‘Filmes clássicos, de importância história e valor para colecionadores, ainda não foram relançados e nem há sinais de sejam um dia.
Como antigo colecionador de filmes em disco, desde a época do Laserdisc, eu estou constantemente procurando a reedição de filmes antigos, com o aprimoramento que a tecnologia oferece.
E assim a minha coleção foi se alternando de formatos: depois do Laserdisc, apareceram os DVDs, os Blu-Rays 2K (1080p) e finalmente 4K (2160p). Duvido, e faço pouco, que aparecerão mídias com 8K, até porque, na minha avaliação pessoal, seriam inúteis sob o ponto de vista da reprodução, para a grande maioria dos usuários.
Histórico
A transição entre DVD e Blu-Ray se arrasta há anos, sem ter prazo para acabar. Reedições em 4K aparecem de vez em quando, mas não se nota um critério definido para o que é escolhido, nem como essas novas edições são feitas. Pelo menos, um avanço foi conseguido: a eliminação dos códigos de região!
A mesma coisa aconteceu quando a mídia passou do Laserdisc para o DVD, com o constrangedor agravante de muitas vezes não tirar vantagem das novas telas em 16:9, pré alta definição. Várias matrizes de Laserdisc, todas em vídeo 4:3, foram literalmente transpostas para o DVD, no formato Letterbox. Isto foi feito quando o DVD já permitia uma masterização anamórfica, com muito melhor resolução.
O novo padrão de display em 16:9 foi um passo importante para a transcrição de filmes widescreen, não importa de qual bitola ou relação de aspecto. Porém, para conseguir isso, o DVD passou a ser autorado com imagem anamórfica, tal qual os filmes antigos:
A entrada do Blu-Ray tornou obrigatória a formatação em 16:9, o que não deixou ser um baita alívio para os colecionadores e preservacionistas.
Filmes que nunca decolam
Eu teria que ter à mão uma lista infindável de filmes antigos que mereciam pelo menos uma versão em 16:9 de 1080p. Mas, vou citar dois casos que me preocupam e ocupam os meus constantes tempos de pesquisa on-line.
1 – A Volta ao Mundo em 80 Dias:
O obsessivo produtor Michael Todd comissionou a American Optical para desenvolver o Cinerama com uma só película. O resultado deste projeto foi o formato Todd-AO, negativo de 65 mm, com cópia em 70 mm para os cinemas, com 6 canais de som estereofônico magnético. Esta foi, a meu ver, a principal referência em película para todos os filmes apresentados em 70 mm.
O projeto original do Todd-AO previa rodar o filme e depois projetá-lo com a cadência de 30 quadros por segundo, para evitar o judder (arraste fotográfico com perda de foco). Mas, foram disponibilizadas versões em 24 quadros, que sempre foi o padrão do cinema.
Notem que o Incol 70/35 foi desenhado para projetar as duas cadências, tal como o Philips DP-70, desenvolvido para o Todd-AO. O Orion Jardim de Faria me contou que a Fox Film cedeu a ele cópias em 30 quadros, para fins de testes e padronização.
Filmes em Todd-AO foram refilmados ou reformatados para 35 mm CinemaScope, com 4 canais de som estereofônico.
O primeiro filme produzido foi o musical Oklahoma, filmado duas vezes, 70 e 35 mm, 30 e 24 quadros. Duas câmeras Todd-AO foram usadas em paralelo, com as cadências de 30 e 24 quadros, respectivamente. A versão em 35 mm CinemaScope é ligeiramente diferente da original.
O segundo filme rodado em Todd-AO foi justamente A Volta ao Mundo em 80 dias, desta vez somente com as duas câmeras para 30 e 24 quadros. A versão de 24 quadros foi reduzida para CinemaScope, em 35 mm. Esta foi a versão que eu assisti com os meus pais, no extinto Cinema Vitória.
O filme foi uma mega produção, com um elenco enorme, de estrelas do cinema na época. Mas, o filme notabilizou-se por fazer de parte deste elenco atores somente aparecendo na tela de surpresa e com pequena participação no filme, como por exemplo Frank Sinatra sentado ao piano.
Este tipo de participação ganhou o nome de “cameo role” ou, se quisermos, “participação (papel) especial”. Foi o primeiro filme conhecido por fazer uso deste recurso.
Durante um longo período de tempo, acreditava-se que o negativo de câmera deste filme havia sido danificado ou perdido. Mas, provou-se que isso não era verdade, embora a cópia original do filme concluído tenha sofrido alterações várias vezes.
A Warner Brothers comprou os direitos do filme, que haviam ficado com Elizabeth Taylor, viúva de Michael Todd. Os restauradores da Warner resgataram as melhores cópias da versão em 24 quadros, e lançou o DVD com imagem de 2.20:1, e duração de 183 minutos, incluindo os segmentos de intervalo e entreato.
A versão em 30 quadros ainda existe, porém o negativo está muito desgastado. Supõe-se que a Warner está em vias de restaurá-la em alta definição, mas quando? Por enquanto, o que se vê na mídia é isso aí:
Portanto, nem é prudente prender a respiração, esperando o lançamento!
2 – Alta Sociedade:
A Paramount mandou desenvolver o processo fotográfico chamado de VistaVision, com o negativo de 35 mm rodando horizontalmente na câmera, em uma área de 8 perfurações, e com isso obtendo uma excelente qualidade de imagem, classificada por eles de “Alta Fidelidade”, com toda razão.
A M-G-M licenciou este processo de filmagem e rodou vários de seus filmes com ele, entre os quais os de Alfred Hitchcock (Intriga Internacional).
O estúdio também aproveitou para reciclar alguns de seus antigos filmes. Alta Sociedade (High Society) foi um desses casos. O filme original, Philadelphia Story, é uma comédia de 1940, que foi transformada em um musical, com primorosa trilha sonora de Cole Porter.
O filme marca também a presença da atriz Grace Kelly, antes que ela se mandasse para o Europa, casar com o príncipe e participar do reinado de Mônaco, o qual, aparentemente, não a fez muito feliz, Kelly faleceu em um desastre automobilístico, ainda hoje cercado de um certo mistério.
No elenco, estão Bing Crosby e Frank Sinatra, dois dos cantores expoentes daquela época (década de 1950). Embora o filme em si esteja longe de ser brilhante, porque parte dos diálogos quebra o ritmo do filme, mas ainda assim ele tem méritos na fotografia, nos arranjos e na trilha sonora.
Todas as vezes que se anunciam títulos da Archive Collection, série de discos que resgatam filmes da M-G-M, os colecionadores esperam que Alta Sociedade esteja incluído em alguma nova lista de lançamentos, mas, até agora, em vão!
O DVD Warner brasileiro tem pelo menos o resgate da trilha sonora estereofônica, com direito à abertura do filme. Normalmente, filmes em VistaVision eram lançados em mono apenas, mas muitos preservacionistas descobriram nos arquivos dos estúdios cópias de trilhas gravadas em estéreo, uma delas aproveitada aqui.
A música de Cole Porter foi entregue para Johnny Green reger a orquestra da M-G-M. O estúdio havia sido pioneiro em gravações estereofônicas, e este maestro foi um entusiasta, e porque não dizer inovador, dos processos de gravação mais modernos.
Alta Sociedade teve alguns de seus segmentos aproveitados nas versões em 70 mm de That’s Entertainment, e supõe-se (espera-se) que o negativo ainda esteja em condições de ser usado para a transcrição em alta definição, melhor ainda se for em 4K, visto que o processo VistaVision é de altíssima qualidade fotográfica!
Infelizmente, até agora nada, e assim o colecionador vai ter que torcer e esperar que a Warner tenha a decência de ver este filme voltar a ver a luz do dia nas mídias em disco. [Webinsider]
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Trilhas sonoras de filmes antigos rejuvenescidas pela remixagem
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
2 respostas
Olá Paulo.
É lamentável se deparar com filmes antigos principalmente em VHS que tivemos acesso na antiga e sepultada Blockbuster, que nunca chegaram a ter uma versão digital, seja em DVD ou Blu-ray. As distribuidoras dos estúdios só se preocupam em duplicar titulos que eram rentáveis para “elas”, mas se esqueceram que o cinema em si é uma biblioteca, que ao invés de livros tem milhares de otimos filmes. Mas como você bem descreveu quem pode fez sua coleção no tipo de fita, ou midia que foi disponibilizada. Pena que a sociedade tem mais apreço pelos livros do que os filmes…
Oi, Rogério,
Exatamente. A coleção doméstica de filmes é parte de um processo de resgate de cultura. E muitas vezes do resgate de filmes importantes. Antigamente, este resgate era conseguido através das cinematecas (eu frequentei durante muito tempo as do Museu de Arte Moderna, cujo acervo pegou fogo, e a do Museu da Imagem do Som). Hoje, só mesmo comprando filmes. Sim, tem-se o streaming, mas sinceramente, não é a mesma coisa!