouco conhecimento de pessoas do público sobre a discografia dos artistas. Nunca me esqueço de que quando a cantora Carmen McRae esteve em São Paulo, com o seu show transmitido pela TV, dentro de um hotel 5 estrelas, um cidadão, sentado em uma mesa próxima, pediu uma música, e Carmen, sem titubear, vira-se para o cara e diz com indignação “você nunca ouviu um disco meu!”, e não cantou o que o sujeito pedia.

Ella também se envolveu com a Bossa Nova, e particularmente com a música escrita por Tom Jobim. No seu concerto em Hamburgo, ela cantou “para os fãs da Bossa Nova” a música The “Boy” From Ipanema, sendo muito aplaudida.

Em Ella Abraça Jobim, com o subtítulo Ella Fitzgerald Sings The Antonio Carlos Jobim Songbook, disco da Pablo, ela se junta a um grupo mais americano do que brasileiro e sai desfilando, ao seu jeito, o cancioneiro do maestro. Para mim, foi uma decepção, porque muitas das suas interpretações no disco nada tem de Bossa Nova ou de Tom Jobim. Por acaso, eu tenho uma versão em CD Pablo com masterização 20bit K2 Super Coding, de alta qualidade, mas o disco acabou ficando esquecido na prateleira.

Claro que a memória da adolescência acaba tendo prevalência na vida do adulto e do idoso, porque são momentos em que as descobertas sobre música ou outros tipos de arte nos fazem crescer mentalmente.

Ella Fitzgerald me deu esta oportunidade e infinito prazer. É uma pena que a cantora tenha sofrido tanto na vida, e morreu em condições de saúde muito precárias. No entanto, o seu legado musical nunca se apagará! E isso, de certa forma, nos consola como fãs e como apreciadores da sua arte! [Webinsider]

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Ella Jane Fitzgerald, a voz mística do Jazz

Sergio Mendes e o Brasil ‘66. Que sucesso!

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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